O mito de que as sociedades ocidentais estão divididas
20 de setembro de 2023O presidente da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, defende um ano de serviço civil como medida para combater a divisão da sociedade. Depois dos recentes distúrbios na França, o presidente Emmanuel Macron anunciou que pretende agir contra a divisão da sociedade. E quando, durante a pandemia de covid-19, o debate sobre a obrigatoriedade da vacina se inflamou na Alemanha, muitos viram nisso a divisão da sociedade.
Assim surge a impressão de que, em muitos países ocidentais, o fosso político e cultural nunca foi tão grande. Os termos duros que frequentemente são usados no debate público, em temas como aborto, gênero, mudanças climáticas, migração e racismo, reforçam essa percepção.
Para o sociólogo alemão Stefan Hradil, da Universidade Johannes Gutenberg, é incontestável que as sociedades dos países ocidentais se tornaram mais plurais nas últimas décadas: "Não há alternativa à diferenciação nas sociedades modernas. Isso está ligado ao aumento do grau de liberdade, do acesso à educação, da migração e muito mais."
Mas ele ressalta que isso não tem nada que ver com divisão: "A diferenciação não precisa ser uma divisão. Ela pode se transformar numa – mas para isso muita coisa precisa acontecer."
O diretor do Instituto de Ciência Política do King's College de Londres, Bobby Duffy, concorda. "É claro que há tensões entre diferentes grupos sociais. Mas elas são apresentadas de uma forma exagerada. Estudos mostram que, de modo geral, conseguimos lidar bem uns com os outros."
Viés cognitivo
Mas por que há então a impressão de que não é bem assim?
É necessário estar ciente de que políticos, formadores de opinião e também a mídia frequentemente usam conceitos como divisão ou guerra cultural como palavras de ordem para suscitar emoções, explica Hradil. E assim contribuem para essa imagem distorcida.
E há ainda as redes sociais: os pontos de vista moderados e majoritariamente aceitos não são os que mais atraem a atenção, mas as posições extremas e minoritárias.
Duffy destaca também o papel dos vieses cognitivos: "Sabemos, por exemplo, que informações negativas atraem mais a atenção do que positivas. E sabemos que o público reage mais a histórias emotivas do que a fatos e números.”
Na psicologia social fala-se ainda em retrospectiva idílica, ou seja, a tendência de esquecer as coisas ruins do passado, fazendo o presente parecer, em comparação, pior do que realmente é.
Duffy observa que as linhas divisórias variam de uma sociedade para a outra – por exemplo entre pobres e ricos, direita e esquerda, velhos e jovens. "Em muitos países constatamos uma forte tensão entre uma certa elite dos grandes centros urbanos e a gente no interior. Na Alemanha, isso não é muito forte: o que polariza os alemães é a migração.”
Como medir a divisão de uma sociedade
Ou seja, uma sociedade pode estar mais dividida numa área e menos na outra. Na pesquisa, diferencia-se entre polarização ideológica e polarização afetiva. A primeira descreve as divergências sobre questões políticas ou sociais específicas, enquanto a segunda se refere à rejeição que grupos sociais sentem uns pelos outros. Segundo Duffy, trata-se de uma espécie de "comportamento tribal” que consiste em não confiar de forma alguma no outro lado e até mesmo tentar desumanizá-lo.
No Reino Unido, por exemplo, a polarização ideológica permaneceu praticamente inalterada nas últimas décadas, ao contrário da polarização afetiva – por exemplo entre os apoiadores e opositores do Brexit . "E essa é a tendência que preocupa a todos nós, e que nos Estados Unidos já está bem avançada.”
Hradil explica que a divisão de uma sociedade pode ser subdividida em quatro dimensões: social, política, econômica e sociocultural. Para cada uma delas há uma pergunta correspondente. Quanto eu tolero os outros? Que respeito tenho pelas instituições políticas – e quanto têm os políticos entre si? Quão dividida está a sociedade do ponto de vista financeiro? E qual meu grau de confiança ou de desconfiança em relação a diversos grupos sociais?
Numa pesquisa sobre o tema, ele e outros pesquisadores analisaram dados da pesquisa Eurobarometer, da Comissão Europeia. Moradores dos 27 países-membros foram questionados sobre seu grau de confiança nos seus concidadãos e nos seus governos. O resultado: na média da União Europeia, 60% responderam "não muito” em relação a seus governos. Os índices mais altos de desconfiança foram dos governos esloveno, com 77%, e croata, com 76%.
O resultado foi melhor na confiança nos demais cidadãos: apenas 28% na média da União Europeia disse confiar neles "não muito” ou "de jeito nenhum”. A cota mais baixa é a da Dinamarca, com 5%, e as mais altas são as de Malta (46%) e França (38%).
"Diferenças de opinião são saudáveis"
Alertas cada vez mais dramáticos sobre uma divisão da sociedade podem se transformar em profecias que se autocumprem – e em paralisia: os cidadãos saberão levar os alertas a sério se a situação ficar de fato crítica?
Talvez ajude relembrar que democracias modernas vivem do debate de ideias e do choque de posições antagônicas. Do contrário, as sociedades não evoluiriam.
Duffy concorda: "Diferenças de opinião políticas ou culturais são saudáveis e inevitáveis. Só é prejudicial quando essas diferenças se tornam de tal maneira parte da sua identidade pessoal, que você não está mais disposto a ceder – você se vê apenas como parte de um campo que se opõe ao outro campo e que não vai ceder, seja qual for a questão."