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O mundo como cinema-catástrofe

22 de janeiro de 2020

Destruição do meio ambiente e surgimento de decisores políticos como Donald Trump e Jair Bolsonaro fazem pensar que vivemos num momento pré-apocalíptico. Em algum momento, será tarde demais, escreve Philipp Lichterbeck.

Amazônia em chamas
"Que soluções o governo brasileiro oferece para retardar a destruição da Amazônia? Nenhuma!", diz Philipp LichterbeckFoto: REUTERS

Às vezes acho que estamos num filme-catástrofe. É uma película típica de Hollywood, e estamos vivenciando o momento em que os cientistas advertem vigorosamente que algo terrível é iminente.

Mas os políticos responsáveis não querem saber nada sobre isso. Eles temem por seu poder. Eles dizem que os cientistas estão espalhando pânico e que tudo está sob controle. São os políticos errados, no lugar errado e na hora errada. Seus horizontes são pequenos, e o que os cientistas dizem vai além disso, além de contradizer seus interesses políticos. Então, eles desacreditam os cientistas, afirmam que eles estão mentindo e os privam de cargos de responsabilidade.

Em algum momento, será tarde demais: a catástrofe vai se tornar realidade. Os sinais de alerta eram evidentes, mas os líderes não reagiram – em vez disso, aceleraram a catástrofe.

Estou convencido de que chegamos a um momento pré-catastrófico. Há dois fatores fatais combinados: a destruição drástica e cada vez mais rápida do meio ambiente, e políticos, como Donald Trump e Jair Bolsonaro, que fazem tudo para acelerar o desastre ambiental.

São agentes da catástrofe. Seus motivos são vaidade, fúria destrutiva e o prazer perverso diante do infortúnio de terceiros. Ao mesmo tempo, são agentes de uma ideologia de crescimento que há muito se tornou anacrônica, concentrando-se na exploração de recursos, mas não na sustentabilidade.

Como seu ídolo Trump, Bolsonaro nega o câmbio climático e ataca brutalmente a legislação ambiental. O desmantelamento das autoridades brasileiras de proteção do meio ambiente é dramático. Quase se tem a impressão de que o governo Bolsonaro está numa campanha de vingança contra o meio ambiente brasileiro. Parece achar que árvores, araras e onças são comunistas. Encaixaria muito bem em sua visão paranoica e maniqueísta do mundo. Para o planeta, isso pode não ser realmente importante. Ele sobreviverá também a Jair Bolsonaro por milhões de anos. Mas nós humanos devemos estar interessados.

A seguir, alguns dados sobre a situação do nosso planeta:

Segundo a Nasa, 2019 foi o segundo ano mais quente desde que os dados meteorológicos começaram a ser registrados. Somente 2016 foi mais quente. A década de 2010 a 2020 registrou as temperaturas mais elevadas de todos os tempos. Os cientistas não têm dúvida de que as emissões de gases de efeito estufa estão impulsionando as mudanças climáticas.

Desde 1970, o Ártico se aqueceu a um ritmo mais de três vezes mais rápido que o resto do mundo. A costa do Alasca ficou sem gelo pela primeira vez no ano passado. As temperaturas atingiram um recorde de 32 graus Celsius. O pesquisador do Ártico Jeremy Mathis disse: "Não tenho adjetivos para descrever a extensão da mudança que estamos vivenciando."

No Hemisfério Norte, as florestas queimaram com mais frequência e virulência em 2019 do que nos últimos 10 mil anos, segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM). Cerca de 9 milhões de hectares de floresta foram queimados somente na Sibéria – uma área equivalente à de Portugal.

Um recente relatório do Fórum Econômico Mundial pressupõe que a economia mundial entrará em colapso se as emissões globais de CO2 não forem nulas em 2050. A razão está nos danos extremos causados pelas mudanças climáticas.

