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O "Nó" de Deborah Colker

Soraia Vilela4 de maio de 2005

Em entrevista à DW-WORLD, Deborah Colker fala de seu espetáculo que estréia na Alemanha, discorre sobre a construção de seu imaginário coreográfico e mantém-se discreta em relação ao projeto agendado para a Copa de 2006.

Coreografia em Wolfsburg: cordas que aprisionam e libertamFoto: Autostadt Wolfsburg

O espetáculo , da Companhia de Dança Deborah Colker, tem sua estréia mundial nesta quinta-feira (5/5), em Wolfsburg. Este "nó", conta a coreógrafa, refere-se às amarras do desejo, que prendem e libertam.

Com 16 bailarinos, incluindo a própria Deborah, o espetáculo promete ser "ao mesmo tempo violento e delicado, brusco e sensível, chocante e amoroso, onde a dramaturgia se torna evidente". Os figurinos são do estilista Alexandre Herchcovitch, que foi há pouco, ao lado de Deborah, foco do documentário És Tu Brasil, de Murilo Salles, um portrait do trabalho de quatro artistas brasileiros fora do país.

Parceria – tem sua estréia dentro do Festival Internacional de Dança Movimentos, que acontece durante 31 dias em Wolfsburg, a terra da Volkswagen. A produção é fruto de uma parceria entre a Companhia de Dança Deborah Colker e a cidade, tendo sido criada ao longo dos dois últimos anos.

Depois dos vasos que a coreógrafa espalhou pelo palco em 4 por 4, seu último espetáculo visto na Alemanha, traz um emaranhado de 120 cordas, manipuladas através de uma técnica que permite o controle da dor, do movimento e do prazer. O título remete às amarras do desejo, que ao mesmo tempo libertam e prendem.

Equipe binacional – Em relação ao espetáculo que a imprensa alemã divulga sob o título Maracanã, Deborah prefere se calar. "Ainda é cedo para falar deste projeto, que inclusive não terá este nome", diz. As informações oficiais da organização da Copa do Mundo de 2006 são as de que o espetáculo, reunindo 11 bailarinos alemães e 11 brasileiros, deverá ser um dos pilares da programação cultural do campeonato mundial de futebol. É esperar para ver.

Leia aqui a íntegra da entrevista com Deborah Colker:

Deborah ColkerFoto: Autostadt Wolfsburg

No próximo dia 5, você estréia “Nó”, em Wolfsburg, na Alemanha. Em janeiro de 2006, um espetáculo com referências ao futebol, à Copa do Mundo, em Hamburgo. Seu trabalho conta com uma excelente recepção na Alemanha. Qual é sua ligação com o país?

Já tive a oportunidade de apresentar meus trabalhos em várias cidades da Alemanha. Em algumas, como Hamburgo, levei todo o meu repertório. Também fui chamada para montar meu espetáculo Casa para a Komische Oper em Berlim e fiquei quatro meses indo e vindo. Viajo para a Alemanha com os meus trabalhos desde 1996. Gosto muito dessa troca, acho que é rica para ambos. A Alemanha é um país que tem uma história antiga e uma nova também, me identifico com isso.

A imprensa alemã, quando fala de seus espetáculos, costuma acentuar o domínio sobre o “vocabulário das acrobacias” e associar isso ao “espírito brasileiro”. No Brasil, credita-se a seu trabalho referências européias. O que você diz disso?

Não me lembro de nenhum comentário a respeito de referência européia no meu trabalho. As misturas na minha linguagem são sempre bem-vindas. Esta questão da movimentação acrobática acredito que está mais dentro da própria linguagem contemporânea. A movimentação contemporânea busca novos eixos para a dança, novos vocabulários, novos limites para o desafio do corpo e, principalmente, novas experimentações entre corpo e movimento.

Às vezes creditar esta pesquisa de movimento como vocabulário acrobático pode ser por resultar uma dinâmica vigorosa, explosiva e aparentemente não tendo um repertório ligado à dança, mas isso é só nomenclatura. Dança é se expressar através do movimento e se comunicar com o público com emoção, inteligência, simplicidade e síntese.

'Nó', coreografia de Deborah ColkerFoto: Autostadt Wolfsburg

O material de divulgação sobre "Maracanã”, consta que o conceito “futebol” vai ser interpretado de uma forma completamente nova. Em que se sentido vai se dar essa nova interpretação?

Ainda é cedo para falar deste projeto, que inclusive nem terá este nome.


