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História

O extermínio dos sinti e roma em Auschwitz-Birkenau

Andrea Grunau ip
8 de abril de 2018

Os avós de Bobby Guttenberger sobreviveram ao extermínio nazista das minorias sinti e roma. Passados 75 anos da deportação deles, ele refaz a viagem de seus antepassados ao campo de Auschwitz-Birkenau.

Famílias sinti alemãs em Ravensburg em frente a um barracão para isolá-las do restante da população, em 1937Foto: Stadtarchiv Ravensburg

O sol brilha no céu azul. Mas o vento gelado causa arrepios, assim como a simples ideia do que aconteceu por aqui. No lugar onde dezenas de milhares de pessoas foram amontoadas em barracões restam agora chaminés e ruínas de muralhas. Cercas intermináveis de arame farpado cortam o amplo terreno. Atrás delas, as florestas de bétulas (Birken, em alemão) que deram nome a Auschwitz-Birkenau. Das câmaras de gás e crematórios, onde centenas de milhares de pessoas foram mortas e queimadas, só restam os escombros. Os perpetradores os explodiram antes que as tropas russas chegassem a Auschwitz, em janeiro de 1945, e pusessem fim ao crime.

Ruínas do campo de concentração de Auschwitz-BirkenauFoto: A. Grunau/DW

"Adeus, minha pátria querida"

Todos os anos, quase dois milhões de pessoas visitam o Museu Auschwitz-Birkenau. Nesta manhã, tudo está tranquilo. Trinta visitantes de Baden-Württemberg, no sudoeste da Alemanha, seguem os passos dos prisioneiros ao longo da grande Lagerstrasse (estrada do campo) até o antigo "campo cigano", na seção BIIe.

No memorial para os sinti e roma assassinados na Europa, o grupo de visitantes coloca rosas brancas para as pessoas que foram deportadas de Stuttgart para Auschwitz há 75 anos. Entre os visitantes está Bobby Guttenberger, de Ravensburg. Seus avós foram aprisionados aqui. Os parentes deles morreram, mas eles sobreviveram.

Memorial em homenagem aos 29 cidadãos de Ravensburg assassinados Foto: Stadtarchiv Ravensburg

Quando os avós de Bobby Guttenberger foram deportados, uma mulher entoou Adeus, minha pátria querida, uma célebre canção folclórica alemã. Uma pátria que oprimiu e matou. Os sinti e roma vivem na Europa há 600 anos. Os sinti alemães lutaram pelo Império Alemão durante a Primeira Guerra Mundial, mais tarde também na Wehrmacht, até serem exonerados pelos nazistas por "motivos de políticas raciais".

"Sou alemão. Alemão com uma cultura diferente", disse Bobby Guttenberger no dia anterior. Outros viajantes perguntaram a ele se ele possuía a cidadania alemã. "Por que a pergunta?", contrapôs irritado, mas de forma muito amigável. O jovem de Ravensburg preza a franqueza e a cordialidade durante a viagem comemorativa de Stuttgart a Auschwitz organizada pela Academia Evangélica Bad Boll. O fato de que algumas pessoas saibam tão pouco sobre os sinti o surpreendeu. O mais importante, para ele, é a convivência.

"Qual é o significado dessa tatuagem?"

A avó Martha com o neto BobbyFoto: Privat

Os sinti sempre foram alemães. Eles cultivam – assim como frísios ou sorábios – um idioma próprio: o romani. Eles têm "uma história musical diferente e, talvez, uma vida familiar mais íntima do que se observa entre os que não são sinti", avalia Bobby Guttenberger. Após os estudos, ele passou meses cuidando da avó Martha, traumatizada com Auschwitz. "Isso está dentro de mim."

O neto lembra que, quando criança, notou as letras "Z 5656" no braço dela. "Que tatuagem é essa?", perguntou. "Foi um presente dos nazistas. Esse era o meu número, meu carimbo", ela respondeu. Mas quando ele perguntou sobre suas experiências, ela recuou: "Você não quer saber o que acontecia por lá."

Bobby Guttenberger conta que sua avó e toda a família sempre protegiam as crianças. O maior medo deles era que a perseguição da minoria se repetisse. Muitos parentes ainda têm medo. "Não faz tanto tempo assim", diz ele. "Foram-se apenas 75 anos."

"Véu cinzento sobre a alma"

Aos 31 anos, Bobby Guttenberger trabalha numa empresa familiar – serviço de contêineres, comércio de metais e antiguidades, restauração de móveis – e toca violão numa banda. Pai e mãe têm problemas de saúde, e ele trabalha muito. No entanto, ele decidiu tirar um tempo para si e se tornar o primeiro de sua família a partir numa viagem rumo a Birkenau. "Eu tinha a sensação de que isso simplesmente tinha que ser feito agora." Ele queria saber e sentir o que se passara por lá.

É "uma jornada melancolia adentro", isso ele já suspeitava no caminho. Em Auschwitz, seus avós e outros membros de sua família sofreram a violência assassina dos comandantes alemães, e a maioria deles morreu. A visita colocará um "véu cinza sobre sua alma".

