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O mundo caminha para uma "desglobalização"?

Sonya Angelica Diehn
4 de abril de 2022

Primeiro, a crise da pandemia expôs rupturas na economia. Agora, a guerra na Ucrânia afeta os mercados de commodities. Tais interrupções estão estimulando uma mudança na concepção das cadeias de abastecimento.

A imagem aérea mostra o navio Ever Given quando ele ficou preso no Canal de Suez, em março de 2021, e, com isso, interrompeu o fluxo de mantimentos e produtos em todo o mundo.
Preso no Canal de Suez em 2021, o navio Ever Given exemplificou a dependência do comércio globalizado.Foto: Maxar Technologies/REUTERS

Certamente, você já ouviu falar em globalização. Mas e sobre desglobalização?

Interrupções nas cadeias de abastecimento, aumento de preços, escassez – todas essas realidades diárias poderiam ser conectadas a um processo conhecido como desglobalização.

Especialistas afirmam, inclusive, que a guerra na Ucrânia, junto com a pandemia, marca um ponto de virada rumo a uma era desglobalizada.

Mas que forma ou que rumo tomaria esse novo mundo?

Uma breve introdução à globalização

Segundo pesquisadores e estudiosos do tema, há, basicamente, três tipos de globalização: econômica, social e política.

A globalização econômica é a integração da economia mundial em termos de comércio, um processo que tem seus defensores e críticos.

De acordo com quem defende esse conceito, a globalização aumenta o padrão de vida das pessoas, retirando-as da pobreza.

Por outro lado, os louros dessa globalização não costumam ser divididos de forma igualitária.

"Tanto em termos internacionais quanto nas sociedades industrializadas, a desigualdade aumentou", afirma Andreas Wirsching, professor de história da Universidade Ludwig Maximilian de Munique. A globalização econômica resultou em "muitos vencedores, mas também muitos perdedores, isso é inegável", complementa.

As desvantagens da globalização também incluem consequências sociais e ecológicas, pondera Cora Jungbluth, economista e especialista sênior da fundação alemã Bertelsmann Stiftung, com sede na cidade de Gütersloh.

Trabalhadores de países de alta renda têm visto empregos migrarem para países onde o custo de produção é menor, enquanto "empresas multinacionais têm terceirizado etapas de produção mais poluentes para países em desenvolvimento e emergentes, contribuindo, assim, para as questões ambientais", diz Jungbluth.

A pobreza extrema foi reduzida entre os anos de 1995 e 2020, mas voltou a crescer a partir do surgimento da pandemia de coronavírus.Foto: Hussein Malla/AP Photo/picture alliance

Globalização em recuo desde a crise de 2008

Assim como a globalização reflete um processo crescente de interdependência econômica, a desglobalização marca justamente o recuo da integração econômica global. E há indícios de que isso está acontecendo há algum tempo.

Medida que é chave na globalização, a participação do comércio no Produto Interno Bruto (PIB) global atingiu seu auge em 2008, antes do início da crise.

"A proporção média das exportações em relação ao PIB em todo o mundo aumentou muito significativamente nos anos 1990 e 2000. Entretanto, desde a crise financeira de 2008 e 2009, essas medidas têm estagnado ou mesmo diminuído", explica Douglas Irwin, professor de Economia na Universidade de Dartmouth, nos Estados Unidos.

Irwin e outros especialistas observam que essa tendência tem ocorrido lado a lado com a ascensão do populismo e de medidas econômicas protecionistas. Há, no entanto, outros fatores importantes que têm freado a globalização.

Então veio a pandemia

Em termos econômicos, a crise do coronavírus tem contribuído para interrupções nas cadeias de abastecimento. Não há como esquecer a consequente escassez, o aumento de preços e também o armazenamento de produtos – aquele momento em que você se deparou com o último rolo de papel higiênico.

Tais interrupções estimularam uma mudança fundamental na concepção dessas cadeias de abastecimento, explica Megan Greene, economista e membro sênior da Harvard Kennedy School, nos Estados Unidos.

"A pandemia mudou uma tendência de produção 'just-in-time' (em que a produção, o transporte e a compra são feitos de maneira regrada e pontual) para a manutenção de estoques", diz Greene. Ela descreve esse novo sistema de contingência como "cadeia de abastecimento global com planos de apoio", de modo que as empresas não são abandonadas quando há rupturas na cadeia global de abastecimento.

Dentro desse modelo com planos de apoio, Jungbluth acrescenta que países e empresas têm considerado reduzir as cadeias de abastecimento: "Talvez 'trazer de volta para casa', com insumos e tecnologias-chave mais próximos de seus locais de produção", algo que resulta em mais flexibilidade do lado de quem oferta. Essencialmente, isso caracteriza um afastamento da globalização, com foco na eficiência e no custo-benefício.

