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O caso de corrupção por trás da mulher mais rica da África

Cristina Krippahl ca
21 de janeiro de 2020

Angolanos querem investigação internacional sobre os casos de desvio de recursos envolvendo Isabel dos Santos, filha do ex-presidente do país. "Luanda Leaks" revelou conivência de nações como Brasil e Alemanha.

Isabel dos Santos
Isabel dos Santos é filha de José Eduardo dos Santos, que governou o país por quase quatro décadasFoto: picture alliance/dpa/TASS/M. Metzel

Nenhum angolano jamais acreditou que a fortuna acumulada por Isabel dos Santos, filha do ex-presidente José Eduardo dos Santos, foi adquirida por meios legais. Mas mesmo os mais céticos devem ter ficado surpresos com a extensão da conivência internacional no desvio de recursos no país, exposta pelo recente vazamento de documentos sobre a "mulher mais rica da África".

O Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), com sede em Nova York, publicou no domingo (19/01) uma coletânea de arquivos que supostamente mostram como Santos transferiu centenas de milhões de dólares de dinheiro público para contas no exterior. Os mais de 715 mil arquivos – apelidados de "Luanda Leaks" – foram investigados por 120 repórteres em 20 países, incluindo Brasil e Alemanha.

Investimentos no Brasil

De acordo com a Agência Pública, agência brasileira de jornalismo investigativo que faz parte do ICIJ, dinheiro de Angola foi desviado para empreendimentos imobiliários na costa da Paraíba, como a construção de um condomínio de alto luxo em João Pessoa e de um dos mais luxuosos resorts do litoral paraibano, com mais de cem bangalôs.

A complexa trama de ocultação de moedas e patrimônio, operada por meio de uma série de empresas em paraísos fiscais, envolveria Isabel dos Santos, filha do ex-presidente, escreve a Pública.

Segundo o jornal Folha de São Paulo, "o artigo publicado pela Agência Pública sobre as atividades dos sócios de Isabel dos Santos na Paraíba joga luz numa nova dimensão das relações entre Brasil e Angola, quase sempre monopolizada pela ligação entre o PT e a Odebrecht".

Envolvimento da Alemanha

As emissoras públicas alemãs NDR e WDR, junto ao diário Süddeutsche Zeitung, descobriram que a empresa de bebidas Sodiba, de propriedade de Isabel dos Santos e seu marido, Sindika Dokolo, recebeu um empréstimo de 50 milhões de euros (cerca de 230 milhões de reais) de uma subsidiária do banco alemão de desenvolvimento KfW sem um exame prévio e abrangente do negócio.

O empréstimo foi utilizado por Santos para comprar uma fábrica de cerveja e duas linhas de engarrafamento da empresa alemã Krones AG em 2015. O pai da empresária usou, supostamente, sua influência para obter a aprovação do projeto de investimento.

O pesquisador e ativista de direitos humanos Rafael Marques de Morais diz ser "justo" que países como a Alemanha agora ajudem a investigar como atores internacionais permitiram que a filha de 46 anos do ex-presidente angolano adquirisse uma vasta fortuna estimada em mais de 3 bilhões de dólares.

"[A chanceler federal alemã] Angela Merkel vai visitar Angola [em fevereiro] e essa questão deve ser abordada: como os fundos fornecidos pelo governo alemão também foram usados para aumentar sua riqueza [de Santos]?", diz o pesquisador.

"Este é um caso importante de corrupção internacional", afirma Morais à DW, acrescentando: "Foi o mundo que lançou Isabel dos Santos como a empresária mais rica e bem-sucedida, enquanto era uma ladra."

De acordo com o ICIJ, os documentos vazados mostram como "empresas financeiras ocidentais, advogados, contadores, autoridades governamentais e companhias gestoras ajudaram a esconder ativos das autoridades fiscais".

População não se beneficia da receita dos enormes recursos naturais do país africanoFoto: Getty Images/AFP/M. Bureau

O bilhão roubado

Segundo os arquivos vazados, nos últimos anos Santos e seu marido fundaram mais de 400 empresas em 41 territórios, entre eles paraísos fiscais como Malta, Ilhas Maurício e Hong Kong. Essas empresas se beneficiaram continuamente de contratos públicos, serviços de consultoria e empréstimos em Angola.

No final de dezembro passado, as autoridades angolanas congelaram os bens de Santos no país africano, após alegações de promotores de que ela e seu marido haviam desviado mais de 1 bilhão de dólares das empresas estatais Sonangol e Sodiam. Santos foi colocada por seu pai à frente da Sonangol em 2016. Mais tarde, ela foi demitida dessa posição pelo sucessor de José Eduardo dos Santos, o atual presidente João Lourenço.

Isabel dos Santos continua a negar qualquer irregularidade. "Minha fortuna se baseia no meu caráter, minha inteligência, educação, capacidade de trabalho, perseverança", escreveu Santos em plataformas da rede social. Ela insiste que tanto a investigação atual em Angola quanto o "Luanda Leaks" são ataques politicamente motivados e coordenados contra ela.

"Corrupção está matando o país"

Alguns analistas expressaram suspeitas de que a motivação do atual presidente não seja tanto a luta contra a corrupção, mas antes a necessidade de consolidar seu poder depois de suceder ao governante de longa data José Eduardo dos Santos.

Robert Besseling, diretor executivo da EXX Africa – empresa que avalia riscos de negócios –, disse à DW acreditar que os interesses econômicos também estariam em jogo: "[O governo] parece estar pressionando associados, familiares e empresas a abrir mão dos ativos de companhias-chave em Angola e em outros lugares no exato momento em que há uma agenda de privatizações, em que o governo está tentando vender uma grande parcela da economia", afirma.

O ativista e pesquisador Rafael Marques de Morais discorda dessa opinião. Severamente perseguido por seu ativismo anticorrupção durante a era Santos, ele diz acreditar que Lourenço esteja realmente decidido a fazer uma limpeza no país. No entanto, também é do interesse do próprio presidente: os angolanos estão cada vez mais preocupados com a profunda crise econômica no país rico em petróleo, que foi precipitada também pela pilhagem de seus recursos por uma elite corrupta.

O descontentamento não é um bom presságio para o partido do presidente Lourenço, o MPLA, que governa o país desde a independência, há 45 anos. "Santos esteve no poder por 38 anos e privatizou o Estado principalmente em favor de seus filhos. É por isso que há uma investigação sobre corrupção. E a corrupção deve terminar em Angola, porque ela está matando o país", diz Morais.

Necessidade de reformar o sistema judicial

Atualmente, há muitas investigações contra funcionários do governo atuais e antigos. Vários generais e membros do Parlamento foram indiciados, e alguns estão presos. "Há um esforço do governo para realmente apresentar tantos casos quanto o sistema judicial possa lidar."

Um grande problema, no entanto, é a falta de reforma desse sistema em Angola. "Todos os juízes e procuradores atualmente em exercício foram nomeados pelo próprio Santos", explica Morais.

A imunidade concedida ao ex-presidente Santos, que agora reside na Espanha por razões médicas, expira em 2022. "Depois disso, espera-se que ele tenha que responder por seus crimes perante um tribunal", diz Morais.

Apesar da controvérsia, na semana passada Isabel dos Santos disse que consideraria concorrer à presidência de Angola nas eleições de 2022.

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