Saída de José Eduardo Cardozo do Ministério da Justiça e divergências em relação à condução da política econômica expõem o isolamento cada vez maior da presidente no partido – algo que pode acabar lhe sendo útil.
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No último sábado (27/02), o PT celebrou seus 36 anos de existência com uma festa no Rio de Janeiro. Foi uma tentativa de demonstrar força poucos dias depois da prisão do marqueteiro João Santana, figura dominante nas campanhas do partido. O evento também serviu como ato de desagravo para o ex-presidente Lula, desgastado por investigações envolvendo seu patrimônio.
Lula e outros petistas de peso compareceram. No entanto, houve uma ausência notável: a da presidente Dilma Rousseff, que preferiu permanecer no Chile, para onde havia viajado um dia antes numa visita de Estado organizada às pressas.
Apesar de assessores do Planalto e membros do partido afirmarem publicamente que houve apenas um descompasso entre as agendas, a ausência foi encarada como um exemplo evidente do distanciamento entre Dilma e o PT. O presidente do diretório fluminense do PT, Washington Quaquá, explicitou esse sentimento ao falar na festa que "não faria questão da presença dela".
Já Dilma, quando questionada no Chile sobre o assunto, respondeu: "eu não governo só para o PT, eu governo para 204 milhões de brasileiros". "Um partido é um partido, um governo é um governo", completou a presidente.
Dois dias depois, o conflito entre sigla e governo resultou na saída de José Eduardo Cardozo do Ministério da Justiça. Uma das figuras mais próximas da presidente, Cardozo vinha sendo repudiado por várias alas do PT, que o acusavam de "corpo mole" ao não atuar para conter uma suposta perseguição da Polícia Federal contra o partido no âmbito da operação Lava Jato. Há meses, Lula e outros pediam sua saída, mas Dilma permanecia irredutível em dispensá-lo.
Pontos de discórdia
Além da atuação de Cardozo à frente do Ministério da Justiça, outros pontos de discórdia entre o governo e o PT envolvem a condução da política econômica e a posição de Dilma em relação a alguns projetos que tramitam no Congresso.
Na última sexta-feira, o PT aprovou um documento chamado Programa Nacional de Emergência, que descreve um plano econômico alternativo para o país, com a previsão de mais gastos em obras e na área social usando as reservas internacionais e a redução da taxa básica de juros. A ideia é totalmente oposta ao que o governo vem perseguindo nos últimos meses, que é uma política de contenção de gastos. As ações de Dilma e o plano aprovado pelo PT só coincidem em um ponto: a recriação da CPMF.
O PT e o governo também entraram recentemente em choque por causa da aprovação de diversos projetos no Congresso, que tinham apoio do Planalto. Um deles, o da lei antiterrorismo, foi condenado pelo Diretório Nacional do PT, que agora pede que Dilma vete a proposta.
Outro conflito ocorre em torno da lei aprovada no Senado na semana passada que desobrigou a Petrobras a ter uma participação de 30% na exploração de cada poço do pré-sal. Os petistas reclamaram publicamente da lei. A chapa Partido que Muda o Brasil, a maior do PT, pretende iniciar uma campanha nacional de repúdio à proposta.
Um dos temas explosivos que ainda deve gerar atritos entre Dilma e o PT é a reforma da Previdência, que o governo avalia como prioritária para recuperar a confiança do mercado. O PT e os sindicatos ligados ao partido nem querem ouvir falar disso.
"O centro do governo não pode ser a reforma da Previdência nem o ajuste fiscal. O centro tem de ser o emprego", afirmou na semana passada o senador Lindberg Farias, que fez duras críticas à posição do governo na última votação do pré-sal e que acusa a presidente de se afastar deliberadamente do partido.
Trocas de ministros
Até o momento, o PT está vencendo algumas das batalhas mais simbólicas contra a presidente. No ano passado, o partido e o ex-presidente Lula pressionaram Dilma para que ela tirasse Joaquim Levy do Ministério da Fazenda. Dilma resistiu por meses, mas acabou capitulando.
No lugar de Levy, entrou Nelson Barbosa, então ministro do Planejamento, que teoricamente estava mais afinado com os desejos do partido. No entanto, é consenso entre membros do PT que Barbosa ainda está seguindo a política de seu antecessor. Dilma também cedeu ao partido e a Lula quando tirou Aloizio Mercadante da Casa Civil e colocou Jaques Wagner no lugar. Já o substituto de Cardozo é justamente um aliado de Wagner.
Para o cientista Rafael Cortez, da consultoria Tendências, a queda de Cardozo pode eventualmente ajudar Dilma a romper seu isolamento dentro do PT. "Mas o governo perde identidade nesse processo, e Dilma vê seu poder diminuir", afirma.
Já para o cientista político Carlos Pereira, da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ebape), a falta de afinação entre o PT e Dilma sinaliza uma "separação amigável" e que o distanciamento é mútuo.
