1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

"O medo tem que se transformar em resistência"

Bianca Kopsch do Rio
14 de abril de 2018

Amiga de Marielle, vereadora Talíria Petrone exige resposta sobre morte e afirma que colega segue viva através da luta pelos direitos humanos. Alvo de ameaças e mensagens de ódio, política do Psol diz que não vai recuar.

Talíria Petrone, vereadora de Niterói
Talíria Petrone, vereadora de Niterói: "Marielle segue viva nas lutas que tantas Marielles estão encampando"Foto: PSOL/N. Alle

Um mês após a morte da vereadora carioca Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, a sociedade exige respostas sobre o assassinato. "O medo tem que ser transformado em resistência", afirma Talíria Petrone, vereadora do Psol em Niterói e amiga de Marielle, em entrevista à DW Brasil.

Leia tambémMorte de Marielle completa um mês sem respostas

As investigações caminham lentamente, e o caso, que levou multidões às ruas em solidariedade e por pressão por explicações, é tratado com absoluto sigilo pelas autoridades responsáveis.

Colega de partido da vereadora assassinada e também defensora dos direitos humanos, Petrone acredita em crime político. "Marielle incomodava muitos que estão no poder", diz. "O que precisamos saber agora é de qual setor – que se sentia provocado pelas lutas dela – partiu a ordem de matá-la."

Petrone foi a vereadora mais votada em Niterói em 2016. Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal, ela é uma das vozes de oposição à intervenção federal no estado do Rio, assim como fora Marielle.

A vereadora, que recebe várias ameaças e mensagens de ódio desde que foi eleita, diz que não vai recuar: "Estou mais convicta de avançar, com menos medo e mais disposição de luta."

Deutsche Welle: O que já se sabe sobre a morte? Quem está por trás desse assassinato?

Talíria Petrone: Eu acho que o que se sabe é que foi um crime político. Disso tenho convicção. O assassinato dela foi por aqueles que temem perder os seus privilégios pelas denúncias que a Marielle e seu campo fazem. Não há dúvidas de que há um braço do Estado envolvido. A Marielle incomodava muitos que estão nos espaços do poder hoje no Brasil.

Quem ela incomodava tanto?

Ela incomodava parte dos setores da polícia. Parte, porque não falo de todos os policiais. A Marielle acolhia muitos policiais vítimas da violência. Mas policiais envolvidos em violência e abuso policial e também com as máfias, como as milícias, se incomodavam com a voz de denúncia das violações cometidas por esses setores que Marielle denunciava.

Talíria e Marielle, em protesto no Rio em 2017Foto: Privat

Ela incomodava os partidários do ódio, que têm ódio de pessoas que defendem as pautas LGBT e das mulheres.

Ela também incomodava esses setores do ódio da extrema direita, que não suportam ver pessoas negras no poder, que não suportam ver pessoas da favela no poder. Ela incomodava aqueles que defendem que "bandido bom é bandido morto", porque ela defendia direitos humanos para todos.

Então ela incomodava muitos. O que a gente precisa saber agora é de qual setor – que se sentia provocado pelas lutas dela – partiu a ordem de matá-la.

Até agora não há respostas oficiais. Você está satisfeita com o andamento das investigações?

Há algumas linhas de investigação, mas ela segue sendo bastante sigilosa. Por um lado, sabemos que há pessoas em quem confiamos que estão acompanhando de perto as investigações. Por outro, não temos confiança plena no Judiciário e nas estruturas do Estado. Então continuamos mobilizando e pressionando para que o caso não caia no esquecimento e que tenhamos uma resposta o mais rápido possível.

Você ficou surpresa com o impacto da morte da Marielle na política, na sociedade brasileira e até internacionalmente?

A gente já sabia do tamanho da Marielle. Ela sempre foi gigante e estava cada vez mais gigante. Por isso ela incomodava tanta gente. Mas, de fato, o tamanho mundial que a Marielle alcançou e não só as suas lutas, mas tudo que ela representava com a sua voz, é muito impactante. Então, há muita dor. Mas, por outro lado, há muita certeza de que a luta pelos direitos humanos ganhou mais espaço no mundo. Os olhos do mundo hoje estão voltados para um Brasil que cada vez mais está enterrando sua democracia, para um Brasil que está fechando o seu regime em alguma medida. Então acho que a Marielle moveu estruturas, e nós precisamos fazer isso ganhar voz pelo mundo inteiro.

O Rio vive uma intervenção militar, oficialmente com o objetivo de melhorar a segurança pública. A Marielle se manifestava contra e você também – por quê?

Porque é o reforço de uma mesma lógica de segurança pública que não dá certo há muito tempo. Primeiro porque ela é promovida pelo mesmo setor, pelo PMDB e seus aliados. É uma solução que deu errado nas últimas décadas. Segundo: porque ela não reorienta o modelo de segurança pública. Ela é o reforço da militarização da vida, da política, das relações. E há décadas a gente já tem militarização, especialmente em territórios de favela, e nada resolveu. É um banho de sangue, que não funciona nem mesmo para os agentes da segurança pública. Por isso é preciso reorientar o modelo de segurança pública, regulamentar e legalizar as drogas. Controlar munições e armamento. E desmilitarizar a polícia.

Você também é vereadora e luta pelas mesmas causas que Marielle. Você também é presidente da Comissão dos Direitos Humanos, no seu caso em Niterói. E você vem sendo ameaçada de morte...

Desde o início do mandato foram muitas ameaças nas redes sociais. Desde "negra nojenta", "volta para a senzala", até dizendo que mereço uma "9mm na nuca", paulada, morte, que eu seria a próxima a morrer. Até ligações para a sede do Psol me xingando, dizendo que explodia uma bomba. Desde a execução de Marielle, estamos lidando de forma mais séria com isso, mas também sem recuar.

Você está precisando de seguranças agora...

É uma privação da vida, é uma mudança de vida muito significativa e dolorosa. Mas também é a garantia de poder acompanhar as violações do Estado, denunciando a violação de direitos humanos que o Estado comete contra o povo pobre, contra o povo negro. E se para isso preciso ter privação da minha liberdade hoje, assim será. Executaram uma vereadora, tentando calar sua voz. Eu não quero que a minha voz seja calada, porque minha voz também é a voz de muita gente.

Você vive com medo agora?

Eu acho que o medo tem que ser transformado em muita resistência. Eu tive mais medo no início quando Marielle foi executada e agora estou com um pouco mais de sangue nos olhos, digamos assim. Estou mais convicta de avançar, com menos medo e mais disposição de luta.

Qual é o legado de Marielle?

Marielle segue viva nas lutas que tantas Marielles, que brotam pelo Brasil e pelo mundo, estão encampando. A Marielle segue viva na luta contra o genocídio do povo negro, na luta contra o racismo, contra o machismo, contra a pobreza, na luta pelo direito das pessoas da favela. Ela segue na luta contra a militarização da vida, contra a intervenção federal. Marielle segue na luta pelo direito à vida, à dignidade – na verdade, é isso que os direitos humanos significam.

____________

A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas. Siga-nos no Facebook | Twitter | YouTube | WhatsApp | App

Pular a seção Mais sobre este assunto