Em relação a “Nó”, uma co-produção da Companhia Deborah Colker com a cidade de Wolfsburg: quais paralelos você traça entre a dança contemporânea e a mobilidade proporcionada pelo automóvel? “Nó” partiu desta associação? O espetáculo pode ser visto como uma releitura, pela linguagem da dança, da velocidade do mundo proporcionada pelo automóvel?

Não. é um espetáculo inspirado no desejo. Bailarinos amarrados com cordas, corpos que se aprisionam e se libertam, movimentos inspirados em um cavalo, dançarinos entrelaçados, uma mulher presa pelos cabelos. No primeiro ato, os bailarinos se movimentam em meio a um emaranhado de 120 cordas. Cordas que dão nós e que simbolizam os laços afetivos que nos amarram. Cordas que servem para aprisionar, para puxar, para ligar, para libertar.

Numa companhia marcada pela disciplina, foram necessários meses de treinamento exaustivo para lidar com o acaso das cordas. Também foi preciso dominar novas técnicas, como a de bondage (técnica com cordas para controle da dor, do movimento e do prazer) e também o conhecimento de todos os tipos de nós, aprendidos com um marinheiro, para contribuir na construção coreográfica.

Mas a sofisticação técnica foi banhada por conceitos filosóficos. Para dar conta da complexidade do tema, a companhia modificou o seu sistema de trabalho e, paralelamente aos trabalhos físicos, introduziu aulas de filosofia com o professor Fernando Muniz, que continuará fazendo parte da equipe.

No segundo ato, saem as cordas e o palco é ocupado por uma caixa transparente de 3,1 x 2,5 metros, uma criação do cenógrafo Gringo Cardia. A inspiração veio de uma viagem a Amsterdã, onde visitei o Red Light District (Bairro da Luz Vermelha), em que garotas de programa se expõem em vitrines nas fachadas das casas. Neste aquário gigante, feito de alumínio e policarbonato – material usado na blindagem de carros – os bailarinos se enlaçam, se atraem e se opõem, se atam e se desatam.

É uma metáfora do desejo, daquilo que se quer, mas não se pode pegar, daquilo que se vê, mas não se pode ter, daquilo que se ambiciona, mas não se pode realizar. Ao fundo, a voz de Elizeth Cardoso em Preciso aprender a ser só ilustra a solidão daquelas mulheres e de seus "clientes".

Ao falar de “Nó”, na Alemanha, afirma-se que os pilares da “estética Deborah Colker” seriam “a musicalidade e a vitalidade latino-americanas, as cores e as estruturas da Bauhaus e trabalhos de artistas plásticos contemporâneos brasileiros”. Musicalidade brasileira e estruturas simétricas da Bauhaus são congruentes?

Uma parte da musicalidade brasileira e as estruturas simétricas da Bauhaus acredito que são congruentes. Acredito que esta afirmação se dá pela compreensão de todos os espetáculos da Companhia.

Por exemplo: Mix traz questões novas da relação espaço/ movimento como a questão da gravidade e da verticalidade; Rota traz musicalidade, a idéia de brincar com a seriedade e também através da roda, novas propostas entre espaço e movimento; em Casa eu trouxe a questão da arquitetura para a dança; em 4 por 4 as artes plásticas.

Acho que esta afirmação é um pouco misturando todas essas idéias em que o centro dela é conectar o mundo contemporâneo com a dança contemporânea. No meu processo criativo, as idéias, o espaço e também a música (como já é para muitos coreógrafos) são determinantes na construção do meu imaginário coreográfico.

No semanário alemão “Die Zeit”, uma jornalista afirmou que você pode ser considerada “a coreógrafa mais interessante do presente, contanto que se entenda a dança não como uma forma acentuada das artes cênicas, mas sim como uma manifestação que mais se assemelha ao esporte ou à música”. O que você acha desta observação?

Acho meio sem sentido ficar querendo determinar o que é dança ou não, o que é arte ou não, se um trabalho é atlético ou, como você mencionou, acrobático. Já houve um momento em que se perguntava se o trabalho da Pina Bausch era dança ou teatro ou se um quadro de Pollock é apenas um borrão ou é arte, ou ainda se o trabalho do Damien Hirsch tem um valor estético.

Para mim, esta demarcação do meu trabalho – se é dança ou não, acho que não contribui muito nem para mim nem para o espectador. O meu trabalho precisa ser instigante, surpreendente, inteligente, sensível, dinâmico, criativo e de preferência trazer novos pensamentos e novas questões para o mundo. Acredito que cada vez mais as artes estão se misturando, se integrando e o que importa é se ela é capaz de comunicar se esta arte é boa.

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