"Não é um divórcio definitivo, mas algo fruto das circunstâncias. O PT pressiona, mas já está percebendo que Dilma não vai dar uma guinada populista na economia e gastar mais", diz Pereira. "Por enquanto, eles [o PT] vão apoiar Dilma publicamente, mas vão continuar a se afastar. E depois, vão poder afirmar que fizeram a sua parte e que exigiram mudanças. Isso para chegar em 2018 com uma candidatura não tão associada às ações do atual governo. Eles podem dizer simplesmente que ela traiu o partido."
Segundo o cientista político, trocas de ministros, como a de Cardozo, são apenas uma tentativa de acalmar petistas mais irritados no curto prazo – sobretudo Lula – e não sinalizam uma reaproximação de Dilma com a sigla.
"Só é algo imediato. Apesar de tudo, Dilma está tentando salvar algo do seu mandato, pensando num legado e como vai ser lembrada. Não está pensando se o PT vai ganhar em 2018", diz. "Para Dilma, esse distanciamento é útil porque a tira um pouco do fogo das demandas constantes do partido, já que é difícil cumprir suas expectativas."
Altos e baixos da trajetória política de Dilma Rousseff
Ela foi a primeira mulher a ocupar a Presidência da República. Antes disso, lutou contra a ditadura militar e foi ministra de Lula. Eleita, o adversário passou a ser a crise econômica e a pressão pelo impeachment.
Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados
Contra a ditadura
Dilma Rousseff começou a vida política ainda jovem. No final dos anos 60, integrou organizações de combate à ditadura, até ser presa em janeiro de 1970 e torturada por mais de 20 dias. Quando deixou a prisão, no final de 1972, abandonou a luta armada e se mudou para o Rio Grande do Sul – onde se formou em Economia e ajudou a fundar o Partido Democrático Trabalhista (PDT).
Foto: AP/Arquivo Público do Estado de São Paulo
Ao lado de Lula
Dilma se filiou ao Partido dos Trabalhadores (PT) em 2001, enquanto era secretária de Minas e Energia do Rio Grande do Sul. Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002, foi nomeada ministra de Minas e Energia. Em 2005, ela assumiu a chefia da Casa Civil no lugar de José Dirceu, após o escândalo do mensalão. A mudança marcou o início de uma reforma ministerial em meio à crise política.
Foto: Ricardo Stuckert/PR
"Ministra linha dura"
Enquanto era ministra-chefe da Casa Civil, Dilma anunciou a criação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em 2007 – que acabou não se desenvolvento tanto quanto o esperado –, e assumiu a direção de iniciativas como o programa Minha Casa, Minha Vida. Em 2009, apresentou o marco regulatório do pré-sal, definindo as regras para a exploração das recém-descobertas reservas de petróleo.
Foto: A. Nascimento/ABr
Luta contra o câncer
Em abril de 2009, a então ministra foi diagnosticada com câncer linfático. Após cirurgia para retirada do tumor e meses de radioterapia, Dilma anunciou estar curada em setembro do mesmo ano, já como pré-candidata do PT à sucessão de Lula. Na ocasião, falou à DW sobre o câncer: "Se você se desarmar diante da doença, ela vence. Mas, se não, percebe que a vida não acabou e que pode até ficar melhor".
Foto: AP
De coadjuvante a presidente
Em outubro de 2010, Dilma deixou se der coadjuvante no cenário político para se tornar sucessora das políticas do ex-presidente. Contra o tucano José Serra no segundo turno, ganhou a disputa com cerca de 55 milhões de votos válidos, e se tornou a primeira presidente mulher da história brasileira. Dilma assumiu o posto em 1º de janeiro de 2011.
Foto: AFP/Getty Images/Evaristo Sa
Primeiro discurso na ONU
"Pela primeira vez, na história das Nações Unidas, uma voz feminina inaugura o debate geral. É a voz da democracia e da igualdade se ampliando nesta tribuna", disse Dilma na abertura da 66ª Assembleia Geral da ONU, em setembro de 2011. Em seu discurso, exaltou o papel feminino na sociedade e na política, lamentou a ausência palestina e defendeu a reforma do Conselho de Segurança da ONU.
Foto: picture-alliance/dpa
Demissão de ministros
Dos 39 ministros que integravam a equipe da presidente eleita, oito deixaram seus cargos nos primeiros 14 meses de mandato, após escândalos deflagrados principalmente pela imprensa. Sete deles vinham do governo Lula, com exceção do ministro do Turismo, Pedro Novais. Dos oito que caíram, apenas Nelson Jobim, então ministro da Defesa, não estava envolvido em denúncias de corrupção.
Foto: AP
Inclusão social
Ao longo do primeiro mandato, Dilma deu continuidade a programas sociais do governo Lula, como Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida, e realizou o leilão do Campo de Libra, no pré-sal, destinando recursos para educação e saúde. Novos programas também foram criados, como Pronatec e Mais Médicos, este último alvo de duras críticas das entidades médicas, que responderam com protestos e paralisações.