O memorial de Auschwitz-Birkenau

02:26

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Um solo "encharcado de sangue"

Nesta manhã primaveril de 2018 está tudo tranquilo em Birkenau. Em 1943, gritos de superintendentes, latidos de cachorros, espancamentos, tiros e mortes caracterizavam os dias no acampamento, relataram sobreviventes. O solo está "encharcado de sangue". No memorial de Birkenau, o guia turístico Andreas Hoffmann-Richter lê em voz alta as memórias de Hildegard Franz. Ela foi uma das poucas sobreviventes de Ravensburg. Antes da perseguição nazista, ela trabalhava na cidade: "Todos nós, sinti, trabalhávamos".

Mas os cientistas raciais nazistas, orientados pelo médico Robert Ritter e pela enfermeira Eva Justin, viajaram por todo o país para registrar e examinar "ciganos" e "híbridos de ciganos": "os olhos, o nariz, tudo". Eles pesquisavam relações de parentesco e avaliavam registros batismais eclesiásticos. Os "relatórios raciais" pseudocientíficos criaram a base para a exclusão, perseguição e assassinato.

Rosas depositadas para as vítimas de RavensburgFoto: DW/A. Grunau

Algo inconcebível

Após o "Decreto de Auschwitz", emitido pelo líder da SS, Heinrich Himmler, todos aqueles que os pesquisadores raciais classificavam como "inferiores" eram deportados. Cerca de 23 mil membros de minorias de 11 países foram levados para Birkenau, um em cada dois sendo menor de 16 anos, e poucos retornaram. Muitos bebês, idosos e doentes morriam já pelo caminho em vagões de gado superlotados. As minorias não estavam seguras em lugar algum. Em muitos países europeus havia fuzilamentos em massa e deportações para campos de extermínio.

A família de Martha Guttenberger foi deportada de Mosbach, e seu futuro marido, Julius, de Ravensburg-Ummenwinkel. Lá, famílias sinti foram trancafiadas em barracões de um acampamento cercado por arame farpado e muito bem vigiado. Em março de 1943, homens, mulheres e crianças foram deportados. Alguns puderam ficar, pois foram considerados "arianos". Mas eles teriam de ser esterilizados à força, pois a minoria deveria ser exterminada para sempre.

Lago com cinzas de detentos do campo de Auschwitz-BirkenauFoto: DW/A. Grunau

Em Auschwitz, soldados da SS maltratavam internos que sofriam terrivelmente de sede, fome e doença. Hildegard Franz perdeu suas filhas pequenas: "Em dez semanas, nossas quatro crianças morreram. Elas tinham 3 e 2 anos de idade, enquanto a menor tinha apenas 7 meses. O menininho da minha irmã tinha apenas 2 anos de idade. Ninguém consegue conceber isso, como as pessoas morriam por lá... Os mortos eram levados ao crematório, víamos o fogo que queimava dia e noite; nós convivíamos com o cheiro".

Lembrança de crianças morrendo

Em caso de suspeita de doenças infecciosas, grupos de sinti e roma eram imediatamente assassinados. Na maioria das vezes, no entanto, famílias inteiras de membros da minoria iam para o chamado "campo cigano". Eles precisavam se despir, eram desinfectados, tinham um número tatuado em seus braços (nos bebês, isso era feito na coxa). Eles eram transformados em números precedidos pela letra "Z", de "Zigeuner" ("cigano", em alemão), assim como a avó Martha.

Bobby Guttenberger recorda que o silêncio dela, por si só, transmitiu-lhe a dor. "Os anos tiraram tudo dela." Claro que também houve bons momentos na família. Mas sua avó costumava ser introspectiva, refletia ou chorava em silêncio. Em Birkenau, ela trabalhava no setor infantil. Ali perto ficava o laboratório experimental, onde o médico da SS Josef Mengele sujeitava crianças a experimentos massacrantes e onde matou muitas delas. A lembrança de crianças chorando e morrendo perseguiu Martha Guttenberger até sua morte.

Bobby Guttenberger (à direita) e seu amigo Muhsin AksoyanFoto: Martina Waiblinger

Nunca mais

Com Hildegard Franz, foi parecido: "Um garotinho, talvez com 7 anos de idade, correu para a estrada do campo do lado de fora, onde um homem da SS simplesmente atirou nele. O garotinho pôs as duas mãos sobre o estômago e entrou correndo no campo. Lá ele caiu morto". O pior de tudo era que os adultos não podiam ajudar as crianças: "Eu não quero mais pensar sobre isso, mas não dá, jamais. Eu não consigo esquecer".

Esquecer é algo que não podemos tampouco hoje, dizem os participantes da excursão comemorativa, entre eles Bobby Guttenberger. Datas celebrativas ou até mesmo o Dia Internacional dos Ciganos podem ajudar: "É importante que isso nunca mais se repita, simples assim". Apesar de toda a dor, ele considerou a viagem a Auschwitz "muito boa".

Seu amigo da escola primária Muhsin Aksoyan, que o acompanhou durante a viagem, parece pensar o mesmo. Seus pais vieram da Turquia para a Alemanha. O tratamento do Holocausto na escola foi superficial demais, avalia Aksoyan. No livro de visitas do Bloco 13, no campo principal de Auschwitz e onde a perseguição dos sinti e roma é documentada, ele escreveu: "Quem não conhece seu passado, não tem futuro".

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