Vêneto e Lombardia realizaram referendos para pedir mais autonomia. Mas iniciativas guardam diferenças fundamentais em relação ao caso da região espanhola.
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A iniciativa separatista na região espanhola da Catalunha parece ter iniciado uma espécie de efeito dominó. Vêneto e Lombardia, no norte da Itália, também passaram a pedir mais autonomia. O rico norte do país se sente explorado pelo governo central de Roma e perguntou aos seus cidadãos se eles querem mais independência financeira. Nas duas regiões, mais de 90% do eleitorado votou "sim". Será o norte da Itália uma segunda Catalunha?
É uma situação diferente. Ao contrário dos catalães, os italianos do norte não querem proclamar Estados independentes. "Trata-se apenas de direitos adicionais de autonomia", diz o cientista político Jan Labitzke, especialista em Itália da Universidade de Giessen, na Alemanha.
Já na Catalunha, o líder regional Carles Puigdemont insiste nos seus planos de uma declaração unilateral de independência e bate de frente com o chefe do governo espanhol, Mariano Rajoy, que quer acabar com a iniciativa separatista. Muitos catalães apoiam Puigdemont, mas também há muitos que se opõem. A situação na Espanha é, portanto, muito mais tensa do que na Itália.
Além disso, as duas consultas realizadas no norte da Itália atenderam às regras constitucionais. "Esses dois referendos foram legítimos, enquanto o da Catalunha não foi", disse o presidente do Parlamento Europeu, o italiano Antonio Tajani, ao jornal Il Messaggero. Desde 2001, a Constituição italiana permite que as regiões do país solicitem direitos adicionais de autonomia.
A justificativa "Padânia"
Isso vale para as áreas de educação, pesquisa e saúde. Mas os líderes do Vêneto e da Lombardia, Luca Zaia e Roberto Maroni, provavelmente também gostariam de se ocupar eles mesmos de questões como segurança interna e leis de imigração. Afinal, é o que sugere o programa do seu partido, a direitista Liga Norte. "Mas essas são responsabilidades que explicitamente não podem ser transferidas para as regiões, sendo regulamentadas de maneira centralizada por Roma", diz Labitzke.
Se a Catalunha tem uma longa história cultural e linguística própria, a diferença entre o norte da Itália e as demais regiões do país é uma construção da Liga Norte, afirma Labitzke. A região é considerada o berço do partido, que chegou a defender a separação do norte do sul do país e hoje quer mais autonomia. "A busca por mais autonomia é justificada com o argumento de que o povo da 'Padânia' seria descendente dos celtas e não dos antigos romanos", diz Labitzke.
Essa história da identidade cultural própria serve para legitimar o anseio por mais autonomia e, com ele, o chamado "federalismo orçamentário", que a Liga Norte tem propagandeado de maneira vigorosa nas últimas semanas. Juntas, as regiões do Vêneto e da Lombardia são responsáveis por um terço do poder econômico da Itália. Ambas acham que o Estado lhes toma dinheiro em demasia.
Zaia e Maroni gostariam de manter localmente 90% dos impostos recolhidos nessas regiões em vez de mandá-los para Roma. Eles argumentam que a região de Trentino-Alto Ádige, também no norte, tem esse direito. No entanto, essa é uma concessão especial que não pode ser aplicada a outras regiões sem alteração da Constituição, explica Labitzke.
Referendo desnecessário
Nem no caso da Catalunha nem no do norte da Itália eram necessários referendos para negociar mais autonomia. O Vêneto e a Lombardia poderiam ter procurado mais direitos sem fanfarra pública. É justamente o que a região da Emília-Romanha faz no momento, ao negociar com Roma. No entanto, aí ninguém percebe. Por isso analistas como Labitzke dizem que a Liga Norte quis usar os referendos como palanque eleitoral, de olho nas eleições parlamentares que vão ocorrer no ano que vem.
O tema autonomia, porém, não é de forma alguma uma exclusividade da direita. Na Catalunha, o governo é formado ou apoiado por nacionalistas de direita e de esquerda. E também nas regiões italianas há um grande consenso sobre o tema, que abrange todo o espectro político, diz Labitzke. A lei que dá essa opção às regiões italianas foi promulgada em 2001 pelo então governo de centro-esquerda.
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Breve história da Catalunha
Desejo de independência da Espanha é acalentado pelos catalães há muito tempo. Ao longo dos séculos, região experimentou vários graus de autonomia e repressão.
Foto: picture-alliance/dpa/AP/F. Seco
Antiguidade rica
A Catalunha foi habitada por fenícios, etruscos e gregos, que estiveram nas áreas costeiras de Rosas e Ampúrias (acima). Depois vieram os romanos, que construíram mais assentamentos e infraestrutura. A Catalunha foi uma parte do Império Romano até ser conquistada pelos visigodos, no século 5.
