National Portrait Gallery de Londres expõe 130 retratos do famoso pintor espanhol. Destaque da exposição está na visão sobre o caricato e o essencial que o artista tinha sobre a figura humana.
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O olhar de Pablo Picasso (1881-1973) sobre o essencial era lendário. E um pouco disso pode ser visto na exposição Picasso Portraits (Retratos de Picasso), aberta ao público até o próximo dia 5 de fevereiro na National Portrait Gallery de Londres.
Para a mostra, organizada em estreita colaboração com o Museu Picasso em Barcelona, curadora Elizabeth Cowling deu destaque ao talento marcante do artista para retratar o caricato e a essência de um rosto ou de uma postura corporal humana.
Nos próximos cinco meses, poderão ser vistos em Londres 130 retratos pintados por Picasso, entre eles, diversos autorretratos. No início de sua carreira como pintor, ele utilizou principalmente amigos e conhecidos do sexo masculino como modelo. Somente no decorrer de sua estada em Paris, o pintor espanhol descobriu a sua paixão inspiradora pelas mulheres, que imortalizou obsessivamente em quadros durante todos os períodos de sua vida artística.
Criança-prodígio
Em seus primeiros anos como artista, Pablo Picasso recorria principalmente a si mesmo para seus estudos de retrato: um olhar no espelho era suficiente. Certamente, o jovem pintor espanhol não sofria de baixa autoestima, mesmo que no início de sua carreira não tenha recebido quase nenhuma atenção do tradicional mundo da arte. Mas isso logo mudou: ele se tornou o artista mais reconhecido do século 20 – um gênio de seu tempo.
Ele foi uma espécie de criança-prodígio, aprendendo logo cedo todas as possíveis técnicas de pintura com o pai, que ensinava desenho artístico numa escola de artes aplicadas. Em 1889, ele pintou seu primeiro quadro com apenas oito anos. Aos 14, pulou dois anos letivos e conseguiu passar no exame de admissão da famosa Academia de Belas-Artes de Barcelona, onde seu pai havia obtido posto de professor.
Mas ali ele não ficou por muito tempo: em 1900, o talentoso jovem pintor se mudou para Paris, a Meca da arte na época. Na capital francesa, ele montou um ateliê no bairro de Montmarte, conhecendo rapidamente muitos artistas, escritores, atores e logo também seu primeiro galerista, o negociante de arte Daniel-Henry Kahnweiler, que fomentou e cuidou dos trabalhos de Picasso durante toda a sua vida, vendendo-os mais tarde por quantias milionárias.
Retratos de um artista obcecado
Picasso produziu inúmeros retratos de Kahnweiler ao longo de todos os períodos de seu estilo constantemente mutante de pintar. Na atual exposição da National Portrait Gallery de Londres pode-se ver um desses quadros do pintor espanhol que, como um obcecado, transformou ao longo dos tempos seu entorno familiar e suas amizades em modelos: filhos e parentes, suas muitas amantes, suas esposas.
Os esboços fugidios de retratos, os primeiros estudos já logo após poucos olhares sobre os modelos são hoje tão importantes para a obra completa de Picasso quanto suas pinturas e esculturas. Muitas vezes, revelam-se nos primeiros rascunhos também o seu humor e seu forte talento para a caricatura. Na exposição podem ser vistos diversos exemplos: pintura sobre fotos coloridas de pinups de uma revista de Hollywood, folhas de desenhos de rostos.
Dominador e tirano
Picasso foi um machista dominador e um artista de uma tirania extrema. Ele se apropriava de tudo em seu redor: pessoas, animais, empregados, materiais, objetos do cotidiano, tudo isso era transformado em arte. Nem todos passaram por isso ilesos, algumas de suas esposas ficaram em frangalhos.
A sua primeira mulher, a dançarina Olga Khokhlova, acabou sua vida em delírio e doente de câncer. Dora Maar sofreu de graves depressões até o fim de seus dias após Picasso. Marie-Thérèse Walter se enforcou na garagem de sua mansão em Antibes. E Jacqueline Roque se matou a tiros em outubro de 1986.
