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VariedadesGlobal

"O espaço do cuidar não depende de gênero"

13 de julho de 2024

Há 11 anos produzindo conteúdo sobre parentalidade, psicanalista Thiago Queiroz lamenta que sua audiência seja majoritariamente feminina: "Elas mandam meus conteúdos para seus companheiros, mas boa parte nem vê".

Homem levando bebê em canguru
"Temos que entender que nosso papel é bater o pé e seguir. A partir daí começa a mudança, a naturalização da presença paterna em espaços de cuidado."Foto: Maskot/imago images

Quando seu primeiro filho, Dante, tinha 5 meses, Thiago Queiroz sentiu a necessidade de registrar suas vivências, inseguranças, delícias e agruras acerca da paternidade. O despretensioso grupo das redes sociais virou site — Paizinho, Vírgula!, lançado em 2013 —, depois podcast, cursos e livros.

Com lançamento previsto para a semana que vem O Poder do Afeto é seu quinto livro. Psicanalista e palestrante, Queiroz partiu de uma experiência criada durante a pandemia de covid-19, quando promoveu um curso on-line para ajudar pais e mães a lidarem com o caos e as pressões da vida com filhos durante o isolamento social. "Quis oferecer para as pessoas um certo tipo de acalento. Todos estávamos presos em casa e tínhamos de lidar com os filhos no meio de todas as dificuldades"”, comenta ele.

"Minha ideia sempre foi oferecer conteúdos e reflexões acolhedores, sensíveis", diz Thiago QueirozFoto: Thais Alvarenga

Baseando-se em princípios como a técnica atenção plena, também conhecida como mindfulness, de meditação e discursos de comunicação não violenta, sua proposta, detalhada no livro, gira em torno de melhorar a relação entre pais e filhos de uma maneira leve, em que as reflexões não soem como um fardo a mais para pais e mães já sobrecarregados.

Sua frustração é perceber que, apesar de ter um lugar de fala como homem — um pai que procura estar presente na criação dos filhos —, a maior parte de sua audiência é exclusivamente feminina.

Para Queiroz, esse fenômeno denota uma sobrecarga ainda maior às mulheres, que além de assumirem a maior parte do "espaço do cuidar" ainda se incumbem de selecionar informações sobre filhos e repassar ao companheiro na esperança de que ele se envolva — o que geralmente não acontece.

"Infelizmente, existe essa sobrecarga adicional na mente da mãe, da mulher, casada ali com o pai do filho dela e, além de ter de se informar também tem de informar o parceiro, que não está interessado em se informar sobre isso", pontua Queiroz em entrevista à DW.

DW: O livro é resultado de um programa on-line que você criou durante a pandemia. Qual era a ideia?

Thiago Queiroz: Quis oferecer para as pessoas um certo tipo de acalento. Todos estávamos presos em casa e tínhamos de lidar com os filhos no meio de todas as dificuldades.

Como era o público?

Uma grande decepção que eu tive foi constatar que era uma jornada de pais e mães, mas sobretudo [o que mais havia] eram mães. A mãe se colocava disposta a fazer e normalmente ela queria fazer junto com seu parceiro, com seu marido. Mas era muito raro que ele topasse fazer isso. É decepcionante, porque quando se tem ali um pai e uma mãe e quando os dois topam fazer esse processo juntos, os efeitos são potentes não só para a parentalidade, mas para o próprio relacionamento. Isso é decepcionante, frustrante. Entristecedor.

Você acredita que ainda exista um preconceito da sociedade quanto ao fato de pais assumindo papéis historicamente vistos como "coisa de mãe"?

Minha ideia sempre foi oferecer conteúdos e reflexões acolhedores, sensíveis. E também críticas que possam provocar reflexões sobre a parentalidade em geral. E, obviamente, fazia isso a partir da minha perspectiva de pai, mas de uma forma que as pessoas pudessem entender que esse espaço do cuidar independe de gênero. Serve tanto para o pai quanto para a mãe. Os desafios, claro, vão ser diferentes, mas eu sempre gostei muito de provocar essas conversas, esses diálogos, de uma forma mista.

