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O etanol ainda pode decolar no Brasil?

5 de junho de 2018

Expansão do biocombustível foi dificultada por preço controlado da gasolina, mas programa recém-lançado do governo federal gera expectativas no setor. Condições trabalhistas continuam a ser entrave.

Bomba de combustível
Feito a partir da cana-de-açúcar, o etanol emite 90% menos dióxido de carbono (CO2) do que a gasolinaFoto: picture alliance/dpa/U.Baumgarten

Esperança de commoditie made in Brazil na metade dos anos 2000, o etanol se tornou uma realidade no setor energético brasileiro ao longo dos últimos dez anos. Nos momentos de alta da gasolina, como o atual, o combustível é lembrado como alternativa para os carros de passeio.

Feito a partir da cana-de-açúcar, o etanol emite 90% menos dióxido de carbono (CO2) do que a gasolina, levando em consideração o chamado "ciclo de vida", que inclui todas as etapas de produção e sua combustão pelo motor.

Apesar disso, sua expansão enfrentou a oposição de grupos ambientalistas e críticas às condições de trabalho no setor. Mas o fator determinante para que não tenha conquistado maior espaço no mercado foi uma reorientação na política energética do governo.

Em 2007, o então presidente dos EUA, George W. Bush, veio ao Brasil para firmar um acordo de cooperação técnica entre os dois países na área. Na ocasião, o então presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, admitiu à imprensa que teve "uma obsessão com os biocombustíveis" em seu primeiro mandato.

A chegada dos carros flex ao mercado entusiasmou o ex-presidente, que considerava "irreversível" a transformação do etanol em commoditie. Entretanto, após a descoberta das enormes reservas de petróleo no pré-sal brasileiro, o biocombustível perdeu importância na política energética dos governos petistas.

No contexto da crise econômica internacional, o governo estimulou a compra de veículos leves por condições de crédito facilitadas, o que poderia ter ajudado a impulsionar o setor. A medida, no entanto, foi acompanhada pelo controle do preço da gasolina e a posterior redução dos tributos federais incidentes sobre o combustível fóssil.

"Por tabela, o preço do etanol hidratado, concorrente direto da gasolina, também foi controlado, senão o consumidor troca de produto", explica a economista Elizabeth Farina, presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA).

"O endividamento explodiu e a receita não subia, porque o preço era controlado. Com isso, o setor perdeu capacidade de investimento e produtividade. Houve o fechamento de 80 das 440 usinas instaladas no país, e 67 estão em recuperação de dívida", lamenta.

Cana: principal fonte renovável no Brasil

A conjuntura desfavorável não impediu o setor de aumentar sua participação no abastecimento de combustíveis do Brasil, a qual varia entre 40% e 50% nos veículos que não são movidos a diesel. A taxa é impulsionada pela obrigatoriedade da mistura de etanol anidro (puro) à gasolina, numa faixa que varia entre 18% e 27,5%.

Pelo consumo do biocombustível, o Brasil evitou a emissão de 450 milhões de toneladas de gás carbônico entre 2003 e 2017. A quantidade equivale ao total de emissões do Chile por cinco anos e de Portugal por oito, tendo como referência valores de 2012.

Além disso, a partir do bagaço gerado pelo processamento da cana, uma biomassa, é possível produzir energia, utilizada para alimentar a própria usina.

O excedente é vendido para as redes elétricas e, com essa contribuição, a cana-de-açúcar se tornou a principal fonte de energia renovável, responsável por 17,5% da matriz energética brasileira, superior à fonte hidráulica (12,6%) e atrás apenas de petróleo e derivados (36,5%).

RenovaBio: otimismo para o setor

A expectativa para os próximos anos é bastante positiva no setor, que aprova largamente o programa RenovaBio, instituído em dezembro do ano passado e, atualmente, em fase de regulamentação.

O programa visa ao cumprimento dos compromissos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris, relativos à redução das emissões de gases geradores do efeito estufa.

O objetivo é aumentar a produção e o consumo de biocombustíveis no Brasil – incluindo etanol, biodiesel, biogás e bioquerosene –, a fim de que o país cumpra os compromissos assumidos no Acordo de Paris de redução das emissões de gases de efeito estufa até 2030.

