"Weltschmerz", "Zukunftsangst": o alemão é rico em termos que descrevem de forma exata e concisa os sofrimentos da vida. Mas será que essas palavras não acabam justamente despertando tais sentimentos nos falantes?
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Você já se sentiu cansado do mundo, angustiado só de pensar no futuro ou completamente sem forças? É bem provável que sim, mas para descrever esse estado você deve ter lutado para pescar a expressão certa em meio a um mar de palavras.
Um falante nativo alemão não teria muita dificuldade, pois termos como Weltschmerz (dor do mundo), Zukunftsangst (medo do futuro), Kreislaufkollaps (colapso circulatório) ou Morgenmuffel (pessoa mal humorada pela manhã) têm seu espaço bem merecido no léxico nacional.
É muito difícil achar termos equivalentes em outros idiomas ocidentais. Não é nenhum segredo que algo sempre se perde ou se transforma na passagem de uma língua para a outra, mas como explicar que certas palavras, tornadas parte integrante de um idioma, são desnecessárias em outro?
Ekkehard König, professor de linguística da Universidade Livre de Berlim, explica que a linguagem se desenvolve para satisfazer às necessidades de quem a utiliza. "Se você der 50 euros a um francês, ele vai sair e gastar, enquanto um alemão vai depositar esse dinheiro no banco. Palavras são criadas para conceitos, para ideias importantes, e ceticismo e medo do futuro são predisposições básicas neste país."
Sociedades criam aquilo de que precisam
Mas será que a mera existência de palavras como Zukunftsangst ou Weltschmerz, e outros termos que descrevem tão precisamente os sofrimentos da vida, não acabam despertando nas pessoas justamente esses sentimentos?
Elizabeth Couper-Kuhlen, professora de linguística na Universidade de Potsdam, compara essa questão ao impasse do ovo e a galinha: "O que veio antes? Costuma-se dizer que, se uma palavra falta numa língua, o conceito é menos relevante, e que quanto mais relevante ou central ele for, mais provável será a existência de uma palavra correspondente."
Palavras alemãs no cotidiano brasileiro
O idioma alemão está mais presente no nosso dia a dia do que se imagina. Além de termos como blitz, kitsch ou diesel, outras palavras, como encrenca, chique e até mesmo o nome da Torre Eiffel, têm origem germânica.
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Química e guerra
Boa parte das palavras alemãs presentes no nosso cotidiano está ligada ao setor militar ou a elementos químicos, fato explicado pela autoridade que a Alemanha, durante muito tempo, exerceu nessas áreas. O que nem todos sabem é que na língua portuguesa, como também em outros idiomas, palavras que nada têm a ver com química ou guerra e que não soam alemãs também têm origem germânica.
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Torre Eiffel
A família de Alexandre Gustave Eiffel, engenheiro que deu nome à celebre construção parisiense, veio de uma área montanhosa no oeste alemão chamada Eifel. Na verdade, seu sobrenome era Bönickhausen, algo impronunciável para muitos franceses. A família adicionou, então, o nome da região de origem e passou a se chamar Bönickhausen Eiffel. E o engenheiro entrou para a história com o novo sobrenome.
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O que é isto?
Numa competição de migração de palavras organizada pelo Conselho da Língua Alemã (Deutscher Sprachrat), pessoas de 70 países sugeriram termos germânicos que "viajaram" para outros idiomas. Das seis mil palavras apresentadas, a mais recorrente foi "vasistas", termo francês para janela basculante ou claraboia. A palavra vem do alemão "was ist das?" – literalmente, "o que é isto?".
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Encrenca
Nem todos sabem que a palavra "encrenca" tem origem alemã. Quando achavam que um cliente tinha uma doença venérea, as prostitutas que chegaram ao Brasil no final do século 19 e que falavam iídiche, um dialeto alemão da Europa Central, falavam "ein krenke" ("krank" significa doente em alemão). Assim nascia o termo "encrenca", usado hoje no português do Brasil para designar uma situação difícil.
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Níquel e cobalto
Níquel e Cobalto, do alemão Nickel e Kobalt, eram gnomos que habitavam, na crença dos mineiros da Idade Média, as montanhas alemãs. Os trabalhadores medievais acreditavam que espíritos maus ("Kobold" em alemão) eram responsáveis pela presença de níquel e cobalto, considerados impurezas, na prata, no ferro e no cobre.
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Chope não é cerveja
O chope de cada dia não tem a ver, na sua etimologia, com a palavra cerveja. Trata-se de uma unidade de medida originada do alemão "Schoppen", equivalente a cerca de meio litro. O termo foi integrado ao português através do francês, depois que a corte portuguesa, fugindo de Napoleão, chegou ao Rio de Janeiro, no início do século 19.
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Schick, chic e chique
Já a palavra chique, considerada por muitos um patrimônio da língua francesa, é na verdade um termo alemão que chegou ao português através do francês. Muito antes de os costureiros franceses arrasarem nas passarelas, os alemães usavam expressões como "schicklich" ou "sich schickt" para designar apropriado ou bem arrumado. No alemão medieval, a palavra "schick" significa forma, costume.
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Fanta
Devido à escassez de matéria-prima, a Coca-Cola da Alemanha foi impedida de produzir seu principal produto durante a Segunda Guerra. Para garantir a própria subsistência, a companhia desenvolveu um novo refrigerante, que na época era feito à base de soro de leite. Um concurso entre os empregados da empresa resultou no nome "Fanta", pois a nova bebida era fantástica – em alemão, "fantastisch".