Somente a pintora francesa Françoise Gilot, 40 anos mais jovem e que ele conheceu em 1943, teve autoconfiança artística suficiente para prestar algum tipo de resistência.
Depois de dez anos de relação, ela o abandonou. Gilot foi a primeira mulher a ousar fazer isso, mudando-se para Paris com os dois filhos do casal, Claude e Paloma. Na capital francesa, ela levou uma vida de sucesso como pintora até idade avançada.
Há alguns anos, a biografia que escreveu de sua relação com Picasso foi motivo de burburinho: "Um desastre, mas foi belo", disse ela em retrospecto. Como uma de suas modelos, ela também pode ser observada em diversos retratos na exposição de Londres.
Depois da capital britânica, a mostra Picasso Portraits poderá ser vista, ainda no ano que vem, no Museu Picasso de Barcelona.
As vidas de Françoise Gilot com e sem Picasso
Livro aborda a história de Françoise Gilot, artista e musa de Picasso, e lança um olhar inédito sobre a vida e obra do gênio espanhol das artes plásticas, da perspectiva da única mulher que ousou abandoná-lo.
Foto: Imago/ZUMA/Keystone/Archiv Françoise Gilot
Ícone fotográfico
Robert Capa fotografou o amigo Pablo Picasso e sua amante Françoise Gilot em 1948. Ela caminha radiante pela areia, enquanto ele segura o guarda-sol para ela encarando a câmera, travesso. Na realidade, Françoise não ficou à sombra dele. O livro "A mulher que diz não" ("Die Frau, die nein sagt") conta sobre essa artista cheia de personalidade, que foi musa do gênio por dez anos e depois o deixou.
Foto: Imago/ZUMA/Keystone/Archiv Françoise Gilot
A moça e o grande pintor
"Ele era o mestre, ela, a musa. Ele a descobriu quando ela tinha 22 anos, jovem e livre de influências, virgem como uma tela em branco, convidando-o a preenchê-la", descreve o autor Malte Herwig o encontro de Picasso com Gilot. Seu livro aborda com humor o grande artista e sua não menos enorme vaidade.
Foto: picture-alliance/United Archives/TopFoto
Ego inflado
"O pintor mais famoso de sua época, e talvez de todos os tempos, tinha um grande talento para a autopromoção", revela "A mulher que diz não". "Para além dele mesmo e da arte, não havia muito espaço na vida de Picasso. A tirania do gênio degradava todos os outros ao papel de figurantes." Françoise Gilot foi a única a quebrar esse padrão.
Foto: picture-alliance/Foto: David Douglas Duncan
Início nada fácil
"Uma garota assim não pode ser pintora", teria dito Picasso a Gilot. Mas aí a convidou para seu ateliê. Pelo menos é o que a artista conta hoje, aos 93 anos, numa das entrevistas realizadas por Herwig em seus ateliês de Paris e Nova York. Até hoje ela pinta todos os dias. Na imagem, seu óleo "Portrait en noir", de 1943.
Foto: Archiv Françoise Gilot
Artista em tempo integral
Em 75 anos, Gilot realizou mais de 5 mil desenhos e 1.600 pinturas. Nas últimas quase cinco décadas, há pelo menos uma exposição por ano com suas obras. A maioria delas se encontra em coleções particulares, outras em museus famosos como o Metropolitan de Nova York. Neste autorretrato de 1941, ela encara o espectador, de olhos bem abertos e questionadores.
Foto: Archiv Françoise Gilot
"Picasso et moi-même"
"Picasso e eu mesma – o abraço" é o título desta tela de 1948, em que os dois ainda são um casal feliz. O primeiro filho, Claude, nascera no ano anterior, no ano seguinte viria Paloma. Picasso e Gilot nunca se casaram: na verdade ela não queria filhos, mas ele a convenceu. Porém nunca teria abandonado sua arte por Picasso, como faz questão de deixar claro até hoje.
