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O medo de uma "ditadura do coronavírus" na Europa

Barbara Wesel ca
31 de março de 2020

Concessão de poderes quase ilimitados a premiê húngaro em meio à pandemia acende alerta em Bruxelas. Organizações europeias temem que exemplo seja copiado por outros líderes com tendências autoritárias.

Viktor Orban ungarischer Premierminister
O premiê húngaro Viktor Órban, que está no poder desde 2010 e há anos é acusado de erodir a democracia do seu paísFoto: Retuers/B. Szabo

Fiel ao princípio do ataque como a melhor defesa, Viktor Orbán atacou preventivamente a União Europeia (UE) diante de possíveis críticas à sua nova legislação de estado de emergência. Na segunda-feira (30/03), o Parlamento da Hungria aprovou uma medida que autoriza o ultraconservador primeiro-ministro a governar por decreto sem o aval do Legislativo por tempo indeterminado.

Em entrevista de rádio na manhã de segunda-feira, o presidente húngaro declarou: "Eu disse claramente aos criadores de problemas na União Europeia que agora não é hora de eles virem com todos os tipos possíveis de questões legais". Após a crise, vai haver tempo suficiente para discutir, apontou Orbán. "Se eles não podem ajudar ‒ pois não estão em condições ‒, pelo menos não devem criar obstáculos para os húngaros se defenderem."

A Comissão Europeia respondeu objetivamente a essa problemática. Presta-se o máximo possível de ajuda, disse o porta-voz Eric Mamer, para que a Hungria também possa ter acesso agora a 5 bilhões de euros do novo fundo especial de investimento para responder ao coronavírus com vista a melhorar, por exemplo, seu sistema de saúde. Além disso, o governo em Budapeste recebe, anualmente, somas bilionárias de Bruxelas, como o maior destinatário líquido de fundos da UE, acrescentou o porta-voz.

Nesta terça-feira, a presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula von der Leyen, destacou que "todas as medidas de emergência" tomadas pelos países membros para lutar contra o coronavírus "devem ser limitadas ao necessário" e ser "proporcionais".

Von der Leyen também afirmou, em comunicado que "a democracia não pode funcionar sem meios de comunicação livres e independentes". Ursula von der Leyen não mencionou especificamente a Hungria, mas o porta-voz da Comissão leu o comunicado em uma entrevista coletiva na qual foi perguntado sobre a Hungria.

Críticas de todos os lados

As críticas não demoraram a chegar e não vieram apenas de Bruxelas. A secretária-geral do Conselho da Europa em Estrasburgo, Marija Pejcinovic Buric, alertou que os países-membros devem respeitar o cerne dos princípios democráticos. Ela afirmou que isso não pode ser garantido por um estado de emergência descontrolado e por tempo indeterminado e que os debates nas mídias também são um elemento essencial de uma ordem livre e democrática.

A nova legislação restringe a distribuição de informações supostamente "falsas" sobre o coronavírus e as medidas do governo, inclusive por jornalistas. O medo é que isso censure ou até mesmo impeça qualquer relato que desagrade ao governo.

A organização de direitos civis da Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) também está protestando contra a legislação, porque ela não atende aos padrões internacionais. Várias organizações humanitárias e de direitos civis na Europa se manifestaram contra as leis de estado de emergência na Hungria.

A comissão competente no Parlamento Europeu alertou que as medidas contra a crise do coronavírus não devem violar os direitos fundamentais, o Estado de direito e os princípios democráticos. A Comissão da UE deve agora verificar se a Hungria ainda cumpre as suas obrigações nos termos dos tratados europeus.

Com a chamada instauração do Artigo 7°, a UE pode avaliar a situação do estado de direito de um país-membro e, se necessário, retirar seus direito de voto. O dinheiro também pode ser cortado. Mas o processo provou ser inadequado e ineficiente porque a decisão deve ser unânime. A Hungria, contra a qual esse procedimento está em andamento desde 2018, e a Polônia, que sofre ameaça de processo semelhante, poderiam se proteger mutuamente no Conselho Europeu.

O processo contra a Hungria está, de fato, parado. Comandada por Ursula von der Leyen, a nova Comissão Europeia queria retomar o assunto, mas até agora nada aconteceu. Em princípio, a UE atualmente não tem meios concretos contra os esforços de poder por parte de Orbán em Budapeste.

Risco de efeito-dominó

A vice-presidente do Conselho Europeu, a eurodeputada social-democrata Katarina Barley, também disse temer que outros líderes queiram copiar os poderes ilimitados de estado de emergência concedidos a Orbán.

"A Hungria é uma espécie de vanguarda para outros nacionalistas e populistas da UE. Outros pretendentes a autocratas na Polônia, Lituânia e outros países acreditam que podem seguir o exemplo húngaro", criticou Barley, acrescentando que, se Orbán for bem-sucedido, outros se sentiriam encorajados.

"A UE esperou tempo demais", criticou Barley, advertindo que as instituições da UE teriam que levar a Hungria à Corte Europeia de Justiça. "Mas na crise do coronavírus, tenho dúvidas de que o Conselho Europeu venha a agir nesse caso."

Esse ponto de vista é compartilhado pelo eurodeputado alemão pelo Partido Verde Sergey Lagodinsky: "Não devemos tolerar, de forma alguma, uma ditadura da covid. Nenhuma situação de emergência no mundo justifica a suspensão de um Parlamento por tempo indeterminado."

Medo da oposição húngara

A eurodeputada húngara Klara Dobrev (Coalizão Democrática) também teme que Orban use a crise para expandir seu poder: "Aqui, o que está em jogo não é resposta à crise de covid-19, mas o conceito de democracia iliberal de Orbán. Ele quer aniquilar a pequena oposição restante, alegando que os socialistas estão atrapalhando a luta contra o coronavírus".

Segundo a eurodeputada oposicionista, Orbán precisa de um novo inimigo, já que não há mais migrantes. A oposição na Hungria, disse Dobrev, espera agora que a UE enfatize suas preocupações e instaure o mecanismo de monitoramento do Estado de Direito.

Suspeitas injustificadas contra Orbán?

Daniel Caspary, eurodeputado da união partidária de centro-direita PPE no Parlamento Europeu, disse ver esse processo de forma muito mais relaxada. Embora a filiação do partido Fidesz, legenda de Orbán, aos democratas-cristãos europeus do PPE esteja temporariamente suspensa, as portas parecem não estar completamente fechadas.

Caspary disse considerar que a legislação de estado de emergência se destina menos a uma ampliação de poder, mas a uma tentativa de demonstrar capacidade de ação à população do país na crise de covid-19.

No entanto, ele disse achar "preocupante" que o estado de emergência não tenha data definida para terminar, embora o Parlamento húngaro poderia suspendê-lo a qualquer momento. Porém, para fazer isso contra a vontade de seu líder partidário e de governo, seria preciso o apoio de uma parcela significativa de parlamentares do Fidesz.

O partido detém uma maioria parlamentar de dois terços. Segundo Caspary, a ameaça de punição para as chamadas "notícias falsas" sobre o coronavírus e as medidas do governo é a resposta errada para um problema legítimo.

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