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Bulevar
Quando Luís 14 derrubou as muralhas de Paris, que se tornaram obsoletas para fins de defesa, mandou fazer um anel viário ou bulevar ao redor da cidade. A origem do nome dos antigos baluartes vem do alemão "Bollwerk" – literalmente, paliçada, barreira. "Boulevard" era a forma como os franceses pronunciavam "Bollwerk", termo que acabou dando nome às largas avenidas que substituíram as fortificações.
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Blitz, hamster e kombi
Há muitas outras palavras de origem alemã, como blitz, de "Blitz" (raio); Kombi, de "Kombinationsfahrzeug" (veículo combinado) ou hamster, de "hamstern" (juntar), devido às bochechas dos roedores que acumulam alimentos. Já o termo gás, que muitos creem ser de origem germânica, vem do holandês. A palavra foi cunhada pelo químico flamengo Jan Baptista van Helmont, a partir do termo grego "caos".
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O debate sobre o poder da linguagem e a influência das palavras na forma de pensar remonta à hipótese de Sapir-Whorf sobre relatividade linguística, formulada na primeira metade do século 20. Embora essa teoria tenha perdido prestígio já em meados do século, alguns antropólogos ainda acreditam que mudanças na linguagem podem mudar o comportamento humano.
Com uma risada, König comenta que a introdução de termos novos e positivos – como, por exemplo, Zukunftsfreude (animação pelo futuro) – dificilmente mudaria a disposição alemã.
Couper-Kuhlen acredita que existe uma relação reflexiva entre linguagem e sociedade. "Não se pode simplesmente mudar a linguagem e mudar a sociedade, mas também não se pode mudar a sociedade sem mudar a linguagem. E o fato de determinadas palavras existirem numa dada língua é um reflexo do que prevalece naquela sociedade. Se as pessoas não pensassem ou se comportassem de certa forma, não haveria necessidade de palavras como Weltschmerz."
Jogo de montar conceitos
Uma característica da língua alemã é que, embora sistemática, ela é também altamente flexível e magicamente eficiente. É como um enorme reservatório de peças de Lego, oferecendo infinitas possibilidades para se construírem palavras e meios concisos de autoexpressão. Em alemão, é possível combinarem-se três vocábulos sem qualquer relação entre si para criar uma palavra nova, sem desperdiçar uma única sílaba com circunlóquios.
Como afirma Albrecht Plewnia, do Instituto de Língua Alemã, as estruturas compostas no alemão facilitam bastante a invenção de neologismos capazes de refletir claramente o que é relevante no momento. "É muito mais fácil discutir sobre uma única palavra do que sobre partes de uma oração, e essas palavras dão manchetes muito melhores."
Por outro lado, há o perigo de manchetes alardeando neologismos negativos serem percebidas de fora com uma ênfase excessiva, conferindo-lhes um peso maior do que merecem, na realidade. A seleção da "despalavra do ano", entre os termos de valor questionável propagados pela mídia na Alemanha, ilustra bem esse fenômeno.
Albrecht Plewnia ressalva: "Quem olha de fora, tende a achar que há mais por trás das palavras alemãs do que é realmente o caso. Na verdade, só temos as palavras necessárias para descrever os problemas que existem. As palavras nascem da necessidade de descrever situações específicas."
E na maior parte dos casos as palavras cumprem bem essa função. O alemão pode não ser o mais lírico dos idiomas, mas certamente tem o mérito de dizer as coisas como elas são.
A composição, ou união de palavras para formar uma nova palavra, é uma das características mais marcantes do alemão. Estas são as dez "Komposita" mais longas, segundo o dicionário Duden, e duas curiosidades no final.
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Kraftfahrzeug-Haftpflichtversicherung
A palavra mais longa no dicionário Duden tem 36 letras e significa "seguro obrigatório de veículo contra danos a terceiros".
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Donau-Dampfschifffahrtsgesellschaft
Esta significa "sociedade operadora dos passeios de barco a vapor pelo rio Danúbio".
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Rhein-Main-Donau-Großschifffahrtsweg
Via de navegação para navios grandes que liga os rios Reno, Meno e Danúbio
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Arbeiterunfallversicherungsgesetz
Lei do seguro contra acidentes de trabalho
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Bundesausbildungsförderungsgesetz
Lei federal sobre o fomento à formação profissional
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Straßenverkehrs-Zulassungs-Ordnung
"Norma para licenciamento do tráfego viário", que abrange tanto condutores como veículos.
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Behindertengleichstellungsgesetz
Lei para a equiparação dos portadores de deficiência
Foto: picture-alliance/D. Reinhardt
Steuervergünstigungsabbaugesetz
Lei de redução dos benefícios fiscais
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Nahrungsmittelunverträglichkeit
Nesta o português é mais curto: "intolerância alimentar".
Esta palavra não consta no Duden, mas esteve em alta nos tempos da doença da vaca louca. Ela significa "lei sobre a delegação das obrigações de vigilância da rotulagem de carne bovina".
A considerada mais longa, com 80 letras, também não está no dicionário Duden, mas foi incluída no livro Guinness dos Recordes de 1996. Em português, significa "Associação dos Funcionários Subordinados da Construção da Central Elétrica da Companhia de Barcos a Vapor do Danúbio".