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CriminalidadeHolanda

O jornalista que desafiou o crime na Holanda

Barbara Wesel
22 de julho de 2021

Destemido e muito popular, repórter Peter R. de Vries era visto como inimigo do crime organizado por solucionar casos que a polícia não conseguia resolver. Seu assassinato chocou a população.

Peter de Vries
Colegas consideravam De Vries "lutador íntegro pela justiça e contra a hipocrisia"Foto: ANP/AFP via Getty Images

A fila em frente ao Carrétheatre, às margens do rio Amstel, onde foi velado o corpo do jornalista Peter R. de Vries, chegou a ter mais de um quilômetro. Pacientes, as pessoas esperaram até duas horas para se despedir do repórter investigativo assassinado em Amsterdã. Sua popularidade era tanta que partes da população quase o veneravam. Seus colegas de trabalho o chamavam de "lutador íntegro pela justiça e contra a hipocrisia", e assim o jornalista era visto também por muitos outros holandeses.

Uma espécie de herói 

Peter R. de Vries era o jornalista mais conhecido da Holanda. Ele ganhou fama no início dos anos 1980 com seus relatórios sobre o "caso Heineken", o sequestro do herdeiro da cervejaria Alfred Heineken. Na época, De Vries havia conseguido ganhar a confiança de dois dos sequestradores, que mais tarde foram condenados. Ao longo das décadas, várias vezes De Vries se aproximou demais dos personagens de suas investigações jornalísticas, o que lhe rendeu repetidamente ameaças de morte.  

"Ele foi destemido" é o veredito mais comum entre as pessoas na fila em frente ao Carrétheatre. O assistente social Kenneth Craig se encontrou com De Vries anos atrás em seu bairro. "Ninguém que o conheceu jamais o esqueceu, e ele também nunca esqueceu ninguém." Craig chega a comparar o repórter a grandes personalidades, como Martin Luther King ou Nelson Mandela: "Eu não conheço ninguém que fosse tão importante para a Holanda". A última vez que eles se encontraram, lembra, ele advertiu De Vries para ter cuidado. Mas o repórter apenas sorriu.

Longa fila para prestar última homenagem a De Vries Foto: Barbara Wesel/DW

Quando foi morto, o repórter não estava sob proteção policial porque ele não a queria, explicaram as autoridades. Agora, está sendo investigado se isso é verdade. De Vries esteve próximo do crime organizado e dos cartéis de drogas na Holanda durante anos. Mais recentemente, ele foi a principal testemunha da acusação no julgamento de Ridouan Taghi, chefe do notório bando de narcotraficantes Anjos da Morte. Taghi é considerado um dos homens mais perigosos e violentos da Holanda e acusado de inúmeros assassinatos.

Solucionador de crimes não resolvidos

Durante vários anos, De Vries também teve um programa de televisão próprio, em que se dedicou a resolver casos não solucionados pela polícia. Grande parte de sua popularidade vem dessa época.

Uma das pessoas na fila de espera carrega um livro com uma foto de Nicky Verstappen, um menino que havia desaparecido de um acampamento de verão na província de Limburg no final dos anos 1990. Sua morte só foi esclarecida recentemente, após De Vries reabrir o caso. "Herói talvez seja uma palavra grande demais, mas Peter solucionou muitos casos não resolvidos, fez um bom trabalho", elogia o portador do livro, que também é de Limburg.

"Ele sempre se ergueu contra a injustiça e deu voz àqueles que não a tinham", diz uma mulher de nome Fátima. Ela espera que agora algo realmente haja mudanças na Holanda, porque segundo ela o governo sempre promete muito e no final das contas não faz nada. "Não quero que sua morte seja em vão", diz, antes de avançar mais alguns metros na fila.

Dentro do teatro, o corpo de De Vries é cercado de fotos de sua vida e de um mar de flores. E muitos visitantes enxugam lágrimas ao deixarem o local. 

Muitas coisas deram errado

O choque com o assassinato em plena rua de Amsterdã ainda perdura em muitos holandeses. "Muito tem dado errado em nosso país nos últimos anos", diz Gerrit van de Kamp, presidente do sindicato de policiais ACP. "Havia muito pouco dinheiro para o trabalho policial e a criminalidade foi ignorada por muito tempo. Mas, por trás de portas fechadas, ela realmente conseguiu florescer e o governo ignorou essa evolução. O resultado é este acontecimento triste com Peter", diz Van de Kamp.

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No entanto, ele não vê a culpa apenas na política de tolerância do governo holandês. "O lado obscuro da liberdade de circulação na Europa, que é tão útil para a nossa economia, é o crescimento sem obstáculos do crime organizado." Grupos mafiosos do sul da Itália ou da Albânia há muito tempo ultrapassaram as fronteiras de seus países e somente uma maior cooperação da polícia em nível internacional poderia combater isso, acredita. 

Mas ainda pior que os efeitos do tráfico internacional de drogas no centro da Holanda, segundo De Kamp, é a perda de confiança entre os cidadãos. "Eles simplesmente não acreditam mais no que os políticos lhes dizem." Entretanto, o crime organizado se tornou tão forte, ganhou tanto dinheiro e tanto poder, que é preciso fazer amplos investimentos para combatê-lo. Os bandos de criminosos operam há muito tempo como empresas multinacionais, infiltrando-se na economia legal para encobrir seus negócios criminosos.

Suspeitos permanecem detidos

Os dois suspeitos presos logo após o ataque a De Vries foram apresentados ao juiz na terça-feira e permanecem detidos. Um deles, de 21 anos, teria laços familiares com o clã Taghi, que é acusado pelo assassinato de um advogado em 2019 e por ter fundado uma espécie de supermáfia europeia do narcotráfico. O procurador-geral holandês suspeita que essa conexão também possa estar por trás do assassinato do jornalista. Mas os suspeitos não se pronunciaram, por enquanto é tudo especulação. 

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