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O mundo de Banksy na visão de uma câmera

Rachel Stewart
27 de março de 2018

Projeto fotográfico ilumina obra do artista de rua mais misterioso do mundo. Com exposição na Alemanha, fotógrafo britânico Barry Cawston fala à DW sobre a tênue linha entre arte e realidade na obra de Banksy.

Não é exatamente Disney: um dia no chamado "parque de diversões" de Banksy
Não é exatamente Disney: um dia no chamado "parque de diversões" de BanksyFoto: Barry Cawston

"Quanto mais perto eu chego, mais misterioso ele fica", diz o fotógrafo Barry Cawston. Ele se refere a Banksy, o artista de rua britânico cuja identidade é um dos segredos mais bem guardados do mundo da arte.

"E o mistério é importante," continua Cawston, "porque ele precisa de espaço de manobra para fazer o que faz. Eu só não consigo acreditar nos resultados que ele obtém. É incrível."

Protesto pela prisão da artista Zehra Dogan: como pintar um mural de 21m em Nova York sem ser visto?Foto: Reuters/A. Espinal

Desde que as pinturas estêncil de Banksy começaram a aparecer nos arredores de Bristol, na década de 1990, as pessoas têm ficado fascinadas pelo artista underground.

Desde que as pinturas em estêncil de Banksy começaram a aparecer nos arredores de Bristol na década de 1990, o artista underground tem fascinado muita gente. Quem é essa pessoa, e como suas pinturas aparecem da noite para o dia em locais públicos, de Londres à Cisjordânia, sem que ninguém veja o trabalho em andamento?

Mais do que grafite

Bem recentemente, em meados de março, nova-iorquinos se depararam com três novas obras do esquivo grafiteiro, incluindo um mural de 21 metros em protesto contra a prisão da artista curda Zehra Dogan, na Turquia.

Após conhecer o trabalho de Banksy, quando vivia no leste de Londres, Cawston passou a apreciar a arte de grafite "com uma mensagem". "Ele progrediu para além do tagging  [assinar o pseudônimo com spray ou marcador] e do divertido ou bonito", explica o fotógrafo de 51 anos. "Banksy é alguém que parece combinar diversos elementos, e eu não posso deixar de ter um tremendo respeito por isso."

Por isso, quando Banksy inaugurou sua ambiciosa instalação Dismaland em 2015, a pouca distância da casa de Cawston em Somerset, o fotógrafo pegou a câmera e foi em direção a Weston-super-Mare.

Uma visão distorcida da sereiazinha Ariel na "Dismaland" de BanksyFoto: Barry Cawston

Dismaland ("Desolândia", em tradução livre; um jogo de palavras com "Disneyland") era um parque de diversões que deu errado. A carruagem da Cinderela havia sofrido um acidente, e um bando de paparazzi  mal-intencionados se precipitava para fotografar o corpo inerte dela. Ariel, a sereiazinha, parecia estar sofrendo uma interferência de imagem. Os visitantes eram convidados a navegar barcos repletos de refugiados, passando pelos penhascos brancos de Dover.

Desoladamente britânico

O projeto, que atraiu milhares de visitantes todos os dias, durante cinco semanas, pintou um retrato nitidamente desfavorável da sociedade moderna.

"Estamos falando de humor negro", diz Cawston. "Senti que o que Banksy fez foi pegar a Grã-Bretanha e olhar para ela como se através de um globo de neve – sacudindo-a até obter uma versão radical, distópica."

E a localização não foi mera coincidência: Weston-super-Mare, ou apenas "Weston" para seus moradores, era uma cidade litorânea britânica precisando urgentemente de regeneração. O dilapidado parque temático refletia a sensação de abandono ao longo da orla marítima de Weston. Foi essa conexão entre arte e realidade que Cawston capturou em suas fotografias.

Vida real: Rainha Elizabeth olha através da vitrine de uma loja de WestonFoto: Barry Cawston

"Tentei justapor fotos de Dismaland com fotos de Weston-super-Mare. Teve um momento doido em que havia uma loja de Natal mais abaixo, e, do lado de fora, um Papai Noel inflável de seis metros tinha se esvaziado e jazia de bruços no meio da rua. Isso é tão Weston."

