Dietrich completaria 120 anos neste 27 de dezembro. Ícone do estilo, atriz alemã que conquistou Hollywood também se destacou por sua oposição ao nazismo. Cosmopolita e independente, sua vida ainda serve de modelo.
Anúncio
Ela foi um ícone da República de Weimar, uma estrela de Hollywood, uma refugiada, uma humanista − e uma mulher que sabia quando foi a hora de encerrar a carreira.
No século passado, ela foi frequentemente lembrada como objeto sexual ou diva de Hollywood. Por ocasião de seu 120º aniversário neste 27 de dezembro, vale a pena lançar um novo olhar para uma mulher que esteve muito à frente de seu tempo − e hoje parece mais moderna do que nunca.
Listamos cinco aspectos de Marlene Dietrich que ainda hoje nos servem de exemplo:
Ame quem você quiser
Marlene Dietrich dormiu tanto com homens como com mulheres. Isso nunca foi um segredo, mas sobretudo os homens foram mencionados pelo nome. Mas suas amantes não foram menos glamourosas: por exemplo, a bem-sucedida atriz americana Tallulah Bankhead ou a singular Joe Carstairs, cujo verdadeiro nome era Marion Barbara, que se declarou lésbica no início do século 20 e fez carreira como condutora de barcos de corrida.
Sua bissexualidade não parecia incomodar Marlene Dietrich e nem mesmo ser uma questão política. Quando o diretor e ator austríaco-suíço Maximilian Schell a questionou sobre sexo com mulheres alguns anos antes de sua morte, enquanto ele rodava o documentário "Marlene" (1984), ela lhe respondeu sucintamente: "Oh, sabe, há um homem, e há uma mulher, e então ele se deita sobre ela, e então acontece, certo? − É o mesmo com duas mulheres". Uma mulher que ama aberta e naturalmente ambos os sexos − isso ainda está longe de ser uma questão natural nos dias de hoje.
Dietrich" também manteve relações assexuais: ela se apaixonou pelo escritor americano Ernest Hemingway, que lhe correspondeu o amor. No entanto, eles só se comunicavam por carta.
As regras de gênero estão aí para serem quebradas
Marlene Dietrich tornou aceitáveis para mulheres roupas antes reservadas para homens – e assim se tornou um ícone de estilo. Em seu primeiro filme em Hollywood, "Marrocos" (1930), ela beijou outra mulher usando um smoking. Isto nunca havia acontecido na tela antes, seja o beijo, ou a mulher usando smoking.
Na vida privada, ela foi frequentemente fotografada em calça, paletó e gravata. Desta forma, ela pouco a pouco adotou a moda masculina, depois que uma cartola tipicamente masculina a havia tornado objeto sexual: uma de suas fotos mais famosas a mostra de cinta-liga e cartola, em cena do filme alemão "O Anjo Azul" (1930), que a tornou famosa.
Ao mesmo tempo, ela nunca deixou de usar vestidos ou maquiagem. Nas fotos de hoje, ela é representada principalmente em um terno, mas Marlene Dietrich se sentiu igualmente confortável em ambos os mundos da moda, seja em um vestido dourado de ombros nus ou em um terno masculino branco. A propósito, no mundo da moda, as calças de pernas largas passaram a ser conhecidas como "calças Marlene".
Esteja atento à política e defenda a democracia
Ao contrário de outros colegas durante a República de Weimar na Alemanha (1918-1933), Marlene Dietrich recusou-se a apoiar a propaganda dos nazistas. Em 1930, ela seguiu a chamada de Hollywood e foi para a Califórnia com o diretor e seu amante na época, Josef von Sternberg, que também havia filmado "O Anjo Azul".
Mas ela manteve contato constante com seu marido, Rudolf Sieber. Embora tenham se separado durante a década de 1930, ambos continuaram casados e se apoiaram mutuamente até sua morte. Foi Dietrich quem, nos anos 30, incitou Sieber, por telegrama, a deixar a Europa com a filha comum, Maria, o quanto antes. Pelo menos isso que Florian Ilies narra em seu livro "Amor em tempos de ódio" (2021).
Dez refugiados famosos
Músicos, atores, políticos, cientistas dos quatro cantos do mundo: em comum, o destino de refugiado. Todos deixaram seus países natais, por um período breve ou o resto da vida, para se salvar da guerra e perseguição.
