Quase duas décadas atrás, líder democrata-cristã exortava seu partido a se libertar da velha guarda e "aprender a andar" sem ela. Agora parece ter chegado a hora dela de abrir caminho para o futuro.
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"Revolução!" e "O que vai ser, agora?": o cotidiano político de Berlim alternava entre a ironia e o suspense nesta quarta-feira (26/09) em Berlim. Por um lado, do ponto de vista formal, a vida prossegue: reunião de gabinete na Chancelaria Federal, sessões das comissões no Parlamento e assim por diante.
Por outro, a chefe de governo, Angela Merkel, não é mais a mesma desde o afastamento do mais fiel dos seus homens de confiança, Volker Kauder, da liderança da bancada conservadora. É o que se notava em sua voz e, mais ainda, em seu rosto, já na noite da véspera.
"Esta é uma hora da democracia, também há derrotas, não há o que disfarçar. Mas, apesar disso, eu gostaria que a bancada parlamentar da CDU/CSU continuasse a trabalhar de forma bem-sucedido. Por isso vou apoiar [o sucessor de Kauder] Ralph Brinkhaus, onde quer que me seja possível." Essa foi a declaração de uma política acabara de ser derrotada.
A própria Merkel tinha um compromisso de última hora para a manhã da quarta-feira: o novo chefe de bancada Brinkhaus foi visitá-la na Chancelaria Federal. Antes, ele já anunciara: "Temos projetos ambiciosos pela frente, então amanhã estaremos fazendo aquilo que as pessoas esperam de nós, ou seja: trabalhando".
A escolha de Brinkhaus foi, sem dúvida, um sinal de vida de uma bancada que há muito parecia letárgica, o sinal de que ela não está disposta a seguir obedecendo a cada gesto dos chefes de partido Merkel (CDU) e Horst Seehofer (CSU).
Mas não se trata de um golpe contra a líder democrata-cristã – isso está claro para quem leu ou escutou os discursos de Brinkhaus ou conhece um pouco o deputado eleito para o Parlamento em 2009. Os golpistas da bancada são outros.
"Ele conquistou muitos deputados ao dizer que está do lado de Merkel e que não quer nenhuma mudança de curso: trata-se de um novo estilo de trabalho", comentou Armin Laschet, governador do estado da Renânia do Norte-Vestfália e vice-presidente da CDU.
Merkel do outro lado do putsch
Favorável a Merkel é o fato de os discursos de Brinkhaus no Parlamento, de cunho sobretudo político, serem francamente pró-União Europeia. Ele reforça o dever do lado alemão de procurar o consenso e é um defensor clássico da economia social de mercado. No entanto, não é um seguidor incondicional de Merkel, como Kauder era.
O fato de a CDU não ser tradicionalmente um partido de golpes é que torna o acontecimento da noite de terça-feira tão fora do comum na história das uniões Democrata Cristã e Social Cristã. Em última análise, a bancada deu um sinal: independente do que ocorra um dia com Merkel ou com o governo, a CDU/CSU está apta a se pronunciar e a agir.
Essa é uma vivência inédita para Merkel, que liderou o mais recente putsch na CDU, em 1999, ao afastar o eterno líder partidário Helmut Kohl e, menos de cinco meses mais tarde, assumir pessoalmente o cargo dele. "O partido", escrevia Merkel 19 anos atrás, precisava "aprender a andar, futuramente enfrentar a luta com o adversário político, mesmo sem [...] Helmut Kohl."
A bancada conservadora está aprendendo agora a andar, de repente, finalmente. Os adversários políticos dizem que o afastamento de Kauder é um voto de desconfiança contra Merkel: os próximos dias mostrarão se eles têm mesmo razão.
Seja como for, trata-se de um sinal para ela. Também os parceiros comerciais ou os concorrentes no palco europeu observarão com atenção, sabedores de que a chanceler federal chegou a seu outono político.
Agora, os três líderes da coalizão de governo, Merkel, Seehofer e Andrea Nahles (SPD) estão sob contagem regressiva em seus respectivos partidos. E as eleições estaduais de outubro na Baviera e em Hessen, estados onde CDU e CSU tentam se manter no poder, têm potencial para influenciar os destinos do governo federal.
No início de 2018, a eleição de Annegret Kramp-Karrenbauer para secretária-geral da CDU foi uma vitória de Merkel e foi recebida com júbilo na CDU, mas, desde a eleição de Brinkhaus, está claro que os ventos podem virar contra a chefe de governo a qualquer momento.
Mais cedo ou mais tarde, ela terá que anunciar se voltará a concorrer à liderança democrata-cristã. "Ela vai, sim", afirma o cientista político Gero Neugebauer, "pois só a partir dessa posição ela tem a autoridade necessária para se apresentar diante da bancada como chefe de partido. Nesse sentido, eu acho que ela vai consolidar a posição dela."
Mas Neugebauer também acha que Merkel está começando a considerar quem a sucederá como chefe da CDU.
Desde o golpe militar fracassado contra o presidente Erdogan, em julho de 2016, relações entre Ancara e Berlim têm se deteriorado constantemente. Mas o processo já começara antes, e não há fim à vista.
