O destino esquecido dos trabalhadores forçados do nazismo
Nina Werkhäuser | Luisa von Richthofen
1 de setembro de 2023
Em grandes fábricas de armamento ou no padeiro da esquina, milhões de operários foram explorados na Alemanha nacional-socialista. Quase 80 anos depois, histórias ocultas – também por vergonha – esperam para ser contadas.
Anúncio
Quando sua tia-avó morreu, Hanna S. tinha oito anos – jovem demais para compreender aquilo por que passara a irmã de sua avó. Assim como 13 milhões de outras mulheres, homens e crianças, ela integrara a força de trabalho compulsório na Alemanha sob o regime nacional-socialista. Muitos deles haviam sido abduzidos dos países ocupados para o Império Alemão.
"Fiquei sabendo meio por acaso do destino da minha tia-avó", conta a vivaz professora de longos cabelos castanhos. Natural de Belarus, ela aproveita as férias de verão para participar em Berlim de um seminário tendo como tema os trabalhos forçados na época nazista.
As informações de que dispõe sobre sua antepassada são incipientes, pois "na minha família se falava pouco a respeito", explica a entrevistada, que não quer ter seu nome completo divulgado. "Acho isso uma grande pena. É a lacuna na história da família."
No momento, ela só sabe que sua tia-avó tinha era obrigada a assar pão, mas espera descobrir mais. Também por isso veio para a capital alemã, onde fica o Centro de Documentação sobre Trabalhos Forçados no Regime Nacional-Socialista.
O silêncio da vizinhança
No centro de documentação no sudeste de Berlim, Hanna S. e outros interessados em história frequentam um seminário de dez dias para professores, promovido pela organização pela paz Aktion Sühnezeichen Friedensdienste (ASF). Outros cinco participantes igualmente provêm de Belarus.
Anúncio
A Volkswagen e a ditadura brasileira
05:55
"O assunto me toca, mas também é emocionalmente exaustivo", reconhece ela, que planeja mais tarde pesquisar por conta própria nos arquivos do centro. Enquanto fala, a professora de 30 anos contempla as paredes nuas de um barracão, parte de um acampamento em que os trabalhadores forçados eram alojados a partir de 1943, e mantido hoje como memorial autêntico.
A árvore diante da janela já existia na época, assim como as casas de cujas janelas os moradores viam o acampamento, e como de manhã cedo os operários se dirigiam às fábricas circundantes, retornando só à noite.
Não é preciso muita fantasia para imaginar o confinamento, o frio e as indizíveis condições higiênicas no barracão, sobre os quais numerosas testemunhas contemporâneas relatarão mais tarde. Privacidade não existia, nem mesmo no espaço onde ficavam as privadas, no fim do corredor.
Mão de obra forçada "estava por toda parte"
O exemplo da então capital do Império Alemão ilustra bem as enormes dimensões do trabalho forçado no regime nazista. Berlim não era só o centro de poder, mas também locação de grandes estabelecimentos industriais e de armamentos, com sua gigantesca demanda de mão de obra – até porque muitos alemães e alemãs se encontrarem na frente de batalha.
Sozinha, a metrópole às margens do rio Spree explorou o trabalho de cerca de meio milhão de homens, mulheres e até crianças: eles estavam "por toda parte" na capital, confirma o historiador Roland Borchers, que pesquisa no Centro de Documentação sobre Trabalhos Forçados.
Embora hoje em dia quase nada reste na paisagem urbana berlinense que remeta a esse passado, historiadores calculam que havia na cidade cerca de 3 mil alojamentos para os operários forçados: "Em cada canto havia um", confirma Borchers. Além dos acampamentos de barracões, também serviam como alojamento coletivo depósitos, sótãos e residências particulares.
Desses, 2 mil já estão documentados num banco de dados com livre acesso para o público, o qual o pesquisador Borchers alimenta constantemente com novas informações, pois "estamos sempre encontrando novos alojamentos".
A perspectiva das vítimas
Durante o regime nazista qualquer empresa podia requerer trabalhadores forçados – da grande fábrica de armamentos até o padeiro da esquina. "Ele tinha que ir ao Departamento de Trabalho, apresentar sua demanda e convencer da importância de sua empresa", explica Borchers. "Aí lhe era designado um operário forçado."