Foto: Caos30
Condados e independência
A Catalunha foi conquistada pelos árabes no ano 711. O rei franco Carlos Magno interrompeu o avanço deles em Tours, no rio Loire, e em 759 o norte da Catalunha se tornou novamente cristão. Em 1137, os condados que compunham a Catalunha iniciaram uma aliança com a Coroa de Aragão.
Foto: picture-alliance/Prisma Archiv
Guerra e perda de território
No século 13, as instituições de autoadministração catalã foram criadas sob o nome Generalitat de Catalunya. Depois da unificação da Coroa de Aragão com a de Castela, em 1476, Aragão pôde manter suas instituições autônomas. No entanto, a revolta catalã – de 1640 a 1659 – fez com que partes da Catalunha fossem cedidas à atual França.
Foto: picture-alliance/Prisma Archivo
Lembrando a derrota
No final da Guerra da Sucessão, Barcelona foi tomada, em 11 de setembro de 1714, pelo rei espanhol Felipe 5°, as instâncias catalãs foram dissolvidas e a autoadministração chegou ao fim. Todos os anos, em 11 de setembro, os catalães fazem uma grande comemoração para lembrar o fim do seu direito à autonomia.
Foto: Getty Images/AFP/L. Gene
República passageira
Após a abdicação do rei Amadeo 1°, da Espanha, a primeira república espanhola foi declarada em fevereiro de 1873. Ela durou apenas um ano. Os partidários da república estavam divididos, com um grupo apoiando uma república centralizada e outros, um sistema federal. A foto mostra Francisco Pi y Maragall, um partidário do federalismo e um dos cinco presidentes da república de curta duração.
Foto: picture-alliance/Prisma Archivo
Tentativa fracassada
A Catalunha tentou estabelecer um novo Estado dentro da república espanhola, mas isso apenas exacerbou as diferenças entre os republicanos e os enfraqueceu. Em 1874, a monarquia e a Casa de Bourbon, liderada pelo rei Afonso 12 (foto), retomaram o poder.
Foto: picture-alliance/Quagga Illustrations
Direitos de autonomia
Entre 1923 e 1930, o general Primo de Rivera liderou uma ditadura – com o apoio da monarquia, do Exército e da Igreja. A Catalunha se tornou um centro de oposição e resistência. Após o fim do regime, o político Francesc Macia (foto) conseguiu impor direitos importantes de autonomia para a Catalunha.
Fim da liberdade
Na Segunda República Espanhola, os legisladores catalães trabalharam no Estatuto de Autonomia da Catalunha, aprovado pelo Parlamento espanhol em 1932. Francesc Macia foi eleito presidente da Generalitat de Catalunha pelo Parlamento catalão. No entanto, a vitória de Franco no fim da Guerra Civil Espanhola (1936 a 1939) acabou com tudo isso.
Foto: picture-alliance/AP Photo
Opressão
O ditador Francisco Franco governou com mão de ferro. Partidos políticos foram proibidos, e a língua e a cultura catalãs, reprimidas.
Foto: picture alliance/AP Photo
Novo estatuto de autonomia
Após as primeiras eleições parlamentares que se seguiram ao fim da ditadura de Franco, a Generalitat da Catalunha foi provisoriamente restaurada. Sob a Constituição democrática espanhola de 1978, a Catalunha recebeu um novo estatuto de autonomia, apenas um ano depois.
O novo estatuto de autonomia reconheceu a autonomia da Catalunha e a importância da língua catalã. Em comparação com o estatuto de 1932, ele apresentou avanços nos campos da cultura e educação, mas restrições no âmbito da Justiça. A foto é de Jordi Pujol, que foi por longo tempo chefe de governo da Catalunha depois da ditadura.
Foto: Jose Gayarre
Anseio por independência
O desejo por independência da Espanha se tornou mais forte nos últimos anos. Em 2006, a Catalunha recebeu um novo estatuto, que ampliou ainda mais os poderes do governo catalão. No entanto, eles são perdidos após uma queixa levada pelo conservador Partido Popular ao Tribunal Constitucional espanhol.
Foto: Reuters/A.Gea
Primeiro referendo
Um referendo sobre a independência estava previsto para 9 de novembro de 2014. A primeira questão era "você quer que a Catalunha se torne um Estado?" No caso de uma resposta afirmativa, a segunda pergunta era "você quer que esse Estado seja independente?" No entanto, o Tribunal Constitucional suspendeu a votação.
Foto: Reuters/G. Nacarino
Luta de titãs
Desde janeiro de 2016, Carles Puigdemont é o presidente do governo catalão. Ele deu continuidade ao curso separatista de seu antecessor, Artur Mas, e convocou um novo referendo para 1° de outubro de 2017. O primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, disse que a consulta é inconstitucional.