Foto: picture-alliance/POP-EYE/B. Kriemann
Caso Böhmermann
31 de março de 2016: O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, apresenta queixa contra o humorista alemão Jan Böhmermann por seu "poema difamatório" a respeito dele, envolvendo bestialidade, entre outras acusações. Em 4 de outubro, os promotores encerraram o caso, mas um conflito diplomático entre Ancara e Berlim estava desencadeado.
2 de junho de 2016: Parlamento alemão aprova quase unanimemente resolução classificando como genocídio o massacre de centenas de milhares de armênios pelo Império Otomano, em 1915. Ancara retira seu embaixador de Berlim, a comunidade turca promove protestos em várias cidades alemãs. Segundo a Turquia, o número de mortes seria exagerado, e também havia muçulmanos turcos entre as vítimas.
Foto: Getty Images/AFP/S. Gallup
Tensões após golpe fracassado
15 de julho de 2016: Uma facção das Forças Armadas turcas tenta derrubar o presidente turco, mas fracassa. Ancara acusa Berlim de não se posicionar contra a tentativa de putsch nem fazer algo contra a organização do pregador exilado Fethullah Gülen, acusado por Erdogan de orquestrar o golpe militar.
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Alemanha critica purgação pós-golpe
Logo em seguida à tentativa de golpe, as autoridades turcas fizeram uma devassa no Exército e no Judiciário, detendo milhares de pessoas. Logo em seguida, a purgação foi expandida, incluindo funcionários públicos civis, diretores e professores universitários. Políticos alemães criticaram as detenções. Diplomatas, acadêmicos e militares turcos fugiram do país e pediram asilo na Alemanha.
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Manifestações curdas em Colônia
A devassa de Erdogan pós-golpe foi também condenada por ativistas curdos em manifestações na cidade de Colônia, no oeste alemão. Em muitas delas se exigia a libertação de Abdullah Öcalan, líder encarcerado do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK). Ancara Turquia acusa Berlim de não fazer esforços suficientes para sustar as atividades do grupo. que classifica de terrorista.
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Prisões de cidadãos alemães na Turquia
14 de fevereiro de 2017: Deniz Yücel, correspondente do jornal "Die Welt", é colocado sob custódia policial na Turquia. Outros cidadãos alemães, como a jornalista Mesale Tolu e o ativista de direitos humanos Peter Steudtner, são detidos pelo que Berlim define como "razões políticas". Todos os três foram acusados pelas autoridades turcas de apoiar organizações terroristas.
Março de 2017: Municipalidades alemãs proíbem ministros turcos de realizarem comícios a favor do referendo de abril na Turquia, para ampliar os poderes presidenciais de Erdogan. Este acusa a Alemanha de empregar "táticas nazistas" contra cidadãos turcos em seu território e deputados turcos em visita. Dirigentes alemães condenam severamente o líder turco, acusando-o de ter ido longe demais.
Foto: picture-alliance/dpa/O. Berg
Espionagem
30 de março de 2017: A Alemanha acusa a Turquia de espionar centenas de adeptos de Gülen, assim como mais de 200 associações e escolas ligadas ao movimento do pregador na Alemanha. Paralelamente, requerentes de asilo turcos acusam o departamento de imigração BAMF de repassar as informações deles para veículos de imprensa ligados ao governo turco.
Foto: Imago/Chromeorange/M. Schroeder
Erdogan insta turco-alemães a não votarem em "inimigos"
18 de agosto de 2017: O presidente chama três dos principais partidos políticos da Alemanha de inimigos da Turquia e insta os alemães de origem turca a não votarem neles na eleição geral de setembro. Seus alvos são a União Democrata Cristã (CDU), da chanceler federal Angela Merkel, o Partido Social-Democrata (SPD) e o Partido Verde. A chefe de governo acusa Erdogan de se imiscuir na eleição.
Foto: picture-alliance/abaca/AA/M. Ali Ozcan
Merkel contra Turquia na UE
4 de setembro de 2017: A chanceler federal alemã, Angela Merkel, afirma, durante debate eleitoral, ser contra a Turquia se tornar membro da União Europeia e promete conversar com outros líderes da UE sobre o fim das negociações com Ancara nesse sentido. Em outubro, ela apoia a iniciativa de cortar os fundos pré-filiação da Turquia.
Foto: Reuters/F. Bensch
Ofensiva militar turca em Afrin
20 de janeiro de 2018: Forças Armadas turcas e seus aliados rebeldes sírios lançam a Operação Ramo de Oliveira contra o enclave curdo de Afrin, no norte da Síria. A ofensiva é criticada por políticos alemães e desencadeia protestos de comunidades curdas na Alemanha.
Foto: Getty Images/AFP/O. Kose
Deniz Yücel é libertado da prisão
16 de fevereiro de 2018: A Turquia liberta o jornalista turco-alemão Deniz Yücel, depois de mantê-lo preso por mais de um ano sem acusações formais. Segunda a mídia estatal turca, o turco-alemão foi libertado da detenção pré-julgamento sob fiança. A promotoria exige para ele pena de 18 anos de prisão, por "propaganda terrorista" e incitação popular.