Depois da Segunda Guerra Mundial, por longo tempo a temática da exploração do trabalho compulsório recebeu pouca atenção. Só em meados dos anos 1980 começou seu processamento, que prossegue até hoje. E alguns aspectos ainda são pouco esclarecidos, frisa o historiador: sabe-se pouco sobretudo sobre as perspectivas e experiências das vítimas.
Hanna S. vivenciou como em muitas famílias se evita falar sobre o assunto, seja por vergonha ou por outros motivos. Para ela, esse é mais um incentivo para se ocupar dos trabalhos forçados durante o nazismo, "para que esse tipo de atrocidade não se repita no futuro".
Cronologia da Segunda Guerra Mundial
Em 1° de setembro de 1939, as Forças Armadas alemãs atacaram a Polônia, sob ordens de Hitler. A guerra que então começava duraria até 8 de maio de 1945, deixando um saldo até hoje sem paralelo de morte e destruição.
Foto: U.S. Army Air Forces/AP/picture alliance
1939
No dia 1° de setembro de 1939, as Forças Armadas alemãs atacaram a Polônia sob ordens de Adolf Hitler – supostamente em represália a atentados poloneses, embora isso tenha sido uma mentira de guerra. No dia 3 de setembro, França e Reino Unido, que eram aliadas da Polônia, declararam guerra à Alemanha, mas não intervieram logo no conflito.
1939
A Polônia mal pôde oferecer resistência às bem equipadas tropas alemãs – em cinco semanas, os soldados poloneses foram derrotados. No dia 17 de setembro, o Exército Vermelho ocupou o leste da Polônia – em conformidade com um acordo secreto fechado entre o Império Alemão e a União Soviética apenas uma semana antes da invasão.
Foto: AP
1940
Em abril de 1940, a Alemanha invadiu a Dinamarca e usou o país como base até a Noruega. De lá vinham as matérias-primas vitais para a indústria bélica alemã. No intuito de interromper o fornecimento desses produtos, o Reino Unido enviou soldados ao território norueguês. Porém, em junho, os aliados capitularam na Noruega. Nesse meio tempo, a Campanha Ocidental já havia começado.
1940
Durante oito meses, soldados alemães e franceses se enfrentaram no oeste, protegidos por trincheiras. Até que, em 10 de maio, a Alemanha atacou Holanda, Luxemburgo e Bélgica, que estavam neutros. Esses territórios foram ocupados em poucos dias e, assim, os alemães contornaram a defesa francesa.
Foto: picture alliance/akg-images
1940
Os alemães pegaram as tropas francesas de surpresa e avançaram rapidamente até Paris, que foi ocupada em meados de junho. No dia 22, a França se rendeu e foi dividida: uma parte ocupada pela Alemanha de Hitler e a outra, a "França de Vichy", administrada por um governo fantoche de influência nazista e sob a liderança do general Pétain.
Foto: ullstein bild/SZ Photo
1940
Hitler decide voltar suas ambições para o Reino Unido. Seus bombardeios transformaram cidades como Coventry em cinzas e ruínas. Ao mesmo tempo, aviões de caça travavam uma batalha aérea sobre o Canal da Mancha, entre o norte da França e o sul da Inglaterra. Os britânicos venceram e, na primavera europeia de 1941, a ofensiva alemã estava consideravelmente enfraquecida.
Foto: Getty Images
1941
Após a derrota na "Batalha aérea pela Inglaterra", Hitler se voltou para o sul e posteriormente para o leste. Ele mandou invadir o norte da África, os Bálcãs e a União Soviética. Enquanto isso, outros Estados entravam na liga das Potências do Eixo, formada por Alemanha, Itália e Japão.
1941
Na primavera europeia, depois de ter abandonado novamente o Pacto Tripartite, Hitler mandou invadir a Iugoslávia. Nem a Grécia, onde unidades inglesas estavam estacionadas, foi poupada pelas Forças Armadas alemãs. Até então, uma das maiores operações aeroterrestres tinha sido o ataque de paraquedistas alemães a Creta em maio de 1941.
Foto: picture-alliance/akg-images
1941
O ataque dos alemães à União Soviética no dia 22 de junho de 1941 ficou conhecido como Operação Barbarossa. Nas palavras da propaganda alemã, o objetivo da campanha de invasão da União Soviética era uma "ampliação do espaço vital no Oriente". Na verdade, tratava-se de uma campanha de extermínio, na qual os soldados alemães cometeram uma série de crimes de guerra.
