1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW
PolíticaPolônia

O movimento sindical que levou ao fim do comunismo na Europa

Robert Schwartz
31 de agosto de 2020

Há 40 anos, sindicato Solidariedade era criado na Polônia, abrindo caminho para uma transformação política no continente europeu. Hoje, discussão sobre legado do então líder dos trabalhadores Lech Walesa divide país.

Lech Walesa fala aos trabalhadores do Estaleiro Lenin em Gdansk, em agosto de 1980
Lech Walesa fala aos trabalhadores do Estaleiro Lenin em Gdansk, em agosto de 1980Foto: picture-alliance/dpa/L. Oy

Em 31 de agosto de 1980, Lech Walesa – até então um eletricista pouco conhecido – sentou-se à mesa com o então vice-primeiro-ministro polonês, Mieczyslaw Jagielski, como representante dos trabalhadores grevistas para assinar um acordo.

Após semanas de greve em várias fábricas polonesas, a concessão mais importante do governo foi a criação de um sindicato livre. Em 17 de setembro, o Solidariedade (Solidarność) foi oficialmente estabelecido como o primeiro sindicato livre por detrás da Cortina de Ferro.

Mas Walesa não acreditava realmente nas promessas dos comunistas naquela época. "Eu pensei: eles vão quebrá-las [as promessas], eles têm que fazer isso", afirmou o lendário sindicalista em entrevista à DW. Ainda estavam frescos em sua memória protestos anticomunistas ocorridos em 1956, 1970 e 1976 na Polônia e que terminaram em confrontos sangrentos com a polícia.

Walesa trabalhava desde 1967 como eletricista no estaleiro Lenin, na cidade portuária de Gdansk, no qual eram construídos navios para o mercado internacional e que trazia somas consideráveis de moeda estrangeira para o país comunista. As greves no estaleiro começaram em meados de agosto de 1980, mas em julho já havia pequenos protestos em fábricas em outras partes da Polônia.

Uma importante inspiração veio do papa polonês João Paulo 2º, que durante uma missa em Varsóvia, em 1979, proferiu a famosa frase: "Não tenham medo", que acabou se tornando um indicativo para milhões de poloneses.

A raiva foi dirigida contra os governantes comunistas que lideraram o país durante 35 anos, e que, neste período, asseguraram privilégios para si próprios e arruinaram a economia. Num país com 35 milhões de habitantes, 10 milhões de pessoas aderiram ao movimento Solidariedade em poucas semanas.

Em agosto de 1980, grevistas colocaram foto do então papa João Paulo 2º no Estaleiro Lenin, em GdanskFoto: Zygmunt Błażek/ Zbiory ECS

"O especial era que o movimento era apoiado pelos trabalhadores. Isso lhe deu impulso e poder", afirmou o historiador Peter Oliver Loew, diretor do Instituto Teuto-polonês, em Darmstadt. "Alguns intelectuais nas ruas não fazem uma revolução. Mas quando uma fábrica entra em greve, da qual depende parte da receita estatal, isso coloca em questão um sistema comunista que se legitima através do proletariado", acrescentou o especialista, que vê muitos paralelos entre o Solidariedade e a atual onda de protestos em Belarus.

O líder dos trabalhadores Walesa sempre tinha diante de seus olhos o perigo de que os protestos pudessem ser, mais uma vez, brutalmente reprimidos naquela época. "Você tem que estar totalmente determinado, caso contrário, não poderá liderar os outros. Você tem que pensar assim: não há mais família, nem morte, nem dinheiro. Eu sabia que eles poderiam me matar a qualquer momento, mas pensei: posso ser morto, mas não derrotado", contou Walesa.

Identidade e força

Em 1980, o então membro da oposição da ex-Alemanha Oriental Joachim Gauck, que mais tarde se tornaria presidente da Alemanha reunificada, reagiu aos acontecimentos na Polônia "com entusiasmo e ceticismo", afirma ele hoje.

