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O fascínio pelo horror e a banalidade do mal

Soraia Vilela26 de setembro de 2004

O longa "A Queda" é inscrito para participar da disputa pela indicação ao Oscar. A "Coleção Flick", pertencente ao neto de um nazista, é exposta em Berlim. Extrema direita trinunfa nas eleições em dois estados alemães.

Cena do filme "A Queda": Bruno Ganz (centro) como HitlerFoto: 2004 Constantin Film, München

"A imprensa estrangeira pode nestes dias pintar uma imagem sobria da Alemanha", estampa o semanário Die Zeit. Afinal, as últimas semanas "deram o que falar". O longa A Queda (Der Untergang), baseado nos 12 últimos dias de Hitler em seu bunker, estreou no país e levou milhares de pessoas às salas de cinema. Além disso, será enviado para concorrer à vaga alemã na disputa pela indicação ao Oscar.

Em Berlim, foi inaugurada com todas as pompas – inclusive com a presença do chefe de governo, Gerhard Schröder – uma mostra com a coleção de arte de Friedrich Christian Flick, o milionário neto de um magnata da indústria de armamentos, cuja ascenção se deu durante o período nazista.

Divisão do bolo neonazista

Extremista de direita em passeata do partido NPDFoto: AP

E longe das telas do cinema ou das artes, em plena "vida real", as recentes eleições nos estados de Brandemburgo e Saxônia registraram o triunfo de duas facções de extrema direita: NPD e DVU. Como se não bastasse, os dois partidos anunciaram que pretendem se unir em torno de uma candidatura única nas eleições ao Parlamento federal em 2006.

O pacto já havia, inclusive, sido selado antes mesmo do pleito nos dois estados, quando as facções dividiram "o eleitorado neonazista". O NPD candidatou-se apenas na Saxônia e a DVU somente em Brandemburgo. Para evitar a concorrência, entenda-se.

Perdas e danos

Embora propagada como mero "sinal de protesto" de parte dos eleitores do Leste alemão, a ascenção da extrema direita provoca dores de cabeça em políticos e empresários. Para o premiê Schröder, "os resultados dessas eleições deveriam preocupar qualquer democrata". Na tentativa de acalmar os ânimos, o presidente do país, Horst Köhler, conclamou a população "a não entrar em pânico" diante da situação, pois tudo não passaria de um "processo de transformação, que vai acabar bem".

Até que tudo "acabe bem", o empresariado da Saxônia, por exemplo, teme uma possível evasão de investidores estrangeiros da região. O secretário de Economia do estado, Martin Gillo, acredita que a partir de agora será mais difícil recrutar empresários de fora do país.

A Saxônia estaria tentando reparar os danos sofridos com os resultados das eleições e procurando "recuperar parte da credibilidade que perdemos da noite para o dia", observa Gillo em entrevista à rede de televisão ARD. Outra conseqüência negativa do resultado das urnas para a região são as prováveis perdas para o turismo.

Os tropeços da reunificação

Jovem frente a conjunto habitacional em Dresden, na SaxôniaFoto: Kay Herschelmann

O reduto de tais partidos de extrema direita são os tristes conjuntos residenciais estéreis, muitos deles hoje semi-abandonados e perdidos na paisagem da ex-Alemanha Oriental. E dentro destes, principalmente os jovens abaixo de 30 anos, nascidos nos anos 70. Filhos do comunismo, que simplesmente apagaram da memória o fato de que o Leste alemão, queira-se ou não, foi durante décadas parte do Leste Europeu.

O novo país reunificado procurou eliminar os rastros do passado da Alemanha Oriental. Uma atitude simbolizada, por exemplo, na troca ávida dos nomes de ruas e cidades, que lembravam ou se referiam ao período comunista ou a teóricos marxistas. Tudo numa tentativa de não apenas reunificar o país, mas de apagar as divergências existentes.

"Mas como?", pergunta o Die Zeit. "Uma unidade, que tem a ambição de simplesmente nivelar as diferenças, lembra fatalmente a sopa oferecida pelo partido único do período comunista. A solução, principalmente em um mundo globalizado, só pode ser a de entender as diferenças não como mácula, mas saber vê-las como uma chance".

A mais pesada de todas as drogas

O colecionador Friedrich Christian Flick (esq.) e o premiê alemão Gerhard Schröder, na abertura da exposição em BerlimFoto: AP

De volta à tela do cinema com A Queda de Hitler e à polêmica envolvendo a exposição da Coleção Flick, a mídia (dentro e fora do país) parece acreditar em uma espécie de "fascínio pelo horror". Um fascínio visível na facilidade em "vender" tudo o que tem ou teve a ver com o nazismo.

"Hitler é a mais pesada de todas as drogas que atraem atenção. Uma revista que coloca o ditador na capa, vende sempre. O potencial do incômodo provocado é maior do que o desencadeado por toda e qualquer figura, viva ou morta. Pois qualquer espécie de explicação fracassa frente à dimensão dos crimes nazistas", analisa o Die Zeit.

Um fascínio mórbido pelos rostos que protagonizaram o horror do Holocausto, que talvez faça esquecer o que Hannah Arendt tão lucidamente chamou de "banalidade do mal". Deixando claro que grandes criminosos foram também os pequenos burgueses, que se apoderaram com prazer do patrimônio dos vizinhos judeus, enviados aos campos de concentração. Cidadãos comuns. Como os eleitores de hoje dos partidos da extrema direita, perdidos em alguma cidade cinza nos arredores de Berlim ou nos confins da Saxônia.

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