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PolíticaHungria

O jogo duplo de Viktor Orbán com a UE

17 de fevereiro de 2022

Primeiro-ministro húngaro ataca regularmente a União Europeia e acena com o "Huxit", a saída do bloco. Mas medida seria tiro no pé, minando sua própria base eleitoral e ambição de poder no âmbito regional.

Premiê húngaro, Viktor Orbán, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen
Premiê húngaro, Viktor Orbán, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der LeyenFoto: picture-alliance/AA/D. Aydemir

O premiê húngaro, Viktor Orbán, gosta de enfatizar que é um político que fala as coisas abertamente – e não deixa parceiros e oponentes europeus no escuro sobre suas intenções. De fato, Orbán geralmente fala uma linguagem simples e expõe sua agenda para todos verem. Mas há também questões explosivas de política doméstica e europeia sobre as quais o chefe de governo húngaro há muito tempo só fala com grande imprecisão – e desse modo provoca repetidamente ferozes especulações ba esfera pública.

A mais importante desses temas é, sem dúvida, o Huxit: a questão de se a Hungria permanece membro da União Europeia ou busca uma saída, como o Reino Unido fez com o Brexit. Por um lado, Orbán ataca regularmente a UE nos termos mais fortes possíveis e a vê como um inimigo tão perverso quanto a antiga União Soviética, que ocupou a Hungria. Ao mesmo tempo, afirma repetidamente que ainda vê o lugar de seu país como membro da UE. Afinal, o que quer Orbán? Está considerando seriamente um Huxit? Se não, qual é o objetivo de suas investidas contra a UE?

Essas questões estavam no ar no último sábado (12/02), quando o primeiro-ministro húngaro fazia seu tradicional discurso de balanço de governo, no qual avaliou o ano de 2021 e deu uma perspectiva sobre a próxima etapa política. Desta vez foi também o discurso de abertura da fase quente da campanha eleitoral: as eleições parlamentares de 3 de abril próximo contam entre as mais importantes do país, em mais de duas décadas.

"Estado de direito jihad"

Na parte da política europeia do seu discurso, desta vez Orbán soou civilizado para os seus padrões, embora em alguns pontos não tenham faltado as habituais insinuações absurdas dirigidas a Bruxelas. Por exemplo, afirmou que a UE quer impor um modelo de família arco-íris à Hungria, ou que está conduzindo uma "jihad constitucional" contra o país.

Protesto diante do Parlamento em Budapeste contra lei considerada homofóbicaFoto: Attila Kisbenedek/AFP

Orbán afirmou, de forma relativamente sóbria, que Budapeste e Bruxelas pensam de maneira diferente sobre nação, futuro, tradições e globalização. No entanto, de acordo com Orbán "de nossa parte, queremos manter a União Europeia unida" e que, por isso, ele estaria lançando uma "oferta de tolerância a Bruxelas e Berlim", ressaltando ser necessário respeito mútuo. Orbán não mencionou quais seriam as consequências se os destinatários rejeitarem a oferta, mas levantou a possibilidade de um Huxit.

Por muitas vezes, o primeiro-ministro húngaro já insinuou vagamente a possibilidade de deixar a UE. No contexto dos debates do Brexit, comentou em 2016 que havia "aparentemente vida fora da UE". Em fevereiro de 2020, repetiu: "A saída do Reino Unido e o fato de todos lá estarem vivos hoje mostram que também há vida fora da UE."

Eleitores de Orbán não querem Huxit

Os confidentes de Orbán e membros de seu governo são mais explícitos. Seu velho aliado Laszlo Köver, atual presidente do Parlamento, disse, numa entrevista em julho de 2021 que "hoje, definitivamente votaria não" num referendo sobre a adesão à UE.

Pouco tempo depois, o ministro das Finanças, Mihaly Varga, comentou que no fim da presente década – ou seja, quando a Hungria se tornar contribuinte líquida da UE – a questão do Huxit poderia ganhar “um novo ângulo”. Também em meados de 2021, o jornal governista não oficial Magyar Nemzet lançou pela primeira vez um debate sobre a saída da Hungria da UE. "É hora de falar sobre o Huxit", foi o título de um artigo de opinião.

Em vista das reações a essa pequena campanha do Huxit em 2021, Orbán deve estar ciente de que ainda não é a hora de fazer pressão por essa questão na Hungria, e que isso seria até contraproducente. Na época, até os círculos conservadores reagiram com indignação às declarações de seus amigos de partido e ao artigo de opinião do Magyar Nemzet.

Pesquisas de opinião nos últimos anos mostram índices de aprovação recorde para a UE na Hungria. Mesmo entre os eleitores de Orbán, cerca de quatro quintos não querem um Huxit.

Potência regional

Por outras razões também, a saída da Hungria da UE, ou mesmo um debate sério a respeito, está longe de ser uma opção para Orbán. O primeiro-ministro quer tornar seu país uma potência regional e um contrapeso a Bruxelas no centro e sudeste da Europa. O Estado húngaro está investindo pesadamente em empresas, imóveis e mídia em toda a região e administra programas de subsídios de bilhões de dólares para as minorias húngaras na Romênia, Sérvia, Ucrânia, Eslováquia, Croácia e Eslovênia.

Hoje, aliado de Orbán e presidente do Parlamento húngaro, Laszlo Köver, votaria contra adesão à UEFoto: picture-alliance/dpa

Além disso, o governo de Orbán também é o defensor mais persistente de uma rápida adesão à UE de Sérvia, Bósnia-Herzegovina e Montenegro – três países cujos líderes antidemocráticos representam um modelo de governo semelhante ao do líder húngaro.

No caso de um Huxit, Orbán, que desde jovem já tinha enormes ambições políticas, não poderia mais desempenhar o papel de um importante líder regional dentro da UE.

UE sem valores unificados

Finalmente, fundos bilionários da UE fluem para a Hungria. A acusação geral de que a nação simplesmente coleta dinheiro de impostos europeus não procede, pois as empresas europeias se beneficiam muito de custos de produção baratos, incentivos fiscais e oportunidades de vendas na Hungria.

No entanto, as transferências de Bruxelas representaram cerca de 2% a 4% do produto nacional bruto húngaro na última década – tornando-as um pilar do modelo econômico de Orbán. Portanto, seria extremamente inconveniente para ele e seu governo se Bruxelas impusesse sanções financeiras severas, com base no novo mecanismo de Estado de direito.

Em suma, um debate sério sobre Huxit e um plano para deixar a UE minariam a base de poder de Viktor Orbán. Em vez disso, seu interesse explícito – conforme estabelecido em sua oferta de tolerância – é uma UE sem valores unificados, em que ele possa agir internamente sem ser ameaçado com processos judiciais e sanções financeiras; uma união que é um clube de negócios pragmático.

O fato de Orbán atacar constantemente a UE em seus discursos e, implicitamente, construir a ameaça de um Huxit não é uma contradição a esse plano, mas simplesmente sua consequência lógica.

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