Corporação surpreende ao anunciar dissolução do grupo de trabalho exclusivo que, com suas investigações, causou terremoto político no Brasil. Ministério Público Federal critica e pede que decisão seja revista.
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A Polícia Federal (PF) surpreendeu nesta quinta-feira (06/07) ao anunciar a decisão súbita de dissolver as atividades da força-tarefa da operação Lava Jato, sob a justificativa de que os delegados que compunham o grupo de trabalho estariam sobrecarregados.
Em nota, a PF explicou que cada um dos quatro delegados da força-tarefa estava encarregado de cerca de 20 inquéritos - número alto se levado em conta que, em seu auge, o grupo tinha 11 delegados.
No total, a força-tarefa tinha 40 agentes. Agora, juntamente com os do grupo de trabalho da operação Carne Fraca, eles serão incorporados à Delegacia de Combate à Corrupção e Desvio de Verbas Públicas (Delecor).
"A medida visa priorizar ainda mais as investigações", diz o comunicado. "Ela permite o aumento do efetivo especializado no combate à corrupção e lavagem de dinheiro e facilita o intercâmbio de informações".
Críticas
"Não há motivo orçamentário nem político", afirmou ao jornal Folha de S.Paulo o delegado regional de Combate ao Crime Organizado do Paraná, Igor Romário de Paula. "É uma decisão operacional." A iniciativa a integração dos delegados ao Delecor partiu do próprio delegado.
Os delegados transferidos para a Delecor não terão um aumento na carga de trabalho, que deverá ser "reduzida em função da incorporação de novas autoridades policiais”, afirma a PF.
O procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima, que integra a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, criticou a decisão, afirmando que a operação simplesmente "deixou de existir”.
Numa postagem em seu perfil no Facebook, ele lembrou as dificuldades financeiras que a PF atravessa, insinuando que o presidente Michel Temer utiliza verbas que poderiam ser destinadas à corporação para liberar emendas no Congresso, no intuito de abafar as denúncias de corrupção que ameaçam seu mandato.
"A Polícia Federal não tem mais dinheiro para passaporte. A força-tarefa da PF na operação Lava Jato deixou de existir. Não há verbas para trazer delegados. Mas para salvar seu mandato, Temer libera verbas à vontade", afirmou.
A força-tarefa da Lava Jato divulgou uma comunicado no portal do Ministério Público Federal (MPF) expressando "discordância" com a dissolução do grupo. A integração dos delegados à Delecor "prejudica as investigações da Lava Jato e dificulta que prossigam com a eficiência com que se desenvolveram até recentemente."
A decisão de pôr fim à força-tarefa, continuou o MPF, "prejudica a especialização do conhecimento e da atividade, o desenvolvimento de uma visão do todo, a descoberta de interconexões entre as centenas de investigados e os resultados."
"O Ministério Público Federal espera que a decisão possa ser revista, com a consequente reversão da diminuição de quadros e da dissolução do Grupo de Trabalho da Polícia Federal na Lava Jato, a fim de que possam prosseguir regularmente e com eficiência as investigações contra centenas de pessoas e de que os bilhões desviados possam continuar a ser recuperados", afirma o comunicado.
Histórico
A operação Lava Jato, deflagrada pela Polícia Federal de março de 2014, começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos.
Os países mais corruptos do mundo
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A operação investiga mais de 50 personalidades da política, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos, além de empresários e executivos de empreiteiras.
Entre os investigados e aqueles já condenados pela Justiça, seguem presos o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente e herdeiro da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; o ex-ministro Antonio Palocci, entre outros. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em três processos, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça.
Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países. Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Em quase três anos, a operação acumula números monumentais. Foram 79 prisões preventivas e 103 temporárias, 57 acusações criminais feitas contra 260 pessoas, além de 125 condenações. A rede de propinas chega a 6,4 bilhões de reais. O bloqueio de bens dos réus totaliza 3,2 bilhões. O Ministério Público Federal pediu o ressarcimento de 38,1 bilhões de reais, incluindo as multas às empresas envolvidas.
RC/abr/ots
Entenda a Operação Lava Jato
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
Foto: AFP/Getty Images
O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Brandt
O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
Foto: Reuters/S. Moraes
As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
Foto: imago/Fotoarena
As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
Foto: Reuters/P. Whitaker
Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
Foto: J. Sorges
De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
Foto: Reuters/A. Machado
... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Dana
As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
Foto: picture-alliance/dpa/EPA/H. Alves
As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
Foto: Getty Images/AFP/H. Andrey
O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
Foto: picture-alliance/dpa/ZUMAPRESS/C.Faga
Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.