A provável eleição de Jair Bolsonaro joga o Brasil em terreno incerto. A julgar por suas declarações, o país pode retroceder décadas. Ou será que tudo não passa de uma turbulência de campanha eleitoral?
Anúncio
O segundo turno da eleição brasileira parece encaminhado. Jair Messias Bolsonaro (PSL) tem ampla vantagem sobre Fernando Haddad (PT). É totalmente incerto o destino da viagem sob Bolsonaro. Levando em conta suas declarações, ele quer que "o Brasil semelhante ao de 40, 50 anos atrás". Ou seja, voltando aos obscuros tempos da ditadura (1964-85), que o ex-militar defende apaixonadamente – incluindo torturadores. O discurso dele, pelo menos, já é equivalente.
No último domingo (21/10), Bolsonaro, que não faz campanha na rua desde que foi atacado com uma faca, no início de setembro, prometeu "uma limpeza nunca vista na história do Brasil", em mensagem de vídeo transmitida para manifestantes apoiadores de sua candidatura reunidos em São Paulo.
Quem não se subordinar à vontade majoritária vai "pra fora" ou "pra cadeia". Ele disse ainda que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) e o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) serão tratados como terroristas e que Haddad passará "alguns anos" ao lado de Lula na cadeia.
"É possível equiparar perfeitamente o que ele diz com a ascensão de Hitler, e não seria surpreendente se, nos próximos meses, a democracia desse uma guinada em direção ao autoritarismo", comenta o jornalista alemão e colunista da DW Brasil Alexander Busch. Para ele, as declarações de Bolsonaro ainda podem ser apenas retórica de campanha. "Até agora, o sistema político sempre teve um efeito moderador sobre os presidentes, empurrando o esquerdista Lula para uma política econômica liberal e o conservador Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) para uma política mais social".
O cientista político Oliver Stuenkel, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo, é mais pessimista. No melhor dos casos, afirma, vai acontecer com Bolsonaro o que ocorreu com Donald Trump nos EUA – as ideias mais radicais serão de alguma forma amortecidas pelas instituições políticas.
"Mas é preciso ressaltar que as estruturas no Brasil não são tão fortes como nos EUA", pondera Stuenkel. Exemplo disso, segundo o analista, seria a reação desamparada da Justiça às acusações de que Bolsonaro teria financiado a disseminação de notícias falsas por um Caixa 2. Uma vez que os militares apoiam o apoiam, Bolsonaro não tem nada a temer de uma Justiça acuada.
Stuenkel espera um aumento da violência institucional, uma política de segurança interna mais dura, com menos direitos para as minorias e mais violações de direitos humanos nas favelas e na Amazônia. "Do ponto de vista da segurança interna, Bolsonaro pode ser comparado mais com o presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte. Também Bolsonaro quer atuar com 'mão dura' contra minorias e o crime, sem consideração pelos direitos humanos. E isso encontra apoio na população."
Ao mesmo tempo, entre os apoiadores de Haddad, domina uma mistura de medo e teimosia. Eleitores do PT declararam que vão resistir durante evento no Rio de Janeiro, na última terça-feira. Simultaneamente, disseram que vão preparar os passaportes.
Em geral, o Brasil oscila entre o pânico e a paranoia. Em parte fruto da disseminação de milhões de fake news que polarizaram radicalmente a sociedade e tornam difícil um debate saudável sobre reformas necessárias. Há tempos o debate público brasileiro adotou contornos surreais e grotescos.
Atualmente, o medo se sobrepõe a qualquer razão. Assim, muitos brasileiros também não se incomodam com o fato de Bolsonaro não ter apresentado um programa consistente de governo. Na maioria das vezes, a resposta fica num breve "tem que mudar isso aí".
Mesmo assim, segundo Alexander Busch, a economia olha com otimismo cauteloso para Bolsonaro. "Suas declarações para enxugar o Estado e para a privatização de estatais são contraditórias. Mas, se seu guru econômico liberal, Paulo Guedes, conseguir impor reformas nos primeiros meses, ele pode desencadear uma espiral positiva", diz Busch. Com ou sem violação dos direitos humanos – "a economia pensa de forma pragmática". A prova: desde que Bolsonaro lidera as pesquisas, a bolsa e o real tiveram valorização de 15%.
O cientista político Stuenkel enxerga um risco para a economia do Brasil numa eventual eleição de Bolsonaro. Como Trump, o capitão da reserva rejeita grêmios multilaterais, e a saída do Acordo de Paris e de convenções de defesa dos direitos humanos é tratada como possível. Algo que prejudicará principalmente as relações com a Europa: "Encontrar-se com Bolsonaro significaria altos custos políticos para a maioria dos líderes europeus em casa", avalia Stuenkel.
As relações com a China, o parceiro comercial mais importante do Brasil, já foram desgastadas por uma visita de Bolsonaro a Taiwan e seu discurso sobre uma conspiração mundial comunista. "Se a China reagir, isso seria uma catástrofe para a economia brasileira", prevê Stuenkel.
O economista Marcelo Neri, da FGV no Rio de Janeiro, também tem dúvidas sobre a viabilidade de reformas econômicas. Por um lado, Bolsonaro contará com uma maioria robusta, diferentemente dos últimos dois presidentes, Dilma Rousseff (2011-2016) e Michel Temer (desde 2016). Mas sua base parlamentar se baseia, em grande parte, em grupos lobistas de cunho nacionalista, como policiais e militares, com os quais não será possível nem fazer os cortes necessários no sistema previdenciário, nem a privatização de estatais. "Com isso, a ideia de reformas perde força", avalia Neri.