Críticos da globalização alertam sobre impactos ecológicos, direitos trabalhistas e o crescente abismo entre ricos e pobres.Foto: Luca Bruno/AP/picture alliance

Agora a guerra na Ucrânia

Os impactos da invasão russa à Ucrânia têm sido perceptíveis aos consumidores muito devido às sanções impostas à Rússia, sobretudo nos setores de energia e de produtos agrícolas.

"Há ausência de importação de energia, que é necessária, uma vez que a Europa precisa de energia fóssil da Rússia. E o mundo inteiro precisa de produtos agrícolas da Rússia e da Ucrânia", afirma Thiess Petersen, economista e colega de Jungbluth na Bertelsmann Stiftung.

A Rússia e a Ucrânia são exportadores globais muito significativos de trigo e óleo de girassol, por exemplo.

Irwin corrobora a tese de que a interrupção das exportações devido à guerra e às sanções impostas à Rússia têm levado a aumentos de preços.

"Temos visto os preços das commodities subirem bastante como resultado da guerra, a exemplo de produtos como trigo e petróleo (pelo menos inicialmente)", diz Irwin.

A consequência disso é o aumento de preços para o consumidor final, o que, por sua vez, estimula a inflação.

Por outro lado, as sanções contra a Rússia estão isolando o país – que tem uma economia significativa – do resto do mundo.

Economistas enxergam esse cenário não apenas como a desintegração de mercados interconectados, mas sim o desenrolar de um progresso que a globalização trouxe consigo.

A escassez e os altos preços de alimentos básicos serão observados não apenas em países de alta renda, mas também em nações em desenvolvimento e emergentes. Para países altamente dependentes de importações de farinha e petróleo baratos, isso "pode até levar à fome", acrescenta Jungbluth.

Russos fazem fila para entrar no McDonald's, em 1990. Agora, devido à invasão à Ucrânia, rede fechou centenas de lojas no país.Foto: AP/picture alliance

O fim da era globalizada?

A crise de 2008, o protecionismo tarifário subsequente, a reestruturação da cadeia de abastecimento devido à pandemia, a desintegração de mercados interconectados por causa da guerra na Ucrânia, conclui Petersen, talvez estejam nos levando "ao início de uma espécie de desglobalização".

Neste contexto, Greene pondera que não há um índice para medir a globalização. E contesta a narrativa atual, promovida a partir do início da pandemia, com relação a fatores como onshoring (recolocação de negócios dentro das próprias fronteiras), nearshoring (recolocação de negócios em países próximos) e regionalização da cadeia de abastecimento. Essa narrativa, segundo Greene, não é sustentada por muitos indicadores de globalização, a exemplo de pesquisas de dados.

"Na mais recente pesquisa realizada pela Câmara de Comércio de Xangai, nenhuma empresa americana afirmou que voltaria para operações onshore, ou seja, sair da China e voltar para os Estados Unidos", aponta Greene.

Por outro lado, a economista destaca que apesar de investimentos de longo prazo terem continuado de maneira acelerada na China, investimentos de curto prazo ficaram mais evidentes a partir da invasão russa na Ucrânia, o que também indica um ponto de virada.

"O auge da globalização ficou para trás. Eu diria que estamos vendo a globalização progredir muito mais lentamente do que antes, mas ainda não estamos no território da desglobalização", afirma Greene.

Porto de Ningbo-Zhoushan: globalização transformou a China em potência, e empresas nem pensam em deixar o país.Foto: Weng Xinyang/Xinhua/picture alliance

Admiráveis novos blocos

As sanções do Ocidente contra a Rússia e a fuga de capitais da China indicam uma tendência global, segundo Jungbluth: "Nos últimos anos, os países têm tentado reduzir as chamadas 'dependências críticas', o que também pode levar à desglobalização".

Já Irwin traça paralelos com a era da Guerra Fria, quando "certos países que estavam politicamente alinhados também se tornaram mais alinhados economicamente, e não tão integrados com outros".

Jungbluth, Petersen e outros economistas acreditam que o mundo caminha, atualmente, para dois blocos econômicos geopolíticos distintos: um deles seria formado por países democráticos, de economia de mercado (União Européia, Japão, Coréia do Sul, Oceania, Américas do Norte e do Sul), e outro por estados autocráticos (China, Rússia e seus parceiros comerciais mais importantes).

"O que temos visto é um retorno à geopolítica, e essas tendências também levam à desglobalização, por meio da tentativa de diminuir as dependências econômicas de países que têm conceitos distintos", diz Jungbluth.

Estamos, portanto, no limiar de uma nova era?

Conforme o historiador Andreas Wirsching, essa é uma discussão popular.

"Você quase pode pensar nesses dois momentos juntos: a pandemia de 2020, e agora essa guerra em 2022. Tem-se a sensação, a impressão, como habitantes aqui e agora, que algo está fundamentalmente mudando. Mas como os vários fatores podem ser encarados juntos, isso só se tornará aparente no futuro".

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