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O homem que move Berlim

Rodrigo Rimon9 de abril de 2003

Três anos após assumir um compromisso consigo mesmo, Wagner Pereira de Carvalho assiste ao Move Berlim, um dos mais bem recebidos festivais de dança da capital alemã.

Idealizador do MOVE BERLIM é brasileiroFoto: DW

Wagner é o diretor artístico do Festival de Dança Contemporânea Brasileira, que acontece até o próximo dia 17, em Berlim. Segundo ele, foi mais difícil convencer a si mesmo de que seria possível tirar seus planos do papel do que as instituições alemãs. Difícil ou não, isso ficou para trás e hoje Wagner pode gabar-se de ter recebido, segundo ele próprio, o maior financiamento para um projeto individual na história do Hauptstadtkulturfond, o fundo de incentivo cultural da capital alemã.

O que mais lhe agrada é o fato de esse investimento ter sido concedido a um imigrante. "Residimos numa cidade com 184 culturas diferentes, mas são poucas as que estão num estágio em que podem decidir", argumenta o mineiro que vive há 12 anos em Berlim.

Wagner concedeu a seguinte entrevista exclusiva à DW-WORLD:

Como surgiu a idéia do festival?

-

A idéia surgiu de uma observação minha enquanto berlinense de que a dança contemporânea brasileira não estava presente na cidade. Ela estava sempre nos arredores - em Potsdam, Hamburgo, Frankfurt. Há uma imagem do Brasil sendo vendida na cidade, mas é uma imagem do exótico, do clichê. Então comecei a conversar com algumas pessoas sobre a necessidade de fazer um festival no qual a gente pudesse mostrar o desenvolvimento da dança contemporânea brasileira após a democratização do país, ou seja, a partir da metade da década de 80.

Quanto tempo levou da idéia até a execução do projeto?

-

Quase três anos. Foi um processo longo. Primeiro eu tive que convencer a mim mesmo da idéia, em função da própria estrutura da cidade, dos questionamentos, das impossibilidades. A partir desse instante, foi mais simples convencer os outros que o festival seria possível.

Qual a dimensão que esse projeto tomou?

- Nós recebemos do Brasil cerca de 135 propostas de grupos interessados. Na equipe de trabalho, temos cerca de 17 pessoas, com direção artística, apoio, assistência técnica, além da estrutura institucional: a Berliner Kulturveranstaltungs Gmbh (BKV), o Teather am Halleschen Ufer, o Hebbel Theather, a Tanzfabrik, onde são feitos os workshops, e o Fundo de Cultura da Capital (Haupstadtkulturfond), nosso patrocinador principal. Além disso, há as instituições brasileiras: as secretarias municipais de Cultura de Goiânia e Belo Horizonte, o Ministério da Cultura e os Institutos Goethe de São Paulo e Salvador.

Como foi a recepção da sua idéia aqui em Berlim?

-

Foi excelente. Claro que, por ser pessoa física, foi muito difícil entrar em alguns espaços. Mas no final acabamos até ampliando nosso projeto, incluindo universidades, como a Universidade Livre, a Humboldt e a Universidade das Artes de Berlim, além do apoio de escolas de dança e outras instituições. Eles ficaram fascinados ao perceber que a dança brasileira realmente não era representativa na capital.

Quais foram os critérios para a escolha dos grupos?

-

A questão de excelência do projeto foi a descentralização do eixo Rio-São Paulo, buscando a diversidade e a pluralidade cultural, estética e regional do país. Buscamos uma representação - eu não diria simbólica, mas uma representação básica - daquilo que o Brasil possa ser.

Esse aspecto regional contou muito, a representatividade desses grupos no contexto nacional. Houve também a preocupação com a internacionalização dessa linguagem, como é que ela poderia ser apresentada na Alemanha em confronto com essa postura eurocêntrica no tratamento das nossas manifestações culturais. Em terceiro lugar, claro, o aspecto econômico.

Tecnicamente, no que a dança alemã difere da brasileira?

"Coreografia para Ouvir", do Quasar Companhia de DançaFoto: MOVE BERLIM

- Na manifestação do corpo. A dança feita em Berlim é uma dança muito conceitual. É uma dança mais realizada na cabeça. A dança brasileira é realizada no corpo. Claro, é pensada, refletida, mas a gente lança o corpo no espaço. Aqui há um processo muito mais reduzido da manifestação do movimento. Essa é uma diferença fundamental.

Há também o envolvimento da dança brasileira com a realidade na qual ela está inserida. O Grupo Quasar, por exemplo, abre misturando a linguagem corporal extremamente elaborada do Henrique Rodovalho com a música popular, de manifestações de rua, de feiras. Isso faz uma diferença enorme e você encontra raramente na cena berlinense.

E como tem sido a recepção pelo público?

-

O público está impressionado. A abertura já foi para nós um sucesso. Houve superlotação. Nós poderíamos ter feito quatro espetáculos do Quasar com o público que apareceu. Há, nesse instante, uma grande discussão da dança brasileira na cidade, seja através da mídia, dos nossos patrocinadores ou das pessoas que foram assistir. Tivemos a estréia da Ivani Santana, que abriu um outro questionamento para quem viu os dois primeiros espetáculos. Isso causa um choque, eles pensam: "Nossa, isso também é Brasil".

Ela mistura corpo e tecnologia em um trabalho único dentro do contexto brasileiro, porque é muito difícil ter acesso à tecnologia de ponta, como ela tem, e é muito caro. É coisa para poucos, mas faz parte de um contexto urbano, que é São Paulo, e de um universo acadêmico - ela pesquisa, escreve seu doutorado na PUC-SP. Quando ela traz isso para Berlim, as pessoas podem pensar que "isso já aconteceu". Mas no Brasil ainda não. Lá ainda é uma coisa recente. É isso que queremos mostrar, para sermos coerentes com nossa proposta inicial.

Quais são seus planos para o futuro?

- No que diz respeito ao festival, vou esperar até o final de abril, como bom mineiro, para poder avaliar e pensar na próxima edição. Dependendo do resultado, minha intenção é ampliar o projeto para incluir artistas brasileiros que residem na Alemanha e também levar artistas alemães para o Brasil, com o objetivo de desenvolver um trabalho conjunto com as companhias de lá e trazer o resultado desse trabalho para Berlim.

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