Foto: Getty Images
1942
No começo, o Exército Vermelho apresentou pouca resistência. Aos poucos, no entanto, o avanço das tropas alemãs chegou a um impasse na Rússia. Fortes perdas e rotas inseguras de abastecimento enfraqueceram o ataque alemão. Hitler dominava quase toda a Europa, parte do norte da África e da União Soviética. Mas no ano de 1942 houve uma virada.
1942
A Itália havia entrado na guerra em junho de 1940, como aliada da Alemanha, e atacado tropas britânicas no norte da África. Na primavera de 1941, Hitler enviou o Afrikakorps como reforço. Por muito tempo, os britânicos recuaram – até a segunda Batalha de El Alamein, no outono de 1942. Ali a situação mudou, e os alemães bateram em retirada. O Afrikakorps se rendeu no dia 13 de maio de 1943.
Foto: Getty Images
1942
Atrás do fronte leste, o regime de Hitler construiu campos de extermínio, como Auschwitz-Birkenau. Mais de seis milhões de pessoas foram vítimas do fanatismo racial dos nazistas. Elas foram fuziladas, mortas com gás, morreram de fome ou de doenças. Milhares de soldados alemães e da SS estiveram envolvidos nestes crimes contra a humanidade.
Foto: Yad Vashem Photo Archives
1943
Já em seu quarto ano, a guerra sofreu uma virada. No leste, o Exército Vermelho partiu para o contra-ataque. Vindos do sul, os aliados desembarcaram na Itália. A Alemanha e seus parceiros do Eixo começaram a perder terreno.
1943
Stalingrado virou o símbolo da virada. Desde julho de 1942, o Sexto Exército alemão tentava capturar a cidade russa. Em fevereiro, quando os comandantes desistiram da luta inútil, cerca de 700 mil pessoas já haviam morrido nesta única batalha – na maioria soldados do Exército Vermelho. Essa derrota abalou a moral de muitos alemães.
Foto: picture-alliance/dpa
1943
Após a rendição das tropas alemãs e italianas na África, o caminho ficou livre para que os Aliados lutassem contra as potências do Eixo no continente europeu. No dia 10 de julho, aconteceu o desembarque na Sicília. No grupo dos Aliados estavam também os Estados Unidos, a quem Hitler havia declarado guerra em 1941.
Foto: picture alliance/akg
1943
Em setembro, os Aliados desembarcaram na Península Itálica. O governo em Roma acertou um armistício com os Aliados, o que levou Hitler a ocupar a Itália. Enquanto os Aliados travavam uma lenta batalha no sul, as tropas de Hitler espalhavam medo pelo resto do país.
No leste, o Exército Vermelho expulsou os invasores cada vez mais para longe da Alemanha. Iugoslávia, Romênia, Bulgária, Polônia... uma nação após a outra caía nas mãos dos soviéticos. Os Aliados ocidentais intensificaram a ofensiva e desembarcaram na França, primeiramente no norte e logo em seguida no sul.
1944
Nas primeiras horas da manhã do dia 6 de junho, as tropas de Estados Unidos,Reino Unido, Canadá e outros países desembarcaram nas praias da Normandia, no norte da França. A liderança militar alemã tinha previsto que haveria um desembarque – mas um pouco mais a leste. Os Aliados ocidentais puderam expandir a penetração nas fileiras inimigas e forçar a rendição de Hitler a partir do oeste.
Foto: Getty Images
1944
No dia 15 de agosto, os Aliados deram início a mais um contra-ataque no sul da França e desembarcaram na Provença. As tropas no norte e no sul avançaram rapidamente e, no dia 25 de agosto, Paris foi libertada da ocupação alemã. No final de outubro, Aachen se tornou a primeira grande cidade alemã a ser ocupada pelos Aliados.
Foto: Getty Images
1944
No inverno europeu de 1944/45, as Forças Armadas alemãs reuniram suas tropas no oeste e passaram para a contra-ofensiva em Ardenne. Mas, após contratempos no oeste, os Aliados puderam vencer a resistência e avançar inexoravelmente até o "Grande Império Alemão" – a partir do leste e do oeste.
Foto: imago/United Archives
1945
No dia 8 de maio de 1945, os nazistas se renderam incondicionalmente. Para escapar da captura, Hitler se suicidou com um tiro no dia 30 de abril. Após seis anos de guerra, grande parte da Europa estava sob entulhos. Quase 50 milhões de pessoas morreram no continente durante a Segunda Guerra Mundial. Em maio de 1945, o marechal de campo Wilhelm Keitel assinava a ratificação da rendição em Berlim.