Foto: akg-images/picture alliance
Touro Sentado (1831-1890)
O chefe sioux Tatanka Iyotake, "Touro Sentado", um dos mais célebres nativos dos Estados Unidos, viveu quatro anos como refugiado. Em 1877, cerca de um ano após a batalha de Little Bighorn, liderada pelo general Custer, ele fugiu com seus guerreiros para o Canadá. Após voltar aos EUA, o líder indígena foi preso e colocado numa reserva. Ele morreu baleado durante uma nova tentativa de prisão.
Foto: Imago/StockTrek Images
Albert Einstein (1879-1955)
Autor da teoria da relatividade e Nobel da Física, o judeu alemão Albert Einstein visitava os EUA quando Adolf Hitler assumiu o poder, em 1933. Manter-se longe da Alemanha sob regime nazista não foi decisão fácil. Einstein dizia se considerar um "privilegiado pela sorte", por poder viver em Princeton, mas também "quase envergonhado de viver em tamanha paz, enquanto todo o resto luta e sofre".
Foto: Imago/United Archives International
Béla Bartók (1881-1945)
Apesar de não ser judeu, o compositor, pianista e musicólogo Béla Bartók se opunha à ascensão do nazismo e à perseguição antissemita, e em 1940 emigrou para os EUA. "Minha principal ideia, que me domina inteiramente, é a irmandade dos homens, acima e além de todos os conflitos", disse certa vez. No entanto, sua carreira musical gorou no exílio, e ele acabou por morrer pobre e esquecido.
Foto: Getty Images
Marlene Dietrich (1901-1992)
A atriz e cantora alemã Marlene Dietrich já era uma estrela nos Estados Unidos quando adquiriu a nacionalidade americana, em 1939, voltando definitivamente as costas para a Alemanha nazista. Refugiada célebre, ela se manifestava contra Hitler e cantou para os soldados americanos durante a Segunda Guerra. Embora com seus filmes banidos na terra natal, ela dizia: "Eu nasci alemã e sempre serei."
Foto: picture-alliance/dpa
George Weidenfeld (1919-2016)
Nascido em Viena, o editor judeu George Weidenfeld emigrou após a anexação da Áustria pelos nazistas. Em Londres, ele cofundou uma casa editora e se tornou barão. Além de se engajar pela causa israelense, estabeleceu um fundo para ajudar os cristãos que fogem do "Estado Islâmico". "Não posso salvar o mundo [...] mas tenho uma dívida a saldar", disse certa vez.
Foto: picture-alliance/dpa/N.Bachmann
Henry Kissinger (*1923)
Natural da Baviera, Henry Kissinger teve papel central na configuração da política externa dos EUA. Contudo, antes de se tornar autoridade em relações internacionais e professor em Harvard, o 56º secretário de Estado americano tivera que fugir da perseguição nazista em 1938. Já nonagenário, ele revelaria que a Alemanha "nunca deixou de ser parte" de sua vida.
Foto: picture-alliance/AP Photo/M. Schiefelbein
Miriam Makeba (1932-2008)
A cantora sul-africana Miriam Makeba era opositora ferrenha do regime do apartheid. Em 1960, durante turnê nos EUA, o governo de seu país lhe cancelou o passaporte. Três anos mais tarde ela foi proibida de entrar na África do Sul, a qual ela só reveria após décadas de exílio nos EUA e Guiné. "Mama Africa" morreu durante um show na Itália, em apoio à luta do autor Roberto Saviano contra a máfia.
Foto: Getty Images
Milos Forman (1932-2018)
Apesar de já ser um cineasta respeitado, Milos Forman voltou as costas à Tchecoslováquia em 1968, após a Primavera de Praga, indo estabelecer-se nos Estados Unidos. Em sua produção do outro lado da Cortina de Ferro dois Oscars de melhor filme se destacam: o drama psiquiátrico "Um estranho no ninho" (1975) e "Amadeus" (1984), sobre Mozart.
Foto: picture-alliance/abaca/V. Dargent
Madeleine Albright (1937-2022)
A primeira secretária de Estado americana, Madeleine Albright, nasceu na atual República Tcheca. Sua família fugiu para os EUA em 1948, quando os comunistas assumiram o poder. A partir de seu envolvimento intenso na política e depois de ser embaixadora americana na ONU, ela assumiu a chefia da diplomacia de 1997 a 2001, durante o segundo mandato de Bill Clinton.
Foto: Getty Images/AFP/S. Loeb
Isabel Allende (*1942)
O presidente Salvador Allende se suicidou após o golpe de Estado no Chile em 1973. A filha de um primo dele, Isabel, que o chamava de "tio", fugiu para a Venezuela após receber ameaças de morte. Mais tarde emigrou para os EUA e se estabeleceu como autora. Entre seus romances, que contam entre os clássicos do realismo mágico, destacam-se "A casa dos espíritos" e "Eva Luna".
