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O lado obscuro do "made in Europe"

Zoran Arbutina fc
24 de novembro de 2017

Marcas de roupas ocidentais se beneficiam de baixos custos de fabricação no Leste Europeu, onde leis são ignoradas, e trabalhadores acabam muitas vezes explorados.

Fábrica na Sérvia: condições de trabalho precárias no setor têxtil
Fábrica na Sérvia: condições de trabalho precárias no setor têxtilFoto: Clean Clothes Campaign/Y. Belorusets

"Eu disse ao meu supervisor que eu não conseguia respirar perto da máquina. Fazia 30ºC na fábrica e, se trabalhássemos próximos dela, ficaria muito mais quente", conta uma operária do setor têxtil na Sérvia.

O superior virou o tubo de escape da máquina, atingiu com gases os rostos da costureira e de seus colegas de trabalho e disse: "Isso é problema seu. E, se você não aguenta isso, há pessoas suficientes esperando para ocupar seu lugar. A porta é logo ali!"

Outra funcionária relata: "A administração nos pediu que arrecadássemos dinheiro para comprar um aparelho de medir pressão arterial, porque eles mesmos nos 'tratariam' e não chamariam um médico se nós desmaiarmos." 

As duas mulheres pediram para não terem suas identidades reveladas – como todos os outros trabalhadores que tiveram a coragem de descrever as condições na indústria têxtil da Sérvia em um estudo realizado pela Clean Clothes Campaign (CCC), uma ONG que visa melhorar as condições de trabalho na indústria de vestuário.

Na Sérvia, muitos têm medo de perder seus empregos, num país onde a taxa de desemprego geral é de 16% - entre os jovens, chega a 30%. Na Sérvia, os empregos bem remunerados estão no setor público, e a contratação é baseada em conexões e afiliação política.

Os trabalhadores da indústria têxtil, em particular, são forçados a aceitar condições de trabalho desumanas e a tirania de superiores, numa indústria predominantemente controlada por empresas estrangeiras que fabricam roupas para o mercado da Europa Ocidental.

Prevalece o ambiente de medo: há ameaças constantes de demissão, e os empregadores negam aos trabalhadores o direito de tirar férias.

"As trabalhadoras relatam que são tratadas como máquinas ou escravas, e não como seres humanos. Os superiores gritam com elas, e o assédio sexual faz parte da vida cotidiana", afirma Bettina Musiolek, coordenadora do CCC para a região oriental e sudeste da Europa.

Os casos de abuso acontecem em empregos que pagam menos que o salário mínimo do país e nos quais horas extras não são necessariamente remuneradas. O salário mínimo legal na Sérvia é de 278 euros (pouco mais de mil reais), mas uma família de quatro pessoas precisa de ao menos 652 euros (cerca de 2.500 reais) mensais para se sustentar.

As mulheres que trabalham na indústria têxtil ganham em média 202 euros (775 reais), na indústria de couro e calçado, 227 euros (870 reais). O setor emprega cerca de 100 mil trabalhadores na Sérvia, o que equivale a aproximadamente 8% da força de trabalho no país.

As condições da indústria de vestuário sérvia não são diferentes de outros países com baixo-custo de fabricação.

"Para as marcas de moda globais, países do Leste e do Sudeste da Europa são paraísos com baixos salários", dizem os autores do estudo. Varejistas bem conhecidos, como H&M, Benetton e Esprit, ou mesmo marcas de luxo como Louis Vuitton, Prada ou Versace fabricam seus caros produtos em fábricas de baixo custo.

As sweatshops europeias são conhecidas por seus trabalhadores baratos, mas experientes e qualificados. Em regra, pagam aos trabalhadores – a maioria deles mulheres – o salário mínimo legal, que varia de 89 euros (cerca de 340 reais) por mês na Ucrânia a 374 euros (cerca de 1.430 reais) na Eslováquia.

A fim de garantir o sustento de uma família e permitir que a remuneração atenda as necessidades básicas, os salários deveriam ser de quatro a cinco vezes maiores.

Mesmo marcas de luxo como Dolce&Gabbana têm interesse em construir linhas de produção no leste europeuFoto: picture-alliance

"Made in Europe"

Muitas marcas escrevem "Made in Europe" ou "Made in EU" em suas etiquetas, sugerindo que as roupas foram produzidas sob condições justas, mas, "na realidade, muitos dos 1,7 milhão de trabalhadores de vestuário da região vivem na pobreza", revela o estudo da CCC.

"Às vezes, nós simplesmente não temos nada para comer", frisa uma mulher em uma fábrica de têxteis na Ucrânia. Um trabalhador na Hungria diz: "Nossos salários são apenas suficientes para pagar pelo aquecimento de nossas casas e serviços públicos."

Essas condições só são possíveis em um ambiente que favorece o empregador. "É essencialmente uma zona livre de sindicatos. Ninguém representa efetivamente os interesses dos trabalhadores", diz Musiolek.

Os governos também dão às empresas estrangeiras subsídios diretos e indiretos. Na Sérvia, por exemplo, as companhias recebem altos subsídios, terrenos abaixo do valor de mercado ou mesmo gratuitos, isenções fiscais e infraestrutura gratuita. Além disso, os governos "estabelecem salários mínimos muito baixos", ressalta Musiolek.

Stefan Aleksic, um dos autores do estudo, afirma que uma corrida econômica está em andamento no sudeste da Europa. "Muitas nações pobres cercam a Sérvia e todos estão lutando pelos mesmos investimentos. Um clima de competição surgiu: quem oferecerá aos investidores estrangeiros melhores condições para fabricar de forma barata?", diz.

O resultado é devastador. "O Estado financia a manutenção de uma economia atrasada."

Apesar de tudo, a Clean Clothes Campaign não exige um boicote às empresas envolvidas. "Os trabalhadores continuam nos dizendo que precisam desses empregos. Eles deveriam ser pagos adequadamente, e as condições de trabalho deveriam ser ajustadas para atender aos padrões da União Europeia", defende Musiolek.

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