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Apesar disso, a grande maioria das pessoas que me seguem nas redes sociais é formada por mães. Por mais que eu seja um pai falando sobre isso. Isso só reflete o machismo da sociedade na qual a gente vive. Sou um pai falando sobre paternidade e filhos de uma forma acessível e direta, mas ainda assim a maioria são mães, que assistem a meus vídeos, fazem uma curadoria de meus conteúdos e mandam para seus companheiros. Que, em boa parte das vezes, nunca vão ouvir, nunca vão clicar para ver, para ler, para assistir. Não se manifestam nesse sentido. Elas compram meus livros e dão para os maridos. Mas os maridos nunca leem. Então, infelizmente, existe esse peso, essa sobrecarga adicional na mente da mãe, da mulher, casada ali com o pai do filho dela e, além de ter de se informar também tem de informar o parceiro, que não está interessado em se informar sobre isso.

Isso é um dos grandes problemas que a gente vive hoje em dia, muito maior do que necessariamente a gente enquanto pai querer participar da vida de nossos filhos e não se sentir tão aceito nesses espaços.

É como se a paternidade plena fosse a única situação em que o machismo se volta contra os homens?

Essa reflexão também é muito importante porque às vezes pode parecer que os homens precisam esperar uma condição ideal para que se possa exercer nossa paternidade quando, na verdade, é o oposto: como historicamente os pais nunca ocuparam esses espaços, é de se esperar que as pessoas estranhem quando alguns começam a ocupá-los. Nossa resposta enquanto agentes de mudança é continuar ocupando esses lugares de forma afetuosa, de forma empática, de forma não violenta, para mostrar o exemplo: olha, isso é possível; eu também sou pai e estou nessa reunião da escola; participo das consultas médicas; sei o que acontece com meus filhos.

Em última instância, é, sim, um lugar ligeiramente solitário para o pai que está fazendo esse movimento porque ele não costuma encontrar nesses espaços outros pais que estão também no mesmo processo. Mas, ao mesmo tempo, é um lugar de mudança, e isso é muito importante na sociedade. Temos que entender que nosso papel é bater o pé e seguir. E falar: poxa, eu quero, sim; não tem ninguém que está fazendo isso, nenhum amigo meu é assim, mas eu vou ser assim porque eu acredito que é importante para mim. A partir daí começa a mudança, a naturalização da presença paterna nesses espaços de cuidado.

Falar sobre cuidados na criação de filhos em uma sociedade desigual em que mães e pais precisam trabalhar longas jornadas, gastar horas em transporte público e, muitas vezes, precisam deixar filhos aos cuidados de parentes ou vizinhos não pode soar como um fardo a mais? Como resolver essa questão?

Esse é o ponto central que me fez desejar escrever O Poder do Afeto. Temos uma profusão absurda de livros que falam as teorias mais diversas e que às vezes se contradizem, livros que trazem uma carga de culpa, sobretudo para as mães, mas para os pais também, e oferecem poucos recursos, poucas ferramentas que sejam aplicáveis ao dia a dia corrido da nossa vida. Vou dar um exemplo: no meu livro eu falo sobre meditação para pais e criei até um termo: meditação para pais reais, para pais ocupados. O que isso quer dizer? Não vou cobrar de jeito nenhum que esse pai, que essa mãe fiquem uma hora meditando. Eles não têm tempo para isso. Mas eu abro um canal de diálogo, dizendo que isso é importante porque vai ajudá-lo a se sentir melhor, a lidar melhor com os desafios de seu filho. Na hora de dormir, na sua cama, cinco minutos focando na respiração já traz benefícios.

O trabalho do poder do afeto vem desse lugar, de encontrar o prazer e o equilíbrio na relação com seus filhos. Eu quero o equilíbrio. Para mim, esta é a palavra-chave. Não vou fazer como outros livros que falam que você precisa ter oito horas por dia de atenção dedicada [com os filhos]. Você não tem oito horas. Você tem de trabalhar.

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