O legado de Boris Fausto para a historiografia brasileira
19 de abril de 2023
Historiador deixa mais de 30 livros publicados, entre eles vários clássicos, como "A Revolução de 1930" e "Crime e Cotidiano".
Boris Fausto morreu aos 92 anosFoto: TV Câmara
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O historiador e cientista político Boris Fausto deixa um importante legado para a história contemporânea do Brasil. Fausto morreu em São Paulo nesta terça-feira (18/04), aos 92 anos. Autor de mais de 30 livros, ele escreveu obras que se tornaram clássicos, entre elas, A Revolução de 1930: Historiografia e História, publicada originalmente em 1969 e que influenciou a sua geração de historiadores.
Primogênito de uma família de imigrantes judeus, Boris nasceu em São Paulo em 1930. Aos 7 anos, perdeu a mãe e foi entregue junto com os dois irmãos menores pelo pai para ser criado por uma tia materna. Cresceu ouvindo sobre a importância do conhecimento. "Eu me lembro daquela frase: o importante é a educação. Eu estava no Brasil e queria ser brasileiro", afirmou certa vez o historiador.
Boris estudou em colégios tradicionais de São Paulo e desde pequeno se interessava por literatura. No fim dos anos 1940, começou a cursar Direito na Universidade de São Paulo (USP), onde se formou em 1953. Depois de trabalhar como consultor jurídico da universidade por dez anos, resolveu trocar de carreira e iniciou sua formação em História, em 1963, também na USP.
Em 1969, ele foi preso devido à sua antiga militância em pequenos partidos de esquerda. No mesmo ano, ele publicou seu primeiro livro, o clássico das ciências sociais brasileiras, A Revolução de 1930. Na obra, ele esmiúça a complexidade do episódio que culminou com o fim da República Velha.
Poucos anos depois, em 1975, ele se tornou professor de Ciências Políticas na USP.
Fausto era um grande defensor da democracia e combatente do negacionismo histórico, fenômeno ganhou força nos últimos anos. "Eu não sou a favor de que jamais seria, de que se tenha uma única interpretação da história. Mas o que a gente não pode ir é contra os fatos. Os fatos são os fatos. Não podemos discutir o fato de que uma ditadura é uma ditadura, um regime democrático é um regime democrático", declarou durante entrevista no programa Conversa com Bial em julho de 2019.
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Obras fundamentais para a historiografia brasileira
Fausto dedicou sua vida a estudar a história do Brasil e ganhou diversos prêmios ao longo de sua carreira por suas obras. Em História do Brasil (1994), publicado em 11 idiomas, ele traça um panorama dos principais acontecimentos do país desde a chegada dos portugueses. Pelo livro de quase 700 páginas, ele foi agraciado com o Prêmio Jabuti de 1995 na categoria Livro Didático.
Em outro clássico, Crime e Cotidiano (1984), ele aborda a criminalidade de São Paulo, numa pesquisa pioneira. O historiador também se dedicou a estudar os movimentos operários e sindicalismo, que resultaram em livros como Trabalho Urbano e Conflito Social (1976).
Por seu trabalho sobre imigração, no qual analisa a história de sua própria família e de outras que fincaram raízes em São Paulo no início do século passado, Negócio e Ócios (1997), Fausto recebeu mais um Prêmio Jabuti, desta vez na categoria melhor livro de Ciências Humanas, em 1998.
Em parceira com Sérgio Buarque de Holanda, participou da organização da coletânea História Geral da Civilização Brasileira, que possui 11 volumes.
Sucessos literários
Lançou ainda sucessos literários como O Crime do Restaurante Chinês (2009), que aborda um crime que mobilizou a opinião pública paulista em 1938, e O Crime da Galeria de Cristal e os dois crimes da mala (2019), que analisa três homicídios cometidos no começo do século 20 em São Paulo.
Lançado em 2021, seu último livro, Vida, Morte e Outras Histórias é uma coletânea de suas memórias e foi impulsionado pela morte de seu irmão Ruy, em 2019. "Sua morte inesperada e essa aproximação me impulsionaram a escrever este livro, passo a passo, sem um esquema prévio", escreveu Fausto, no início do livro.
cn/lf (ots)
As heroínas do Brasil
Mulheres inscritas no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria e protagonistas ainda pouco reconhecidas na história do país.
Foto: Public domain
Anita Garibaldi
Chamada de "heroína dos dois mundos", a catarinense Ana Maria de Jesus Ribeiro, mais conhecida como Anita Garibaldi (1824-1849), lutou pelos ideais republicanos ao lado do marido, Giuseppe Garibaldi, tanto no Brasil quanto na Itália, respectivamente, na Guerra dos Farrapos e no movimento pela unificação italiana. Desde 2012, seu nome está inserido no "Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria".
