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"O Homem das Multidões" retrata a solidão nas grandes cidades

Marco Sanchez8 de fevereiro de 2014

Filme dos diretores Marcelo Gomes e Cao Guimarães traz para a Berlinale um formato inusitado para contar a história de duas solitárias almas na contemporânea Belo Horizonte.

Foto: Berlinale

A solidão é a principal matéria-prima de O Homem das Multidões, que teve sua estreia internacional na tarde deste sábado (08/02) no Festival de Berlim.

O filme do mineiro Cao Guimarães e do pernambucano Marcelo Gomes faz parte da mostra Panorama e revela que o mundo em que vivemos deixou o termo solidão mais amplo e complexo.

Partindo de um conto de mesmo nome do escritor americano Edgar Allan Poe, os diretores utilizam um formato nada convencional e belas imagens para mostrar o cotidiano de Juvenal, um condutor do metrô de Belo Horizonte.

Trilogia da solidão

O Homem das Multidões faz parte da Trilogia da Solidão que Guimarães vinha trabalhando nos últimos dez anos. A primeira parte, o documentário Alma de Osso (2004), retrata a vida de um eremita que vive há mais de 40 anos em uma caverna no interior de Minas Gerais.

O segundo filme, também um documentário, lançado em 2007, acompanhava a vida dos andarilhos de beira de estrada. Para a terceira parte, o diretor resolveu fazer uma ficção e convidou Gomes para integrar o projeto.

"Queria trabalhar a solidão urbana. Como seria difícil achar um homem das multidões real, resolvi fazer uma ficção. Contei essa história para o Marcelo e começamos a escrever o roteiro aqui em Berlim em 2007", contou Guimarães em conversa com a DW Brasil.

Poe foi a faísca que colocou o filme em combustão, mas apenas o ponto de partida. O formato quadrado do filme (em vez do retangular do cinema convencional) causa um estranhamento e dá uma outra dimensão a história.

"Queríamos passar a sensação de claustrofobia dos personagens. Assim decidimos fechar a janela. É difícil alguém querer trabalhar a janela como linguagem. Esse quadrado também remete à janela do metrô, através da qual ele olha o mundo, à polaroide e ao próprio Instagram", explicou Marcelo Gomes.

Cao Guimarães e Marcelo Gomes retratam a solidão em meio à multidão das grandes cidadesFoto: Berlinale

As diferentes multidões

Na Belo Horizonte contemporânea, Juvenal transporta multidões e encontra conforto em fazer parte dela – porém ele nunca realmente interage com as pessoas ao seu redor. Ele apenas observa as massas, seja sentado em um banco de praça, seja nas plataformas ou mesmo através da janela de seu apartamento. O maquinista parece achar conforto e proteção em seu autoexílio das relações sociais.

Tudo começa mudar quando uma colega de trabalho se aproxima do homem. Margô é controladora de tráfico e passa o tempo livre na internet, criando relações sociais incertas, entre a fantasia e a realidade, e tendo experiências que não passam do mundo virtual.

"Ela está conectada a muitas pessoas, mas é uma multidão sem corpo. Já o personagem Juvenal se relaciona com o corpo da multidão, mas ele não tem o diálogo. O formato também traz a claustrofobia das multidões", explica Gomes.

O desespero social de Margô aproxima os personagens. Ela irá se casar, com um noivo que não pode ser visto, e que aparentemente passou do mundo virtual para o real. No entanto, as formalidades do casamento colocam Margô em uma situação delicada.

Desespero silencioso em comum

Não ter amigos reais força a personagem a se aproximar de seu companheiro de trabalho, já que talvez aquela alma quieta e observadora possa compreender sua situação e ser seu padrinho de casamento.

Essa aproximação faz Margô ficar muita apegada a esse homem misterioso, como se ele fosse o único capaz de entender sua solidão.

"Achamos que sem o personagem da Margô, o filme ficaria muito patológico. Queríamos achar uma naturalidade para o personagem do Juvenal, para trazer o filme para a atualidade e discutirmos os diferentes tipos de solidão", explicou Guimarães.

"O trabalho dele é conduzir a multidão. O dela é observar. Ele trabalha com a mecânica, ela com a eletrônica e o digital. Gostamos do cinema que tem várias camadas de compreensão", completou Gomes

O filme cria uma relação entre a aglomeração real das ruas, das estações e dos trens, que conforta Juvenal. Já Margô está conectada com todos, mas não tem ninguém ao seu lado, e cria máscaras e esconderijos em sua sensação de pertencer a um grupo inexistente.

Juvenal e Margô representam dois diferentes mundos. Eles são resultado de uma sociedade digital e consumista que massificou as estruturas sociais.

As relações de imagens criadas pelo filme fazem um paralelo entre o trabalho dos personagens e a busca para ir fundo em sua solidão. Mas como continuar com essa vida solitária depois de se descobrirem um ao outro?

O Homem das Multidões é uma reflexão dos diferentes tipos de solidão que podemos vivenciar não só nas metrópoles brasileiras, mas em qualquer grande cidade do mundo.

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