Sérgio Moro começa a preencher cargos da nova pasta da Justiça e Segurança Pública com veteranos da operação no Paraná. Superintendente da PF no estado será diretor-geral de toda a corporação.
Anúncio
O futuro ministro da Justiça e Segurança Pública do governo Jair Bolsonaro, o ex-juiz Sérgio Moro, começou a mostrar o desenho da sua nova pasta ao nomear para postos-chave delegados veteranos da Operação Lava Jato no Paraná.
"Eu seria um tolo se não aproveitasse pessoas que trabalharam comigo, especialmente no âmbito da Lava Jato, porque essas pessoas já provaram tanto a sua integridade quanto a sua eficiência", afirmou Moro nesta terça-feira (20/11) em Brasília.
Quer receber as notícias da DW Brasil no Whatsapp?Clique aqui
Entre os nomes escolhidos por Moro – que atuou no âmbito da operação até o início de novembro – está o atual superintendente da Polícia Federal no Paraná, Maurício Valeixo, que será o novo diretor-geral de toda a corporação.
Há mais de 20 anos na PF, Valeixo coordenou a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em abril e foi um dos responsáveis pela negociação da delação premiada do ex-ministro Antonio Palocci, que ocorreu à revelia do Ministério Público e que teve sua divulgação autorizada por Moro durante a campanha eleitoral.
Na segunda-feira, Moro já havia anunciado a nomeação de Rosalvo Franco Ferreira, antecessor de Valeixo na chefia da Polícia Federal no Paraná, e da delegada Erika Mialik Marena para compor sua equipe de transição no ministério. Ferreira comandou a PF no Paraná entre 2013 e o fim do ano passado, e nesse período esteve à frente da corporação em momentos cruciais da Lava Jato.
Já Marena foi a responsável por batizar a própria operação Lava Jato. Além de participar da equipe de transição, Marena também já foi escolhida para chefiar o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) do Ministério, um órgão estratégico de cooperação com outros países, especialmente em casos que apuram lavagem de dinheiro.
No ano passado, a atuação de Marena à frente da Operação Ouvidos Moucos foi alvo de questionamentos e críticas. A operação foi marcada pela prisão do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Luiz Cancellier, que se suicidou pouco depois. Críticos apontaram que a operação cometeu abusos, mas uma sindicância da PF eximiu Marena. Atualmente, ela comanda a superintendência da PF no Sergipe.
Após a nomeação de Marena, Moro chegou a abordar o episódio envolvendo o reitor. "O que aconteceu em Florianópolis foi um infortúnio e um imprevisto no âmbito de uma investigação, a delegada não tem responsabilidade quanto a isso", disse.
Um terceiro indicado de Moro para a equipe de transição é Fabiano Bordignon, que chefia a PF em Foz do Iguaçu. Ele também é cotado para assumir o Departamento Penitenciário Nacional (Depen). No Paraná, Bordignon também foi diretor por cerca de dois anos da penitenciária federal de Catanduvas.
______________
A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas. Siga-nos noFacebook | Twitter | YouTube
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
Foto: AFP/Getty Images
O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Brandt
O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
Foto: Reuters/S. Moraes
As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
Foto: imago/Fotoarena
As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
Foto: Reuters/P. Whitaker
Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
Foto: J. Sorges
De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
Foto: Reuters/A. Machado
... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Dana
As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
Foto: picture-alliance/dpa/EPA/H. Alves
As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
Foto: Getty Images/AFP/H. Andrey
O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
Foto: picture-alliance/dpa/ZUMAPRESS/C.Faga
Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.