Foto: Public domain
Bárbara de Alencar
O livro no Panteão da Pátria em Brasília também inclui Bárbara de Alencar (1760-1832). A avó do escritor José de Alencar participou da Confederação do Equador, impulsionando o ideal republicano no Ceará no inicio do século 19. Ainda hoje se pode visitar a masmorra em que foi presa e torturada na fortaleza que dá nome à capital alencarina. Ela é considerada a primeira presa política do Brasil.
Foto: Public domain
Ana Néri
Em 2009, a baiana Ana Justina Ferreira Nery (1814-1880) iniciou a lista das Heroínas da Pátria. Depois de viúva, ela partiu com seus três filhos para frente de batalha na Guerra do Paraguai, onde cuidou de feridos, organizou hospitais de campanha e montou uma enfermaria às próprias custas na ocupada capital paraguaia. Ganhou a fama de "Mãe dos Brasileiros" e primeira enfermeira do Brasil.
Foto: Public domain
Jovita Feitosa
Aos 17 anos, a cearense Antônia Alves Feitosa (1848-1867), conhecida como "Jovita", travestiu-se de homem para lutar na Guerra do Paraguai. Mesmo com sua identidade desmascarada, foi aceita no corpo de voluntários e ganhou fama nacional, mas foi impedida de ir ao campo de batalha. Foi incluída no Livro das Heroínas da Pátria em 2017 e hoje dá nome a uma importante avenida da capital do seu estado.
Foto: Public domain
Maria Quitéria
Como "Soldado Medeiros", a baiana Maria Quitéria de Jesus Medeiros (1792-1853) participou ativamente nas lutas pela independência do Brasil em 1822. Sua habilidade com armas e disciplina militar fizeram com que ela permanecesse no exército mesmo depois de sua identidade ter sido revelada. Foi a primeira mulher a entrar em combate pelo Brasil e condecorada pelo próprio imperador Dom Pedro 1°.
Foto: public domain
Joana Angélica
Se Maria Quitéria foi a guerreira das lutas pela independência na Bahia, a freira Joana Angélica de Jesus (1761 - 1822) é considerada a mártir desse movimento. No ano de sua morte, os saques praticados pelas tropas portuguesas em Salvador também atingiram o Convento da Lapa, no qual era abadessa. Ao tentar impedir que entrassem no convento, Joana Angélica foi esfaqueada por um dos soldados.
Foto: Public domain
Maria Felipa de Oliveira
A luta pela independência na Bahia teve a participação de outra importante personagem: Maria Felipa de Oliveira. A marisqueira e pescadora da ilha de Itaparica liderou um grupo de mulheres e homens de diferentes classes e etnias, combatendo tropas portuguesas e incendiando navios que se preparavam para atacar Salvador. Ela é conhecida como a Heroína Negra da Independência.
Foto: Public domain
Clara Camarão
No século 17, a índia potiguar Clara Camarão participou junto ao marido, Felipe Camarão, também um Herói da Pátria, das lutas de resistência contra as invasões holandesas no Nordeste brasileiro. Para os historiadores, embora pouco se saiba sobre a vida da guerreira potiguar, seu reconhecimento como Heroína da Pátria dá destaque a personagens indígenas pouco prestigiados na história do Brasil.
Foto: tse/biblioteca digital
Zuzu Angel
Zuzu Angel (1921-1976) é a única mulher da recente história brasileira a ser reconhecida como Heroína da Pátria. Segundo a jornalista Hildegard Angel, o nome de sua mãe está junto a todos aqueles que sofreram sob a ditadura. Após a morte de seu filho pelo regime em 1971, a estilista passou a denunciar as arbitrariedades dos militares. Morreu em acidente de carro atribuído aos agentes de repressão.
Foto: Public domain/Arquivo Nacional Collection
Heroínas desconhecidas
Em 2019, a Mangueira se tornou campeã do Carnaval carioca com enredo que fala dos heróis e heroínas desconhecidas do Brasil. Uma delas foi Esperança Garcia, reconhecida simbolicamente pela OAB como a primeira advogada do Piauí. Em 1770, ela escreveu uma petição ao presidente da província, denunciando maus- tratos e abusos sofridos por ela e seu filho na fazenda em que eram escravos.
Foto: Divulgação
Marias, Mahins, Marielles, malês
Além de Dandara dos Palmares, defensora da liberdade dos negros ao lado do marido, Zumbi, foram lembradas Luísa Mahin, que articulou o levante de escravos na Bahia conhecido como Revolta dos Malês; e Marielle Franco, política e ativista assassinada em 2018 no Rio de Janeiro. "Brasil, chegou a vez de ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês", lembra o samba-enredo da escola vencedora.