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Entrevista

Soraia Vilela13 de fevereiro de 2008

Marcos Jorge, que traz à capital alemã "Estômago", exibido na sessão "Cinema e Culinária", do Festival de Berlim, conta em entrevista à DW-WORLD por que seu filme "entra no mercado internacional pela porta da cozinha".

Sexo, poder e comida: longa de Marcos Jorge em BerlimFoto: Berlinale

A viagem gastronômica Estômago, do brasileiro Marcos Jorge, e o "porco da sorte", do chefe de cozinha Kolja Kleeberg, são oferecidos a cinéfilos e amantes da mesa na sessão Cinema e Culinária, do Festival de Berlim. Em entrevista à DW-WORLD, o cineasta curitibano cita a comida como metáfora para falar de relações de poder, lembra uma passagem greenwayniana em seu filme e explicita as enormes dificuldades técnicas de produzir um longa em que os personagens comem o tempo todo.

Seu filme gira em torno da comida aliada ao poder. Poderia explicar por que essa escolha?

O poder é um tema fascinante nas relações humanas. Aparentemente, Estômago é um filme sobre a história de um cozinheiro, mas, na verdade é um filme sobre como se obtém poder através da comida. Pois a comida pode ser uma metáfora de diversas outras coisas.

Outra relação no filme muito importante é a do protagonista com a personagem feminina, que é a relação de sexo por comida, que também é outra forma de receber poder. O sexo é outra forma de comida.

Ou seja, tanto o poder como a comida me parecem ser temas transversais. Estômago tem essa transversalidade e procura tocar diversos assuntos, como, por exemplo, o preconceito que os nordestinos sofrem no sul do Brasil. Isso acontece de maneira lateral ao filme, sem parecer central.

Não é a primeira vez que essa associação entre comida e poder aparece no cinema. Você se deixou inspirar por algum outro filme ou pelo trabalho de algum cineasta especificamente?

É interessante lembrar que filmes de comida são marcantes. Parece que existem vários, mas se você for ver mesmo, não chega a haver uma dezena, embora sejam sempre lembrados. Não é um tema assim tão explorado pelo cinema, embora tenha gerado grandes obras primas.

Não digo que eu tenha sido influenciado, mas sim inspirado por alguns filmes. O cozinheiro, o ladrão, sua mulher e e o amante[1989], do Peter Greenway, por exemplo, ao qual eu faço uma pequena homenagem no Estômago. Trata-de de uma homenagem de linguagem, um certo movimento de câmera que é muito greenwayniano.

Foi uma forma de render uma homenagem a esse grande mestre, que dirigiu um dos grandes filmes de comida de todos os tempos. Além de O Cozinheiro..., tem também A comilança [La grande bouffle, produção franco-italiana de 1973], do Marco Ferreri, que é outro exemplo de visceralidade com a comida.

De uma maneira muito diferente do Estômago, os filmes de cozinha, de modo geral, tratam da alta cozinha, da cozinha requintada, como é o caso de O Cozinheiro... e de A Festa de Babette [dir. Gabriel Axel, 1987]. Estômago fala, ao contrário, de baixa culinária, de gastronomia feita em boteco, num restaurante de segunda, da gastronomia feita na prisão. Ele tem esse aspecto original, que não foi inspirado em lugar nenhum.

Eu diria que uma das razões pela qual não há tantos filmes de comida no mundo é a dificuldade de filmar. Do ponto de vista técnico, por exemplo, você tem que manter a continuidade, ficar trocando muitos pratos. Fizemos isso muito. Acredito que em 80% das cenas do filme as pessoas comem. Você sai com fome da sala de cinema.

Da mesma forma como os filmes associados à gastronomia não são tantos na história do cinema, oferecer um jantar aliado a uma sessão cinematográfica é também uma situação incomum. Essa é uma idéia recente, inclusive no festival de Berlim. O seu filme vai ser acompanhado de um porco como prato principal. Poderia comentar a escolha?

O chefe de cozinha Kolja Kleeberg, que vai fazer o menu, inspirado nos pratos do filme, deve ter se impressionado bastante com uma das cenas, que é um banquete. No final do filme, acontece um banquete na prisão em homenagem a um grande chefe que está chegando, transferido para a prisão, onde acontece a nossa história. Então, nosso cozinheiro é chamado a esse banquete. Ele começa de maneira muito ruim, porque tenta fazer uma coisa requintada, que é o carpaccio, que é frio, mas os prisioneiros não gostam. Ele explica que vai servir um grande vinho, o Chianti, e eles também não apreciam isso.

Quando ele acerta o banquete, é quando ele oferece um grande porco assado, que é um prato que evidentemente pode ser apreciado por qualquer pessoa. Ele acerta justamente nesse momento. É um momento tão grande, tão festivo no filme, o momento em que o porco vai à mesa. É o momento que marca realmente o acerto do protagonista. Acredito que o chefe alemão tenha se inspirado nesse momento positivo. Muito embora haja muita comida em todo o filme.

Em Estômago, o protagonista comete um crime, vai para a prisão. A pobreza e a violência parecem ser uma temática, no momento, onipresente no cinema brasileiro que chega ao exterior.

Nesse sentido, meu filme vai na contramão do que tem sido feito no Brasil. Muito pelo contrário, no final do filme, há uma grande cena de pós-violência. Existe uma grande tensão. Não só o protagonista sofre uma violência econômica, no fato de não ter nada no bolso, mas as pessoas exercem a violência contra ele, explorando-o substancialmente. Assim como a prostituta é também explorada.

Mas essa violência no meu filme é uma violência de tensão, sutil, não demonstrada. Meu filme não fala de favela, não fala de futebol, não tem música muito brasileira na trilha sonora. O filme busca uma certa universalidade, apesar de falar no sistema carcerário brasileiro.

Nesse sentido, ele está cavando o espaço no mercado internacional pela qualidade. Imediatamente ele não é muito bem compreendido, pois não fala dos clichês. O europeu, especialmente, quando vai ver um filme brasileiro, procura isso: favela, violência, futebol. Muito o que está nos filmes que a gente vê que estão funcionando.

Não que eu seja contra esses filmes, muito pelo contrário, mas o cineasta tem que ter liberdade para o que quer que seja. Meu tema é o poder, é a violência, mas faço um filme que fala de comida. Ou seja, é um filme que se encaixa na tradição européia de cinema. Os grandes filmes que falam de comida são todos europeus. Acredito que Estômago está mesmo comendo pelas beiradas. Ele entra no mercado internacional pela porta da cozinha.

A exibição de Estômago, seguida de um jantar a cargo do chefe Kolja Kleeberg, acontece na sessão Kulinarisches Kino, do Festival de Cinema de Berlim, nesta quinta-feira (14/02).

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