Foto: Koen van Weel/AFP/Getty Images
10 fotos1 | 10
Enquanto a diretora alemã Leni Riefenstahl fazia filmes de propaganda para os nazistas, Dietrich comprometeu-se com os Estados unidos durante a 2ª Guerra. Já em 1939, ela abdicou de sua cidadania alemã e assumiu a americana. Enquanto seu amante Jean Gabin se alistou no exército francês, ela viajou para a Europa devastada pela guerra e apoiou as tropas americanas como cantora. Por isso ela foi nomeada Cavaleiro da Legião de Honra na França, e nos EUA recebeu a Medalha da Liberdade, a mais alta ordem concedida a civis, já em 1947.
Uma mulher contemporânea que tem a mesma medalha? Angela Merkel. Ela recebeu a medalha de Barack Obama.
Na Alemanha, o reconhecimento chegou tarde: alguns até a insultaram como traidora da pátria. Somente em 2002 ela recebeu postumamente a cidadania honorária da cidade de Berlim, onde nasceu e está sepultada.
Saber quando parar
Não se deve ignorar o fato de que ela se tornou viciada em álcool e comprimidos e passou o final da vida reclusa em Paris. Mas ela também soube quando parar: após uma lesão em 1975, ela encerrou a carreira nos palcos e, três anos depois, fez um último filme. Quando Maximilian Schell rodou o documentário "Marlene", ela ordenou que não fosse filmada.
Schell disse que tentou convencê-la do contrário, mas ela manteve a decisão: "Não significa não", justificou, dizendo que já havia sido fotografa à morte. Schell obteve autorização para fazer gravações sonoras e teve que colocá-las sobre material de vídeo já existente.
Ainda há muito poder nesta sua citação que se tornou famosa ("I've been photographed to death" − "Fui fotografada até a morte") e sua recusa em ser fotografada novamente, apesar de todos os apelos e interesses comerciais. Especialmente numa época em que, através de selfies, Instagram e TikTok, as pessoas estão constantemente tirando fotos de si mesmas e as publicando nas mídias sociais, recusar-se a ser fotografado é equivalente a um ato de resistência. Assim como saber quando é hora de deixar o palco, outra coisa que Marlene Dietrich e Angela Merkel têm em comum.
Anúncio
Continuar uma cidadã do mundo
Embora honrada por muitas nações, ela não se deixou levar por nacionalismo ou patriotismo. Quando Maximilian Schell lhe perguntou durante as filmagens do documentário "Marlene" por que estava morando em Paris, ela respondeu que estava trabalhando ali no momento, mas que também estava frequentemente em Nova York e que de qualquer forma viajava muito. E ao lhe perguntarem se não se sentia apátrida ela teria respondido com grande impaciência: "Não, é tudo um absurdo! Eu tenho sentimentos por pessoas, mas não tenho sentimentos por cidades ou assim".
Ao mesmo tempo, ela não se sentia apátrida. "A América é minha verdadeira casa", teria dito a Schell. "Eles me acolheram lá. Minha filha mora lá, toda a minha família está lá". Isso soa como de uma mulher pragmática, até mesmo grata, que sabia o que lhe importava, não como uma diva: acolher refugiados, sua família, seu trabalho.
Mesmo em seu 120º aniversário, Marlene Dietrich não precisa ser glorificada. Ela foi um ícone, mas era também um ser humano − e uma mulher cuja vida ainda serve de modelo, especialmente no século 21: como mulher emancipada, financeiramente bem-sucedida e cosmopolita, que ignorou regras de gênero, se manteve fiel ao humanismo e à democracia em tempos de crise, e soube quando era hora de deixar as luzes do grande palco.
A vida de Marlene Dietrich
A inesquecível berlinense Marlene Dietrich, que fez carreira em Hollywood, tornou-se um ídolo também para as gerações futuras.
Foto: picture-alliance/dpa
Começo difícil
Marlene Dietrich não foi uma estrela desde o início. Em sua biografia "Einsame Klasse - A Vida de Marlene Dietrich", Eva Gesine Baur descreve como foi difícil a ascensão da estrela alemã. A atriz inicialmente teve que se contentar com pequenos papéis no palco e no cinema, e também apareceu em teatros de revista. O grande avanço veio com o filme "O Anjo Azul".
Foto: picture alliance / dpa
"O Anjo Azul"
O sucesso acabou sendo enorme. Em poucas semanas, "O Anjo Azul", do diretor Josef von Sternberg, transformou a atriz alemã em grande estrela de Hollywood. Dias após a estreia em Berlim, Marlene Dietrich viajou aos Estados Unidos para assinar um lucrativo contrato para sete filmes de Hollywood.
