Com seus contos em torno do universo da favela, jovem escritor carioca conquista leitores no Brasil e no exterior. Seu livro "O Sol na cabeça" chega agora às livrarias alemãs.
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Antes mesmo de ser publicado no Brasil, o livro de Geovani Martins já havia tido seus direitos vendidos em nove países, entre eles a Alemanha. Na próxima segunda-feira (08/04), a versão em alemão de O Sol na Cabeça, da editora Suhrkamp, chega às livrarias do país europeu.
O pontapé inicial da carreira de Martins, de 27 anos, aconteceu na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) de 2017. Foi lá que ele conheceu o escritor Antonio Prata, que recomendou os textos do novato à Companhia das Letras. No ano seguinte, a editora publicou O Sol na Cabeça, coletânea de 13 contos.
Da sala da casa de Martins vê-se o Morro do Vidigal, que serve de pano de fundo para seus textos. O jovem autor traz uma perspectiva incomum sobre o universo da favela, da violência e das drogas.
"Incomoda-me fingir que isso só existe nas favelas. Tráfico e consumo de drogas e assassinatos existem por toda parte", diz Martins.
Os textos dele abordam família, amizade, relações humanas. Vários personagens vêm da favela, e muitas das narrativas se passam nesse cenário. O conto de abertura do livro, Rolézim, fala sobre o que pode acontecer quando a praia fica lotada, e Roleta Russa sobre uma criança que brinca com uma arma. Martins também descreve como um menino negro se sente quando um homem tem medo dele numa parada de ônibus.
Martins fala sobre preconceitos e contrastes do Rio de Janeiro – entre brancos e negros, ricos e pobres, morro e asfalto –, os quais ele mesmo reflete. Como morador da favela, ele conseguiu ascender socialmente, mas ainda enfrenta preconceitos. Ele conta que, certo dia, logo após receber uma boa remuneração por seu trabalho literário, abordou uma pessoa na rua para fazer uma pergunta e ouviu como resposta: "Não tenho trocado."
"O preconceito em relação à linguagem é uma das principais formas de racismo", afirma Martins, apontando que o sotaque a escolha de palavras logo revelam de onde e de que classe social uma pessoa vem.
O Sol na cabeça já começa cheio de gírias, com uma linguagem bem coloquial: "Acordei tava ligado o maçarico! Sem neurose, não era nem nove da manhã e a minha caxanga parecia que tava derretendo. Não dava nem mais pra ver as infiltração na sala, tava tudo seco. Só ficou as mancha: a santa, a pistola e o dinossauro. Já tava dado que o dia ia ser daqueles que tu anda na rua e vê o céu todo embaçado, tudo se mexendo que nem alucinação. Pra tu ter uma ideia, até o vento que vinha do ventilador era quente, que nem o bafo do capeta", diz o primeiro parágrafo do livro.
A obra mistura a linguagem da favela com a norma culta, à qual, segundo Martins, os moradores do morro têm acesso por meio da TV Globo e da Netflix.
No lançamento do livro, no Leblon, surgiu uma discussão sobre politicamente correto e o uso dos termos favela ou comunidade. "Eu moro numa favela. Nós todos pertencemos a uma comunidade", disse.
Martins estudou só até a oitava série e compensou a falta de educação formal com sensibilidade e curiosidade pelo mundo à sua volta. Em um de seus empregos, como "homem-placa", ele percorria Copacabana de cabo a rabo carregando a foto de um político, com o sol rachando a cabeça. Até que o partido decidiu deixá-lo plantado ao lado de uma estação de metrô, dando-lhe tempo para ler enquanto segurava a placa.
Depois de escrever contos, esboçar um romance e participar de festivais e concursos literários, Martins voltou a morar com a mãe e lhe disse: "Quero escrever um livro, viver da escrita." Durante dois anos ele adotou uma rotina disciplinada, escrevendo até oito horas por dia.
Primeiro, ele faz anotações à mão num caderno, depois digita na máquina de escrever e, por último, no computador. Durante esse processo, ele vai adicionando detalhes e deixando trechos de fora.
Na parede de casa, há uma foto de Gabriel García Márquez, que Martins chama de "uma boa referência". O escritor colombiano era um mestre das crônicas, e os textos curtos muitas vezes davam origem a romances. Martins também voltou a trabalhar num romance depois de meses de muitos compromissos.
Ele se diz tímido, e conta que o sucesso do livro foi uma espécie de choque duplo. Quando escrevia os contos, só saía de casa nos fins de semana. Daí seu livro começou a vender bem, e ele foi aparecendo na mídia e chamando atenção internacionalmente, transformando-se num novo fenômeno da literatura brasileira. Uma nova realidade com a qual ainda está aprendendo a lidar.
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Com influência multicultural, autores abordam de temas político-sociais a intimistas e autobiográficos. Nomes como Clarice Lispector, comparada a Kafka, e Paulo Coelho com sua busca espiritual, exemplificam diversidade.
Foto: Getty Images
Mestre do realismo
Vindo de família simples, Machado de Assis nasceu no Rio de Janeiro, em 1839. Começou a carreira literária colaborando com jornais e revistas. Sua obra inclui os clássicos "Memórias Póstumas de Brás Cubas" e "Dom Casmurro", romances marcados pelo realismo. Machado de Assis foi o primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL) e é considerado o maior escritor brasileiro.
