De guerrilheiro comunista a item de consumo capitalista: meio século após morte do herói da Revolução Cubana, seus ideais políticos brilham com menos intensidade, mas era Trump e papa Francisco mantêm sua figura viva.
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Até mesmo as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) já se despediram dele. Desde que os guerrilheiros entregaram as armas, Ernesto "Che" Guevara não determina mais o cotidiano deles. Há pouco tempo, a ilustração do rosto da figura emblemática ainda estampava os uniformes dos rebeldes na selva colombiana. Agora, eles têm de seguir adiante sem o líder revolucionário.
Nesta segunda-feira (09/10), comemora-se o 50º aniversário da morte de Che Guevara. Nascido em 1928 na Argentina, o médico, revolucionário e guerrilheiro ganhou projeção internacional quando, entre 1956 e 1959, comandou a Revolução Cubana ao lado de seu companheiro e posteriormente chefe de Estado cubano, Fidel Castro.
Che Guevara foi uma das figuras mais emblemáticas e importantes da revolução. No entanto, abandonou seus cargos políticos na ilha para poder avançar com outras revoluções: no Congo e na Bolívia. Até que, em 1967, foi capturado, preso e morto pelo Exército boliviano.
Meio século depois, muitos se perguntam: o que permaneceu do legado de Che Guevara com o fim da Guerra Fria, com a reaproximação entre Cuba e Estados Unidos e com a morte de Fidel Castro? Ele ainda serve de ícone e inspiração fora de Cuba para os políticos de esquerda de todo o mundo?
Era Trump
"Como figura política Che Guevara já foi enterrado há muito tempo, mas como líder revolucionário, ícone pop e inspiração do Movimento Estudantil de 1968 ele ainda vive", afirma Matthias Rüb, correspondente do jornal alemão Frankfurter Allgemeinen Zeitung na América Latina.
Autor de uma biografia sobre Che Guevara recém-publicada na Alemanha, Rüb aborda não apenas as anotações do próprio líder revolucionário, como também a recepção política de suas ideias.
"Ainda que Che hoje pareça anacrônico, ele nunca perdeu força como figura simbólica antiamericanismo", diz o biógrafo. Para Rüb, não se pode descartar que a era Trump esteja ressuscitando o patrono dos críticos da globalização e herói dos movimentos de libertação de esquerda.
"O atual presidente norte-americano, Donald Trump, está fazendo de tudo para que o antiamericanismo seja reavivado e possivelmente, dando vida a Che novamente", afirma Rüb.
Rejeição à luta armada
Na Alemanha, o contato com a figura de Che aconteceu principalmente na história recente do país. Para Heike Hänsel, política do partido alemão A Esquerda, Che Guevara continua sendo a figura emblemática de Cuba. Ela defende a mensagem do líder revolucionário. "Para o A Esquerda, é um ponto crucial que não nos sujeitemos a nenhum tipo de exploração e muito menos ao imperialismo."
No entanto, Hänsel rejeita veementemente a utilização da luta armada para a defesa da igualdade social e do socialismo, tal como defendia Che Guevara.
"Há tantas zonas de conflito e guerras civis que é totalmente irresponsável defender e propagar a luta armada", esclarece a política. Com o avanço das técnicas bélicas, hoje seria uma loucura querer defender e implementar ideais políticos por meio da utilização de armas, diz.
"Via-se um homem derrotado": general lembra captura de Che
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O antigo ministro do Exterior do México, Jorge Castañeda, começou há vinte anos a desconstruir o legado do líder revolucionário. "As ideias de Che Guevara, sua vida, seu legado e seu exemplo pertencem ao passado. Por isso, elas nunca mais poderão se tornar atuais", analisou Castañeda na biografia do argentino que publicou em 1997.
Na época da publicação, as afirmações de Castañeda causaram escândalo na América Latina. Isso porque, Che Guevara era – e continua sendo – uma inspiração para os críticos da política neoliberal apoiada por Washington e que levou a Argentina à falência no início dos anos 2000. A ascensão de políticos de esquerda nesse período permitiu um histórico comeback da figura de Che Guevara na América Latina.
Che e o papa Francisco
Para Rüb, os atuais movimentos sociais na América Latina de certa forma levam adiante a luta do líder da Revolução Cubana. "Não há mais a figura de um único grande revolucionário. A luta contra a desigualdade social continua viva na América Latina, mas ela é agora conduzida por coletivos e movimentos sociais que, por meios pacíficos, querem fazer valer seus direitos."
O papa Francisco, argentino assim como Che Guevara, também pertence a essa nova luta na região, como aponta Rüb. "Francisco é um papa que tenta dar continuidade à herança de Che de forma pacífica. Na América Latina, isso significa sobretudo a superação da terrível desigualdade social", diz. "Exagerando um pouco, pode-se dizer que o papa Francisco é o novo Che Guevara."
A vida de Fidel Castro em imagens
Mesmo após abdicar do poder, Fidel Castro permaneceu sendo uma presença marcante. Não só em Cuba: admirado ou atacado, o líder revolucionário merece integrar a seleta galeria dos grandes mitos da política mundial.
Foto: AP
Educação jesuítica
Esta foto data de 1940, época em que Fidel Castro estudava no Colégio de Dolores, dirigido por jesuítas. Aos 14 anos, ninguém poderia prever como transcorreria sua biografia. Ainda assim, ele se destacava entre seus companheiros em Santiago de Cuba, sobretudo pela inteligência e aptidão oratória.