Foto: picture alliance/AE
Corrupção na Petrobras
Em março de 2014, a Polícia Federal deflagou a Operação Lava Jato, que investiga um megaesquema de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e dezenas de políticos – entre eles, os ex-ministros Edison Lobão e Antonio Palocci. O escândalo na estatal serviu de munição aos candidatos de oposição contra Dilma durante a campanha eleitoral daquele ano.
Foto: AFP/Getty Images/K. Betancur
Eleições acirradas
Dilma foi reeleita presidente em 26 de outubro de 2014, com 54,5 milhões de votos no segundo turno. Foi uma das eleições mais disputadas da história, com diferença de apenas 3,5 milhões de votos para o segundo colocado, Aécio Neves (PSDB). A campanha eleitoral foi marcada por ataques, escândalos e a morte de um dos presidenciáveis, Eduardo Campos (PSB), substituído por Marina Silva.
Foto: picture-alliance/dpa/Sebastião Moreira
Protestos e reprovação recorde
As manifestações de junho de 2013 apenas respingaram em Dilma. Em 2015, por outro lado, centenas de milhares de pessoas foram às ruas em todo Brasil para protestar especificamente contra o governo da presidente e os escândalos de corrupção. A gestão Dilma Rousseff, que chegou a ser aprovada por 73% dos brasileiros em pesquisa de 2011, viu essa taxa cair para 8% quatro anos mais tarde.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Orçamento com déficit
Em agosto de 2015, em guerra com o Congresso, o governo apresentou uma proposta de Orçamento para 2016 com previsão de déficit de 30,5 bilhões de reais, algo inédito. A decisão levou a agência de classificação de risco Standard & Poor's a retirar o grau de investimento do Brasil. Duas semanas depois, o governo anunciou o ajuste fiscal, aprovado pelo Congresso somente em dezembro.
Foto: picture-alliance/epa/F. Bizerra jr.
Pedaladas fiscais
No início de outubro, o Tribunal de Contas da União recomendou a rejeição das contas de 2014 do governo, devido às chamadas "pedaladas fiscais". A decisão é usada pela oposição para fundamentar um pedido de impeachment. Para reduzir despesas, Dilma anunciou o corte de oito ministérios, a extinção de 30 secretarias em todas as pastas e a redução em 10% do salário dos ministros e do seu próprio.
Foto: Reuters/U.Marcelino
Cunha: peça-chave do jogo político
Apesar de ser membro do PMDB, partido da base aliada, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, rompeu com o governo quando passou a ser investigado no escândalo da Petrobras. Em meio a denúncias de corrupção e ao aumento da pressão pela cassação de seu mandato, Cunha autorizou, em dezembro, o pedido de abertura de um processo de impeachment de Dilma. "Não me cabia outra decisão", afirmou ele.
Foto: reuters
Afastamento da presidência
Após cinco meses de debates acalorados e prolongadas sessões no Congresso – incluindo uma votação tumultuada na Câmara –, o processo de impeachment tem sua abertura aprovada pelo Senado em 12/05, marcando o ápice da mais grave crise política brasileira dos últimos tempos. Com isso, Dilma foi afastada da presidência por até 180 dias, enquanto enfrentaria julgamento por crime de responsabilidade.
Foto: Reuters/A. Machado
O impeachment
A etapa final do processo de impeachment – o julgamento no Senado – durou cinco dias, incluindo oitiva de testemunhas, a defesa pessoal de Dilma aos senadores e a votação final, que culminou no afastamento definitivo da petista da Presidência da República. Foram 61 votos favoráveis à cassação, ante 20 contrários. O Senado, porém, decidiu por manter o direito de Dilma de exercer cargos públicos.
Foto: Reuters/J. Marcelino
Discurso de despedida
"É o segundo golpe de estado que enfrento na vida. O primeiro, o golpe militar, apoiado na truculência das armas, da repressão e da tortura, me atingiu quando era uma jovem militante. O segundo, o golpe parlamentar desfechado hoje por meio de uma farsa jurídica, me derruba do cargo para o qual fui eleita pelo povo", disse Dilma, ao se despedir do cargo, em 31 de agosto de 2016.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Tentativa de se eleger ao Senado
Com os direitos políticos mantidos após o impeachment, Dilma concorreu ao Senado por Minas Gerais nas eleições de 2018. Ela recebeu 15,29% dos votos válidos, número insuficiente para se eleger, ficando em quarto lugar.
Foto: Reuters/W. Alves
Volta ao Congresso após o impeachment
Três anos após seu afastamento do cargo, voltou pela primeira vez ao Congresso em 4 de setembro de 2019, para o lançamento da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Soberania Nacional, que tem entre as principais bandeiras a luta contra as privatizações de estatais.