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SociedadeGuiné

O drama dos órfãos do surto de ebola na Guiné

Karim Kamara
30 de março de 2023

Quase dez anos depois da maior pandemia da doença registrada na África Ocidental, jovens e crianças que perderam pais continuam esperando apoio prometido pelo governo.

Menino sentado em pedra vila na Guiné
Estima-se que mais de 6 mil crianças e jovens perderam os pais no surto de ebola da GuinéFoto: picture-alliance/AP Photo/J. Delay

Fatou Bangoura, de 17 anos, parece desolada enquanto senta silenciosamente na sua casa em Coyah, na Guiné. A jovem perdeu os pais no surto de ebola em 2013. Ela e três de seus irmãos mais novos foram então levados para uma família que os abrigou. "Devido ao ebola, ficamos órfãos", lembra Bangoura.

Depois de um tempo, a situação onde foram hospedados mudou. "Nossas famílias anfitriãs estão começando a se cansar de carregar nossos fardos. A obrigação de sustentar os irmãos sem apoio financeiro a sobrecarrega. "Até ter acesso à comida é difícil para nós. Devido ao ebola, perdemos a nossa educação. Atualmente nós não vamos para a escola", conta Bangoura.

Segundo a jovem, o governo teria prometido cuidar dos órfãos do surto de ebola, porém, nada foi feito até agora. "A vida é difícil para nós. Nós estamos pedindo ajuda".

Bangoura e seus irmãos não estão sozinhos nesta situação. Mais de 6 mil crianças perderam os pais no surto de ebola de 2013 na Guiné.

Sem educação, resta o trabalho doméstico

Mariama Sylla, que mora perto de Coyah, ficou órfã aos seis anos. Sem ter frequentado a escola, ela restou a ela arrumar bicos de serviço doméstico para poder sustentar a si mesma e aos irmãos.

"Perdi meus pais quando tinha seis anos e já estava na primeira série. Nem eu nem meus irmãos vamos à escola. Fazemos alguns bicos para nossa sobrevivência diária", contou Sylla. "Sou a mais velha de três agora. Sou a mãe e o pai deles. Fomos totalmente abandonados pelo Estado e pela comunidade internacional".

Última paciente de ebola na Guiné foi uma bebê de 34 dias, que se recuperou da doença em novembro de 2015Foto: Getty Images/AFP/C. Binani

Sylla acusa funcionários do governo de roubar fundos que foram destinados aos órfãos do ebola. Muitos dos jovens nesta situação no país compartilham desta opinião.

Libéria, Serra Leoa e Guiné foram o epicentro de um surto de ebola que atingiu a África ocidental entre 2013 e 2016. O primeiro caso foi registrado numa vila na Guiné em dezembro de 2013. A pandemia deixou 2 mil mortos no país. Outros mil pacientes se recuperaram, mas muitos morreram posteriormente por não ter acesso a um tratamento de acompanhamento.

Promessas do governo para os órfãos

Durante o surto, o governo da Guiné prometeu apoio às crianças que perderam os pais para o ebola. "Esses órfãos, porém, foram abandonados apenas seis meses após o fim da pandemia", afirma presidente da Rede Nacional de Sobreviventes do Ebola na Guiné, Amadou Oury Diallo.

"No início, havia instituições e ONGs que disseram que cuidariam dos órfãos, mas, infelizmente, os esforços de atendimento duraram pouco", ressalta Diallo. Segundo ele, a maior parte dos fundos destinados às vítimas e órfãos do ebola foi desviada por funcionários do governo.

Autoridades, porém, culpam a ausência de apoio aos órfãos devido à suposta falta de financiadores para os fundos.

"As autoridades dizem que não há fundos, e as instituições não estão mais financiando. As famílias anfitriãs foram convidadas a continuar abrigando essas crianças por conta própria. Assim, os órfãos foram abandonados", lamenta Diallo.

Muitos dos órfãos são ainda vítimas de estigmatização e discriminação. Segundo Diallo, essa situação levou a alguns a cometerem suicídio, enquanto outros ainda têm esperança que as dificuldades vão acabar.

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