Desde 1980, na Europa, cerca de 300 milhões de aves desapareceram de campos e plantações; na América do Norte, esse número chega a 3 bilhões. A agricultura industrial é a principal responsável, porque destrói os habitats dos animais e causa a morte dramática dos insetos.

No Brasil, no primeiro ano do governo Bolsonaro, foi aprovado um número recorde de novos pesticidas. As empresas estrangeiras são as mais beneficiadas com a liberação desses produtos. Dos agrotóxicos liberados, 20% são considerados extremamente tóxicos – entre eles o dinotefuran, que nunca foi aprovado na União Europeia. O agrotóxico faz parte da classe dos neonicotinoides, fatais para abelhas e polinizadores.

Segundo a Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), cerca de um milhão de um total de 8 milhões de espécies animais e vegetais estão ameaçadas de extinção; em breve, muitos podem ter desaparecido. Especialistas falam de uma extinção de espécies que não se vê desde o desaparecimento dos dinossauros.

O Caribe está passando por uma praga sem precedentes de sargaços. As algas poluem as "praias idílicas" que precisam ser limpas todos os dias para os turistas. Devido ao aumento da temperatura marinha, as algas se reproduzem explosivamente. Os cientistas também suspeitam que o crescente uso de fertilizantes, que são jogados no oceano através do Amazonas, está contribuindo para esse fenômeno.

Rios e mares estão extremamente contaminados com plástico. Só as vendas mundiais de garrafas plásticas deverão atingir a cifra de meio trilhão em 2021. Entre 5 milhões e 13 milhões de toneladas de lixo plástico são jogadas no mar todos os anos. A Fundação Ellen MacArthur calculou que em 2050 o peso do plástico nos oceanos excederá o peso dos peixes.

A Floresta Amazônica está desaparecendo novamente a uma velocidade recorde. A maior floresta tropical do mundo é insubstituível para o balanço hídrico da América do Sul e para o clima global. Entre agosto de 2018 e julho de 2019, o desmatamento na Amazônia cresceu quase 30%, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). É a maior área destruída desde 2008. Em todo o mundo, especialistas estimam que a cada minuto 30 campos de futebol de floresta tropical são destruídos.

A destruição da Floresta Amazônica é o único dos temas acima mencionados que está sendo discutido no Brasil. Todo o resto não importa.

Que soluções o governo brasileiro oferece para pelo menos retardar a destruição da Floresta Amazônica? Nenhuma!

O presidente Jair Bolsonaro diz: "A porra das árvores." Ele quer liberar a floresta e as Terras Indígenas para exploração predatória. Seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, por sua vez, chamou os lenhadores que cortam ilegalmente árvores em terra indígena de "pessoas de bem que trabalham neste país".

Parece que Bolsonaro e Salles têm prazer na destruição. Exemplar é o cínico post de Salles no Twitter com a foto de um prato de carne grelhada. Seu comentário: "Para compensar nossas emissões na COP25, um almoço veggie!"

Fato é que a indústria de carne representa cerca de 15% da contribuição para as mudanças climáticas. A produção de um quilo de carne requer entre 5 mil e 20 mil litros de água, conforme calculado pelo Instituto de Engenheiros Mecânicos (IME), do Reino Unido.

Mas o ministro do Meio Ambiente acha que é mais importante fazer piada de mau gosto. Faz parte da tragédia de nosso tempo que, num momento crítico, homens como ele e Jair Bolsonaro estejam no poder.

Em seu livro Collapse. How Societies Choose to Fail or Survive (Colapso. Por que algumas sociedades perduram e outras desaparecem, em tradução livre), o antropólogo Jared Diamond descreve cinco razões principais que historicamente levaram ao fim das civilizações: destruição ambiental, mudanças climáticas, guerras, alianças fracas e respostas erradas às crises existenciais. Uma crise pode ser tratada de forma sensata. Também pode ser ignorada ou reforçada por decisões irracionais? A resposta é clara no caso do Brasil.

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Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, ele colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais na Alemanha, Suíça e Austria. Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.

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