Então as fotos seriam essencialmente uma piada à custa dos locais? "Acho que muita gente de Weston entendeu a comédia e a dinâmica de que Dismaland tratava", especula Cawston. "As pessoas gostam de ser fotografadas e incluídas na conversa."

Além disso, parece que receber o "tratamento Banksy" alterou Weston para melhor. "Nos últimos dois anos, ela tem mudado muito rápido", explica Cawston. "Muitas das lojas decadentes já não estão mais decadentes. Eles gastaram algum dinheiro ao longo da orla e construíram uma faculdade. Então, algum investimento chegou a este lugar, por tanto tempo deixado abandonado e só."

 

Desolação na vida real e em grafite: fotografia de Barry Cawston na exposição "Banksy's Dismaland & others"Foto: Barry Cawston

Banksy em Belém

A Cisjordânia foi o local do próximo grande projeto de Banksy. O "Walled Off Hotel" (algo como "Hotel Murado", trocadilho com a luxuosa rede Waldorf) abriu suas portas em Belém em março de 2017.

Apresentado como o hotel com "a pior vista do mundo", ele ficava bem ao lado do muro de concreto que separa os territórios palestinos e israelenses. As imagens espalhadas pelo edifício incluíam querubins com máscaras de gás, um busto cercado de gás lacrimogêneo e uma briga de travesseiros entre um jovem palestino e um soldado israelense.

"Alguns podem dizer que [o projeto] trata [a situação] de um modo mais superficial", diz Cawston. "Mas acho que o que ele está fazendo é trazer as pessoas para um diálogo do qual fomos excluídos. "Para mim, ele parece estar pedindo aos outros que venham e superponham a mensagem deles."

E foi exatamente isso que Cawston fez: ao contrastar as imagens do próprio hotel com imagens não-posadas da gente e lugares nas imediações, o fotógrafo procurou, mais uma vez, traçar um paralelo direto entre a arte e sua locação.

Arte clássica e gás lacrimogêneo: Banksy mirou a política da Cisjordânia em seu "Walled Off Hotel"Foto: Barry Cawston

Sinal de aprovação

Mas o que o próprio Banksy acha disso? Cawston explica que ele estava ciente da importância de não "ultrapassar os limites" com suas fotografias, e que sabia da necessidade de um "sinal casual" de aprovação do artista de rua.

A aprovação veio na véspera de Natal de 2017: sem aviso prévio, Banksy publicou em seu site oficial 36 fotos do livro de Cawston Are we there yet?  (Já chegamos lá?), destacando-se cenas de Dismaland e imagens complementares dos arredores de Weston-super-Mare. "Eu descobri, porque de repente as vendas do livro dispararam!", comenta Cawston.

Então a pergunta que não quer calar é: teria Cawston conversado com ou até conhecido o próprio Banksy? "Não, não conheci. Então...", responde, e aí sua voz vai sumindo, até ele finalmente aterrissar num sonoro "não": "Eles não têm interesse em que eu o conheça – e eu também não estou certo se tenho interesse em conhecê-lo."

"Balloon Girl", de Banksy, apareceu em Londres em 2002Foto: picture-alliance/dpa/Bonhams

Quem são "eles"? "Hmm... Não sei. Eu realmente não sei!", responde o fotógrafo. Hesitantemente, explica que todos os contatos foram feitos através de contatos mútuos, antes de acrescentar: "Infelizmente, não posso dizer mais nada."

Agora a série Are we there yet?, de Cawston, chega à Alemanha para uma exposição intitulada Banksy's Dismaland & others, que fica de 25 de março a 4 de novembro na Fábrica Siderúrgica de Völklingen. Segundo Cawston, o local no estado do Sarre, perto da fronteira franco-alemã, fornecerá um cenário não convencional.

"Gosto que não seja uma galeria de paredes brancas. Não tem nada de sufocante. Agrega um outro nível a algumas das ideias. Adoro o radicalismo de Banksy, e se eu conseguir transportar um pouco disso para esse trabalho, ótimo", comenta. "Talvez também seja uma pequena porta de entrada para mais gente ver o trabalho de Banksy. Acho que ele merece todo o reconhecimento que puder ter."

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