Foto: Archiv Françoise Gilot
Pintora segura de si
Picasso foi seu grande amor, sua paixão. Mas havia limites para o que ela estava disposta a aceitar. Nesta foto, nota-se sua postura confiante também ao pintar. "Ne me touchez pas" – "Não me toque", é o nome desta obra de Françoise Gilot. A frase ressoa como sua filosofia de vida: desde criança, ela jamais permitiu que ninguém se aproximasse demais dela.
Foto: Archiv Françoise Gilot
Primeiro óleo aos 17 anos
"Nem mesmo Picasso chegou a me conhecer, apesar de nossos dez anos em comum, pois eu me fechei. Nunca me revelo, por que deveria?", disse Françoise ao autor Herwig "no tom mais amigável, até que seu riso ressoante quebrou o gelo". A foto a mostra aos 15 anos. Dois anos mais tarde realizaria sua primeira pintura a óleo.
Foto: Archiv Françoise Gilot
"Nenhuma mulher deixa um homem como eu..."
"É o que Pablo lhe dissera apenas poucas semanas antes, fitando-a com seus olhos de basilisco, de um brilho escuro. Um homem tão rico e famoso como ele, o pintor mais conhecido do mundo, um rei do mundo da arte, enfim, uma espécie de deus." Malte Herwig começa seu livro sobre Françoise Gilot com deliciosa ironia, da perspectiva do grande mestre: "E ela? Soltou uma gargalhada sonora."
Foto: AFP/Getty Images
Gênio ingênuo
"Deixá-lo? Isso era lá motivo para rir! Para ele o assunto era sério demais." O livro consegue lançar um olhar totalmente novo sobre o grande Picasso, mostrando-o em seus fracassos e desse modo, humano. É o olhar de Françoise Gilot, caloroso, tão amoroso hoje como outrora. "Françoise sorriu. Que ingenuidades até mesmo um gênio era capaz de dizer sobre si mesmo."
Foto: picture-alliance/dpa
Picasso sem Gilot
Françoise Gilot deixa Picasso em 1953. Pouco tempo depois, ele pinta "Torso de mulher", que pode ser vista na exposição "Desenhos do Século – Museu de Arte de Tel Aviv Visita Berlim", no Martin Gropius Bau. A separação também representa uma quebra no livro: o autor se torna visível como entrevistador da dama de 93 anos, plena de sabedoria de vida.
Foto: Succession Picasso/VG Bild-Kunst, Bonn 2015/Photo Avraham Hay
Picasso e as mulheres
Françoise Gilot foi a única mulher a abandonar o grande mestre espanhol. E que sobreviveu a ele. A última esposa de Picasso, Jacqueline Roque, cometeu suicídio; Marie-Thérèse Walter se enforcou. A bailarina Olga Khoklova e a fotógrafa Dora Maar (na imagem, em quadro de Picasso), que por ele haviam desistido de suas paixões profissionais, enlouqueceram.
Foto: picture-alliance/dpa/dpaweb
"Arrependimento é puro desperdício"
Gilot, ao contrário, é cheia de vida até hoje, aos 93 anos. "Eu sabia que ia ser uma catástrofe, mas uma catástrofe que valeria a pena viver", revela a Herwig. Arrependimento não passa de desperdício, "além disso, é muito mais interessante viver algo trágico com uma pessoa especial, do que uma vida maravilhosa com alguém medíocre".
Foto: Ana Lessing, Ankerherz Verlag
Tudo, menos tédio
"Se você quer viver intensamente, precisa arriscar algo dramático, senão a vida não vale a pena", diz Françoise Gilot, em retrospectiva. "Assim, pelo menos, você não fica chato. Esta é a pior coisa: ficar chato." E isso é algo que o livro de Malte Herwig, lançado em 2015 pela editora Ankerherz Verlag, garantidamente não é.