Foto: Marc Ferrez/Instituto Moreira Salles
Representante do Nordeste
Nascido na Bahia em 1912, Jorge Amado foi traduzido para 49 idiomas e publicado em mais de 50 países. Entre seus romances mais conhecidos, estão "Capitães de Areia" e "Gabriela, Cravo e Canela", que retratam a realidade social baiana, marca da obra do autor. Foi membro da ABL, recebeu o Prêmio Camões pelo conjunto de sua obra e o título de doutor honoris causa pela Universidade de Sorbonne.
Foto: Getty Images
Kafka brasileira
A ucraniana Clarice Lispector chegou ao Brasil com um ano de idade, em 1926. Após o primeiro romance, "Perto do Coração Selvagem", vieram clássicos como "A Hora da Estrela e "A Paixão Segundo G.H.", marcados pela temática existencial e psicológica. Traduzida para diversos idiomas, foi descrita como o Kafka da ficção latino-americana no "New York Times" e biografada pelo americano Benjamin Moser.
Foto: Divulgação
Uma pedra no meio do caminho
Carlos Drummond de Andrade, nascido em 1902, foi cronista, contista e tradutor, mas foi como poeta que ganhou fama. Sua poesia divide-se em fases: irônica ou gauche; social; filosófica; nominal; e das memórias. Um de seus versos mais célebres é "Tinha uma pedra no meio do caminho", do polêmico poema "No meio do caminho". O influente poeta brasileiro foi traduzido para mais de dez idiomas.
Foto: Editora Record
Repórter de guerra
O escritor, professor, sociólogo, engenheiro e repórter Euclides da Cunha nasceu em 1866. Como correspondente do jornal "O Estado de S. Paulo", cobriu a Guerra de Canudos, travada entre o Exército e sertanejos no interior da Bahia. A partir daí nasceu sua obra-prima: "Os Sertões". O livro de cunho sociológico foi traduzido para vários idiomas, entre eles alemão e inglês.
Foto: gemeinfrei
Conhecedor do sertão
Guimarães Rosa, nascido em 1908, ingressou na faculdade de Medicina com apenas 16 anos. Foi como médico que conheceu a realidade dos sertanejos, retratada em seus contos, novelas e no romance “Grande Sertão: Veredas”. Sua coletânea de contos “Sagarana” é considerada um dos volumes mais importantes da ficção brasileira do século 20. Pelo conjunto de sua obra, Rosa recebeu o Prêmio Machado de Assis.
Foto: Ed. Nova Fronteira
Ventos do sul
Nascido em 1905, Erico Verissimo desenvolveu já na infância o interesse pelos clássicos da literatura. Nos anos 1940, lecionou literatura brasileira nos EUA e começou a escrever a obra-prima "O Tempo e o Vento". A trilogia, que tem como pano de fundo a história de seu estado natal, Rio Grande do Sul, levou 15 anos para ficar pronta, virou série de televisão e foi traduzida para vários idiomas.
Foto: Companhia das Letras/Leonid Streliaev
Um brasileiro em Berlim
João Ubaldo Ribeiro nasceu na Bahia em 1941. Do nordeste brasileiro, o escritor preocupado com a identidade nacional partiria para o mundo. A carreira literária o levou aos EUA, a Portugal, à Alemanha. Dos 15 meses como bolsista do DAAD, saíram as crônicas reunidas no bem-humorado livro “Um brasileiro em Berlim“. Vários de seus livros foram publicados em alemão, incluindo “Viva o povo brasileiro“.
Foto: Bruno Veiga
Primeira presidente dos imortais
A carioca Nélida Piñon, nascida em 1937, foi a primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de Letras. Formada em jornalismo, teve seu contos, ensaios e romances traduzidos em vários países, inclusive Alemanha, e ocupou cátedras em diversas universidades estrangeiras. Entre os prêmios recebidos, está o Jabuti, pelo livro "Vozes do Deserto", que tematiza a mulher no mundo árabe.
Foto: Divulgação/Editora Record
Versos sujos e melódicos
Ferreira Gullar nasceu no Maranhão em 1930 e vive no Rio de Janeiro. Publicou o primeiro livro de poesia aos 19 anos. Membro do Partido Comunista, foi preso na ditadura e, durante o exílio, escreveu seu livro mais conhecido: “Poema Sujo“. Marcado pelas lembranças da infância, o cotidiano da cidade e a riqueza rítmica e melódica, o livro é considerado um dos mais importantes da poesia brasileira.
Foto: José Olympio Editora/Cristina Lacerda
Entre o mundo árabe e o amazônico
Filho de libaneses, Milton Hatoum nasceu em Manaus em 1952. Formado em Arquitetura, morou em Madri, Barcelona e Paris. De volta à Amazônia, publicou o primeiro romance: "Relato de um Certo Oriente". Já doutor em teoria literária, escreveu "Dois irmãos", trama sobre uma família libanesa que vive em Manaus. Estes e os livros seguintes receberam diversos prêmios e foram publicados em 14 países.
Foto: DW
Sucesso com a busca espiritual
Paulo Coelho, nascido em 1947, iniciou a carreira literária nos anos 1980. Da peregrinação pelo Caminho de Santiago, resultou o primeiro romance de destaque: "O Diário de um Mago". A busca espiritual continuou em "O Alquimista", livro brasileiro mais vendido de todos os tempos e mais traduzido no mundo (69 idiomas). Sua literatura, alvo de polêmica, lhe rendeu dezenas de prêmios e condecorações.