Foto: picture-alliance/dpa/Jose Maria Patac
Aluno destacado
Nascido no povoado cubano de Birán em 13 de agosto de 1926, Fidel Castro Ruz queria chegar longe. Seus pais, imigrantes da Galícia, eram bem estabelecidos, e Fidel desfrutou de uma boa educação. Esta foto é de 1945, quando finalizou o bacharelado. O anuário do colégio o descreve como um "aluno destacado e bom esportista". Cinco anos mais tarde, formava-se como advogado.
Foto: AP
Luta contra Batista
Sua candidatura como deputado, em 1952, foi frustrada pelo golpe de Estado do general Fulgencio Batista. Tendo tentado combatê-lo nos tribunais, Castro logo passou à luta armada. Depois do assalto fracassado ao quartel de Moncada, da prisão, anistia e temporada no exterior, ele retornou clandestinamente a Cuba. Em Sierra Maestra, onde começou a luta de guerrilhas, foi tirada esta foto, em 1958.
Foto: AP
A Revolução triunfa
Vitórias dos guerrilheiros custaram a Batista o apoio militar e o forçaram a fugir. Em 1º de janeiro de 1959, a Revolução celebrava vitória. No mês seguinte, Castro foi nomeado primeiro-ministro pelo novo presidente, Manuel Urrutia. Devido a diferenças com o líder revolucionário, ele renunciou em meados do ano, sendo substituído em Havana por Osvaldo Dorticós, que confiou o poder a Fidel Castro.
Foto: AP
Baía dos Porcos
A tensão entre Cuba e os EUA aumenta à medida que as desapropriações na ilha afetam os interesses americanos. Washington responde com embargo amplo, e em 3 de janeiro de 1961 rompe relações diplomáticas com Havana. Em abril, 1.500 exilados cubanos apoiados pela CIA desembarcam na Baía dos Porcos, com o intento de derrubar Castro. Este dirige a contraofensiva, e a invasão fracassa após três dias.
Foto: AP
Crise dos mísseis
"Não sei se Fidel é comunista, mas eu sou fidelista", dizia Nikita Krushchev em 1960. Moscou reatou relações diplomáticas com Cuba, interrompidas desde 1952, e incrementou seu apoio. A descoberta pelos EUA de bases nucleares soviéticas na ilha desencadeou a "crise dos mísseis". A URSS só cedeu com a promessa de John Kennedy de não invadir Cuba e também de desmontar as bases americanas na Turquia.
Foto: imago/UIG
Laços na América Latina
O episódio da Baía dos Porcos acelerara a proclamação do caráter marxista-leninista da Revolução Cubana. Em resposta, a OEA expulsou de suas alas o país, isolando-o. Mas não indefinidamente, pois a esquerda avançava em outros Estados da América Latina. Em 1971, Fidel Castro foi recebido pelo presidente chileno Salvador Allende (foto), que dois anos mais tarde seria derrubado por Augusto Pinochet.
Foto: AFP/Getty Images
Hora de Perestroika
A ascensão de Mikhail Gorbatchov ao poder, em 1985, marcou uma nova era em Moscou, de Glasnost e Perestroika. A "Cortina de Ferro" começou a ser perfurada, até se despedaçar; o império soviético acabou por cair. Sem sua principal base de sustento no exterior, Cuba precipitou-se em aguda crise. Milhares tentaram fugir para Miami em botes precários. Para muitos, era certo o fim do regime castrista.
Foto: picture-alliance/dpa
Visita papal
Um decreto do papa Pio 12 proibia a todos os católicos apoiar os regimes comunistas. Em consequência, o Vaticano havia excomungado Fidel em janeiro de 1962. Com o fim da Guerra Fria, contudo, chegou também o momento da reaproximação. Em 1996, Castro visitou João Paulo 2º, que lhe retribuiu a visita dois anos mais tarde, num gesto considerado histórico.
Foto: picture-alliance/AP/Michel Gangne
Jimmy Carter em Cuba
Houvera poucos momentos de distensão em Washington e Havana desde1962, quando os EUA impuseram seu embargo comercial, econômico e financeiro a Cuba. Um dos poucos sinais nessa direção foi a viagem do ex-presidente americano Jimmy Carter em 2002, com o fim de encontrar pontos de aproximação. Mas seus esforços tampouco trouxeram mudanças substanciais a Havana.
Foto: Adalberto Roque/AFP/Getty Images
Nova cara da Revolução
A partir da década de 90, Cuba deixou de ser vista como perigosa exportadora de revoluções. Com a estrepitosa queda do Bloco Soviético, as ideologias de esquerda naufragavam. Mas, na Venezuela, assumiu ao poder um dirigente disposto a propagar o que denominava de "Revolução Bolivariana": Hugo Chávez, admirador declarado de Fidel, ofereceu a Havana respaldo efetivo, além de apoio econômico.
Foto: picture-alliance/dpa/dpaweb
Entrega de poder
A enfermidade forçou Fidel a abandonar o poder formal, que entregou nas mãos do irmão Raúl Castro. Tudo para evitar uma guinada radical num sistema que – apesar de todos os avanços na educação e saúde – cobrava de seus cidadãos o alto preço da repressão e perda de liberdade. Enquanto apontavam os primeiros vislumbres de mudança, Fidel Castro ia se despedindo, embora defendendo sua visão até o fim.