O lado Trump da Alemanha
9 de setembro de 2020Caros brasileiros,
primeiro, a notícia boa: mesmo em tempos de coronavírus, as universidades alemãs continuam sendo procuradas por estudantes estrangeiros. Apesar de todas as dificuldades, os estudantes de fora não desistiram da Alemanha.
Conforme um comunicado do Serviço Alemão de Intercambio Acadêmico (DAAD) e da organização Uni Assist, quase 60 mil jovens estrangeiros se candidataram para fazer uma faculdade neste começo do semestre na Alemanha. Isso corresponde a 80% das candidaturas do ano passado, segundo o DAAD.
Agora, a notícia ruim: o governo alemão infelizmente freou esse interesse internacional com novas restrições e obstáculos burocráticos. Em meio à pandemia, ficou mais difícil fazer uma faculdade na Alemanha para estrangeiros vindos de países não europeus.
Por incrível que pareça, o governo alemão seguiu justamente uma proposta de quem tanto critica: do presidente americano, Donald Trump. Conforme uma decisão do Ministério do Interior alemão, desde 2 de julho deste ano, não é permitido emitir vistos para estudantes estrangeiros que fariam cursos no país, cujas aulas passaram a ser exclusivamente remotas devido à pandemia.
Enquanto Trump já voltou atrás, o governo alemão continua com sua restrição, complicando a vida dos estudantes estrangeiros. Pois todos os estudantes que querem ingressar na Alemanha, precisam de uma declaração da universidade onde estão matriculados confirmando que haverá aulas com presença obrigatória.
Isso depois de esperarem meses pela resposta da agência Uni Assist, que faz a pré-seleção dos candidatos e os encaminha às universidades. Devido ao coronavírus, a agência atualmente demora de dois a três meses para avaliar os documentos dos candidatos. Esse atraso pode impedir o estudante de fora a pedir seu visto a tempo. Com a matrícula atrasada, ele provavelmente vai perder um ou, na pior das hipóteses, dois semestres.
Segundo a Associação dos Estudantes Estrangeiros na Alemanha (BAS), a candidatura para uma vaga numa faculdade na Alemanha virou uma maratona repleta de obstáculos. É lamentável: em tempos de coronavírus, quando milhares de jovens querem fugir do isolamento e da falta de perspectivas no seu país, a Alemanha fecha as fronteiras para eles.
No portal Make it in Germany, as contradições ficam evidentes: "A Alemanha continua sendo um país receptivo para estudantes e cientistas estrangeiros", assegura a introdução informativa para interessados. Mas o fato é que estudantes estrangeiros não podem ingressar no país sem uma carta oficial da faculdade onde estão matriculados afirmando que os cursos exigem a presença do estudante.
As restrições me fazem lembrar do desespero recente de casais não casados. Até metade de agosto, namorados vivendo em países diferentes não tinham como se encontrar na Alemanha. Somente depois que o movimento Love is not tourism conseguiu chamar atenção para o sofrimento desses casais, o ministro do Interior alemão, Horst Seehofer, revogou as restrições de viagens para este grupo de pessoas.
Não custaria repetir a dose. Afinal, justamente em tempos de coronavírus, uma faculdade no exterior seria um caminho para criar perspectivas para o futuro. Seria uma luz na crise, um sopro de esperança. Em vez de usar a pandemia para fechar as fronteiras, aumentar o distanciamento social e o isolamento, a Alemanha poderia apostar no contrário: emitir um sinal de confiança perante o futuro. Bastaria exigir quarentena e disponibilizar testes suficientes para minimizar o risco de infeção entre esses estudantes.
Esse sinal, aliás, não seria meramente altruísta. Pois a Alemanha precisa de jovens profissionais em várias áreas-chave da sua economia. A pandemia não vai sair de controle por causa de jovens que ingressam no país para fazer uma faculdade. No fundo, com essa política, a Alemanha pune a si mesma.
--
Astrid Prange de Oliveira foi para o Rio de Janeiro solteira. De lá, escreveu por oito anos para o diário taz de Berlim e outros jornais e rádios. Voltou à Alemanha com uma família carioca e, por isso, considera o Rio sua segunda casa. Hoje ela escreve sobre o Brasil e a América Latina para a Deutsche Welle. Siga a jornalista no Twitter @aposylt e no astridprange.de.