A iniciativa prevê a criação de um mercado de negociação de créditos de descarbonização (CBios). Para participar do programa e ter acréscimos de faturamento expressivos, as usinas de etanol deverão ter boas notas de eficiência energético-ambiental, que serão calculadas pela plataforma RenovaCalc.

Estima-se que o programa poderá destravar investimentos de até 40 bilhões de dólares em aumento de capacidade, tecnologia e produção, além de gerar 750 mil empregos.

"A base do RenovaBio é criar valor econômico para esse produto que, hoje, não é remunerado: a redução de emissão. No fundo, a sociedade subsidia o fóssil. Segundo o Banco Mundial, em até 1 trilhão de dólares por ano", afirma a presidente da UNICA.

"O custo gerado quando se consome diesel ou gasolina é um custo privado muito menor do que o custo social", acrescenta.

Sustentabilidade em xeque?

Por outro lado, o bom desempenho do setor e as perspectivas de expansão acendem um alerta. Afinal, o desenvolvimento dos biocombustíveis sempre foi visto com ressalva por ambientalistas.

Como o aumento da produção implica a ocupação de maior parte das terras agricultáveis no planeta com a plantação de cana ou outras matérias primas dos biocombustíveis, como as oleaginosas, temia-se que esse processo acarretasse uma diminuição da oferta de alimentos.

Diretor técnico da Agência Nacional do Petróleo entre 1998 e 2004, Luiz Augusto Horta é consultor de agências da ONU em temas energéticos. Ele acredita que essa preocupação venha da desinformação sobre o tema.

"A FAO [Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura] tem posição clara sobre o tema: é possível produzir as duas coisas. O planeta tem 13 bilhões de hectares agricultáveis. Estamos usando 10% disso para produzir comida", argumenta.

"A obesidade é, hoje, um problema muito mais epidêmico e grave do que a falta de alimentos. Sem dúvida, ela acontece, mas não decorre da pouca oferta, e sim da falta de recursos para comprar comida. A FAO tem estudado e mostrado isso", complementa.

Horta destaca, ainda, que as condições climáticas do Brasil o colocam em uma condição bastante favorável no setor. Embora os EUA sejam líderes no consumo e na produção de etanol, fabricam o biocombustível a partir do milho, cinco vezes menos eficaz do que a cana.

Desde 2009, o Brasil utiliza um zoneamento agroecológico que separa as áreas de plantio por aptidão da terra e proíbe a plantação de cana em biomas sensíveis. Dos 64 milhões de hectares liberados para cultivo do gênero, 9 milhões são usados hoje.

Com o desenvolvimento do etanol de segunda geração, que já começa a ser posto em prática por algumas empresas que exploram o setor, será possível também utilizar o bagaço e a palha da cana como matéria-prima do biocombustível. Em decorrência, a produção poderá ser aumentada em até 50% sem ampliação da área de cultivo.

Reforma trabalhista

Além da questão ambiental, as condições trabalhistas representam, historicamente, uma preocupação no setor sucroalcooleiro, vide a situação dos chamados boias-frias.

Os especialistas ouvidos pela DW Brasil alegam que a mecanização da colheita, com índices de 85%, praticamente erradicou os casos de trabalho em condições degradantes. A afirmação é endossada pela Procuradoria do Trabalho de Campinas.

Contudo, o procurador Rafael Gomes, do Ministério Público do Trabalho em Araraquara (SP), afirma que novos problemas têm sido observados – entre eles, jornadas de trabalho que superam as 12 horas para os operadores de máquinas e terceirizações que envolvem o aliciamento de trabalhadores.

"Já lidei com casos de ‘quinterização' e ‘sexterização'", conta o procurador. Em sua visão, a reforma trabalhista irá agravar essas vulnerabilidades.

"No instante da entrada em vigor da reforma, uma usina anunciou que iria suprimir o pagamento das horas de trabalho em percurso, admitindo que isso representaria um impacto de 20% nos salários dos trabalhadores rurais, que já são baixos", conta.

"São lugares em que não há oferta de ônibus, e o fornecimento de transporte pela empresa é condição sem a qual não existe a atividade econômica. Se for esperar que o trabalhador vá por conta própria, ninguém irá aparecer para trabalhar", critica.

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