Foto: picture-alliance/Gusman/Leemage
O "descobridor" da diva
O austro-húngaro Josef von Sternberg, na verdade Jonas Sternberg, foi o "descobridor" da diva. Depois de "O Anjo Azul", ele fez mais seis filmes com Marlene Dietrich em Hollywood e transformou a atriz, considerada um pouco gordinha na Alemanha, em ícone carismático da tela.
Foto: picture-alliance/dpa
Sucessos e fracassos
Mas nem todos os filmes Dietrich foram sucesso de bilheteria. Hoje considerados obras-primas da história do cinema, na época os trabalhos de Sternberg com a estrela não eram vistos assim. Após os primeiros sucessos, o entusiasmo nos EUA, no entanto, rapidamente diminuiu. Mas o êxito inicial a ajudou a se manter independente dos resultados de bilheteria de seus filmes.
Foto: picture-alliance
Marlene, a sedutora
Uma das principais razões para seu êxito foi seu olhar. Mesmo na vida noturna selvagem de Berlim dos anos 20, Marlene Dietrich soube encenar-se a si mesma. Isso também incluía o uso de roupas masculinas: calças, paletós, chapéus - tudo isso fazia parte de seu guarda-roupa. Em Hollywood, porém, isso foi visto de forma suspeita pelos círculos conservadores.
Foto: imago
Novos papéis
Depois de Marlene Dietrich ter a reputação de "fracasso de bilheteria" em Hollywood, ela conseguiu reconquistar o coração do público no final dos anos 1930. Ela não se encenou mais como beleza fria e inacessível, mas mais sincera e realista. Isso também incluiu aparições em filmes satíricos, como "A Pecadora" (Seven Sinners).
Foto: picture-alliance/dpa
Dietrich: nova estrela em Hollywood
Durante a Segunda Guerra Mundial, Dietrich fez um filme após o outro, apareceu muito em público e foi parte integrante do "jetset" de Hollywood. Por ocasião da estreia do filme patriótico "Ódio e Paixão", em 1942, ela se mostrou jogando xadrez ao lado de seu parceiro de cinema John Wayne, numa cena de promoção do filme.
Foto: picture-alliance/AP Photo
Visitando soldados americanos
A atriz, que havia virado as costas ao país natal no início do domínio nazista na Alemanha, aceitou a cidadania americana em 1939. Durante a guerra, ela se envolveu com as tropas americanas. Na foto, em uma visita às tropas na Europa.
Foto: picture-alliance/akg-images
Trabalhos com Hitchcock, Lang e Wilder
Após a guerra, Marlene Dietrich continuou fazendo um filme por ano, com diretores famosos como Billy Wilder, Alfred Hitchcock e Fritz Lang. Ela também continuou apreciando aparecer em público. Na foto, ao lado do ator britânico Michael Wilding visitando um musical em 1950.
Foto: AP
Último grande filme
Antes de se afastar quase completamente do ramo cinematográfico no final dos anos 50, ela fez outra grande aparição em 1957. Ela brilhou ao lado de Tyrone Power no drama judicial "Testemunha de Acusação", novamente dirigido por Billy Wilder.
Foto: picture alliance/Keystone
Houve um grande amor?
Marlene Dietrich teve muitos amantes homens e mulheres: atrizes de cinema, diretores, produtores, mas também mulheres e homens fora do ramo cinematográfico. De acordo com sua filha, ela também amava Edith Piaf. Mas, segundo a biógrafa Eva Gesine Baur, o ator francês Jean Gabin foi o grande amor de sua vida.
Foto: ASSOCIATED PRESS/picture alliance
A lenda Marlene Dietrich
Como Greta Garbo, ela queria ser lembrada pelo público como uma atriz em seu auge. É por isso que ela só fez duas aparições diante das câmeras nos anos 1960 e apenas uma na década seguinte. Provavelmente ela também deve seu status de ícone do cinema a essa retirada consistente. Na Alemanha, ela recebeu uma estrela na Berlin Boulevard of Stars em 2010 (foto).
Foto: AP
Morte em Paris, sepultura em Berlim
Marlene Dietrich morreu em 1992 em seu apartamento em Paris, após longos anos praticamente sem contato com amigos e conhecidos. Ela foi enterrada em Berlim com grande simpatia do público. O enterro marcou o fim de uma longa jornada - e Marlene Dietrich retornou à cidade onde nasceu.