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O drama de mulheres em prisões do regime sírio

Julia Hahn pv
2 de maio de 2018

Ativistas estimam que milhares de mulheres tenham sido presas pelo governo de Assad e apontam tortura e abuso como tática de guerra. As que conseguem escapar relatam humilhações, ameaças e até estupros.

Ilustração reproduz memória da prisão: "Vou deixá-la pendurada no teto até que todos os seus maus pensamentos caiam nessa sacola"
Ilustração reproduz memória da prisão: "Vou deixá-la pendurada até que seus maus pensamentos caiam nessa sacola"Foto: Senem Demirayak

Muna Muhammad se lembra de cada detalhe: do mau cheiro nas celas; das dores, do torturador. "Ele colocou uma sacola plástica preta por cima da minha cabeça e depois me pendurou no teto, de cabeça para baixo", diz a mulher síria de 30 anos. A recordação ainda a assombra. O guarda disse que iria deixá-la pendurada no teto até que todos os "maus pensamentos caíssem na sacola", lembra.

Muna era professora de música antes de ser presa em 2012 por participar de protestos contra o presidente da Síria, Bashar al-Assad, em Deir ez-Zor, no nordeste do país. Ela foi liberada, mas posteriormente novamente presa e levada ao Departamento 215 da Inteligência Militar da Síria – apelidado por detentos de "filial do inferno", devido à ocorrência diária de tortura.

Um dia, o torturador de Muna apareceu com uma arma de choque. "Ele perguntou: 'Muna, onde está seu coração?'", conta. "Eu apontei para o meu coração, e foi lá que ele me eletrocutou."

Muna ficou em confinamento solitário ou presa numa cela abarrotada durante meses. Muitas mulheres foram abusadas sexualmente, afirma Muna, que também sofreu ameaças de estupro caso não confessasse. 

"Um dia eles interrogaram uma jovem de 16 anos. Eu a ouvi gritar. Foi tão alto que pensei que eles a estavam matando", conta.

Condições desumanas na "filial do inferno"

As condições de higiene na prisão eram catastróficas, afirma Muna. Nem sempre era permitido às mulheres detidas acesso a banheiros ou chuveiros. Havia crianças também.

"Eu me lembro de uma mulher e sua filha", diz Muna. "A cela dela era muito pequena e escura. A garota chorava o tempo todo. Ela tentava espiar por baixo da porta na esperança de ver um pouco da luz do dia."

Muna fugiu em 2016 para a Turquia, onde iniciou um projeto de apoio às mulheres sírias vítimas de torturaFoto: DW/J. Hahn

Graças a um decreto, Muna acabou anistiada e libertada. Em 2016, ela conseguiu fugir para a Turquia, onde reside até hoje – em Gaziantep, uma cidade que se transformou em refúgio para meio milhão de sírios.

Ninguém sabe exatamente quantas mulheres estão presas na Síria. "Mais de sete mil", estima Fadel Abdul Ghani, chefe de uma organização não governamental que documenta violações dos direitos humanos na guerra na Síria.

As estatísticas de Ghani sobre grupos armados apontam que casos de violência contra mulheres ocorrem na maioria dos grupos armados e são ainda mais frequentes os que envolvem o governo sírio. 

Segundo ele, as mulheres são deliberadamente visadas porque sempre tiveram um papel importante na oposição contra Assad. O regime vê a tortura e o abuso sexual de mulheres como uma estratégia de guerra, argumenta Ghani. "Quando se atingem as mulheres, se atingem as famílias – e, com isso, a oposição na sociedade. Esse é o objetivo", afirma.

Tortura e abuso sistemático

Em 2017, a Anistia Internacional afirmou que mais de 17 mil pessoas morreram desde 2011 em consequência de tortura, abusos e condições calamitosas nas prisões administradas pelos serviços de inteligência sírios e pelo governo da Síria.

Aproximadamente 13 mil pessoas teriam sido executadas na prisão militar de Saydnaya, ao norte de Damasco. A organização de direitos humanos classifica o "ataque sistemático e generalizado do governo contra civis" de crimes contra a humanidade.

Assad rejeitou o relatório da Anistia Internacional, que é baseado em declarações feitas por ex-prisioneiros. Segundo o presidente sírio, tudo não passa de "notícias falsas".

"Projeto da cura"

Muna quer que o mundo saiba o ocorre nas prisões sírias. A humilhação também fazia parte da tortura, diz ela. Certa vez, um guarda perguntou a um homem sobre sua profissão, e homem respondeu ser médico. O guarda ordenou que ele pulasse numa perna e dissesse: "Eu sou um coelho", conta Muna.

"No início, o médico falou bem baixinho. Então eles o espancaram e todos nós o ouvimos gritar: 'eu sou um coelho, eu sou um coelho'", conta Muna.

Ela registrou a própria história por escrito. Também vem coletando as narrativas de outras vítimas e iniciou um grupo de apoio a mulheres sírias, apelidado de o "projeto da cura".

"Algumas mulheres se recusam a falar sobre o que ocorreu com elas na prisão, e outras desmoronam e não conseguem parar de chorar quando falam sobre isso", diz Muna. "Eu tento mostrar a elas que elas são fortes, que as coisas terríveis que aconteceram não são culpa delas. Eu digo a elas para começarem uma nova vida."

A nova vida de Muna é na Turquia. Mas ela espera um dia poder ajudar a levar seus torturadores na Síria à Justiça.

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