Na República Democrática da Alemanha (RDA), após a repressão da revolta de 17 de junho de 1953 e a construção do Muro de Berlim, foi perdida a esperança de mudança, o que "moldou a vida na impotência política", contou Gauck em entrevista à DW.

Na Polônia, por outro lado, havia uma disposição secular por parte da população de "afirmar e lutar pela própria identidade sempre que possível. Isso reaparece em cada geração do povo polonês", acrescentou Gauck. Durante uma de suas visitas à Polônia, ele disse: "A língua da liberdade é o polonês."

Quando o Muro de Berlim caiu em novembro de 1989, a Polônia já tinha seu primeiro premiê não comunista. Já na primavera europeia de 1989, houve negociações entre o governo e o Solidariedade e, em junho, a Polônia realizou as primeiras eleições semidemocráticas por detrás da Cortina de Ferro.

Foto atual mostra Lech Walesa em seu escritório localizado em Gdansk Foto: DW/A. Holthausen

Mas esse papel pioneiro na luta contra o comunismo teve um preço elevado. Em 13 de dezembro de 1981, o sonho polonês de liberdade que nasceu em Gdansk um ano antes acabou. O governo impôs a lei marcial, que durou até 1983 e restringiu drasticamente os direitos civis. Dez mil oposicionistas foram detidos e dezenas foram mortos. O Solidariedade teve que ir para a clandestinidade e só foi autorizado a ser registrado novamente em 1989.

Dos países ocidentais vieram reações completamente opostas. Enquanto o então chanceler federal social-democrata alemão Helmut Schmidt via a lei marcial como um fator estabilizador, os Estados Unidos e o Reino Unido condenaram duramente a manobra. A oposição anticomunista da Polônia recebeu ainda um grande apoio da Noruega em 1983, quando Lech Walesa, então detido, foi agraciado com o Prêmio Nobel da Paz.

Walesa: herói ou traidor?

O movimento democrático em torno do sindicato livre Solidariedade se tornou um mito fundador da Polônia contemporânea. Quando o primeiro-ministro Mateusz Morawiecki diz que "a Polônia de hoje cresceu a partir do Solidariedade", ele alcança a alma de todos os poloneses, independentemente de sua visão política do mundo.

No Solidariedade, houve muitas correntes diferentes, tanto de esquerda quanto de direita. E é por isso que ele é frequentemente apanhado nos moinhos da política atual.

"Muitos têm o direito de se verem na continuidade do Solidariedade, mas o que estávamos observando atualmente são os representantes da direita – o partido governista Direito e Justiça (PiS) – reivindicando o direito de serem os únicos chamados a levar adiante esse legado", avaliou Loew.

Desde que o partido nacional-conservador PiS está no poder, ou seja, há quase cinco anos, os heróis do Solidariedade que estão politicamente do lado do governo são trazidos à luz em eventos oficiais e culturais. Mas Lech Walesa, ex-presidente do país entre 1990 e 1995, não é um deles, pois critica duramente o curso antiliberal do governo PiS.

Walesa incomoda o partido governamental. Na mídia pró-governo, ele tem sido retratado durante anos como um agente dos serviços de inteligência comunistas.

Em 2015, foram encontrados documentos que indicam a sua colaboração com a antiga polícia secreta. Walesa teria sido obrigado a colaborar em 1970, quando foi preso junto com cerca de 130 trabalhadores durante os protestos contra o governo em Gdansk. Mas no final da década de 1970, mesmo antes de ingressar no movimento de oposição, seus contatos com o serviço secreto comunista haviam se encerrado.

O debate se Walesa era um herói ou um traidor e se seus méritos posteriores teriam lavado sua culpa divide a Polônia até os dias de hoje. Como todos os anos, as comemorações do aniversário da criação do Solidariedade são ofuscadas por essa disputa.

Adaptação: Fernando Caulyt

Pular a seção Mais sobre este assunto

Mais sobre este assunto

Mostrar mais conteúdo