Para o economista, o clima na sociedade está envenenado demais para um recomeço limpo. "É como se estivesse gasolina espalhada - voce não pode riscar um fósforo nestas circunstâncias", diz Neri, que descreve como simbólico para o momento altamente explosivo do Brasil a situação das duas personalidades mais importantes do país: o ex-presidente Lula, atualmente preso, e Bolsonaro, recentemente vítima de um ataque com uma faca. "Eu acho que o Brasil precisaria de um Nelson Mandela ou uma pessoa que tivesse a visão de tudo e do outro lado. E acho que é uma situação difícil de acontecer. Não me parece que temos isso", constata Neri.
______________
A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas. Siga-nos noFacebook | Twitter | YouTube
Treze candidatos se apresentaram para disputar o Planalto. O líder das pesquisas acabou fora da corrida, e vários nomes tentam contornar isolamento partidário. Veja os principais episódios da disputa.
Foto: Reuters/A. Machado
Bolsonaro é eleito presidente
Em segundo turno, os brasileiros elegeram Jair Bolsonaro (PSL) como presidente. Após uma campanha eleitoral polarizada, o militar reformado de extrema direita recebeu 55,13% dos votos, contra 44,87% de Fernando Haddad (PT). Com bandeiras do Brasil e vestidos nas cores verde e amarelo, eleitores comemoram pelo país. No discurso da vitória, Bolsonaro prometeu um governo constitucional e democrático.
Foto: picture-alliance/AP Photo/S.Izquierdo
TSE abre investigação contra Bolsonaro
A pouco mais de uma semana do segundo turno, o Tribunal Superior Eleitoral abriu uma ação para investigar suspeitas de compra de disparos de mensagens antipetistas no WhatsApp por parte de empresários aliados a Bolsonaro. O pedido de investigação foi feito pelo PT, após uma reportagem do jornal "Folha de S. Paulo". A PF também abriu inquérito para investigar a disseminação em massa de "fake news".
Foto: Reuters/R. Moraes
Bolsonaro e Haddad vão ao segundo turno
Numa das eleições mais polarizadas da história, em 7 de outubro os brasileiros levaram ao segundo turno os dois candidatos que, segundo sondagens, são também os mais rejeitados: Bolsonaro (PSL) e Haddad (PT). Favorito no Sul e Sudeste, o ex-militar teve 46% dos votos válidos contra 29% do petista, que foi o mais votado em oito estados do Nordeste e no Pará. Em terceiro, Ciro Gomes (PDT) teve 12%.
Foto: Reuters/P. Whitaker/N. Doce
Bolsonaro cresce nas pesquisas
Já líder nas pesquisas, o candidato do PSL ampliou sua vantagem no início de outubro, ultrapassando pela primeira vez a marca de 30% em sondagens do Ibope e do Datafolha. Ao longo da semana que antecedeu as eleições, o ex-capitão foi subindo e, na véspera do pleito, cruzou a barreira de 40% dos votos válidos. Após ser esfaqueado, a campanha do candidato se concentrou nas redes sociais.
Foto: Reuters/P. Whitaker
A troca de Lula por Haddad
Após meses de suspense e com aval de Lula, Fernando Haddad foi oficializado candidato à Presidência pelo PT em 11 de setembro, a menos de um mês do primeiro turno, após se esgotarem as chances de o ex-presidente concorrer. Preso e virtualmente inelegível pela Ficha Limpa, Lula era líder nas pesquisas de intenção de voto. O desafio agora será transferir votos para o ex-prefeito.
Foto: Agencia Brasil/R. Rosa
Ataque a Bolsonaro
O candidato do PSL foi esfaqueado durante um ato de campanha em Juiz de Fora, um ataque que prometia mudar os rumos da corrida presidencial. Seus adversários condenaram a agressão, e alguns chegaram a mudar o tom da campanha. Não houve, contudo, um impacto decisivo sobre o eleitorado. Ele segue líder das intenções, mas com percentual praticamente igual. A rejeição a ele, por outro lado, aumentou.
Foto: picture-alliance/dpa/Agencia O Globo/A. Scorza
O "plano B" do PT
Com Lula virtualmente inelegível, a escolha do seu vice passou a ser encarada como um trampolim para um candidato substituto. No início de agosto, o PT acabou indicando Fernando Haddad, que desde o início do ano era cotado como "plano B". Manuela D'Ávila (PCdoB) ficou com a curiosa posição não oficial de "vice do vice", assumindo a posição com Lula candidato ou não.
Foto: Agência Brasil/F.Rodrigues Pozzebom
A novela dos vices
A fase de convenções começou no fim de julho sem que a maioria dos pré-candidatos tivesse um vice. Bolsonaro teve três convites recusados até fechar com o general Mourão (PRTB). Henrique Meirelles (MDB) e Ciro Gomes (PDT) se contentaram com nomes do próprio partido. Alckmin teve convite recusado pelo empresário Josué Alencar, cuja família é ligada a Lula, antes de optar por Ana Amélia (PR).
Foto: Agência Brasil/F.Frazão
Os candidatos isolados
A jogada de Alckmin com o "centrão" acabou isolando outros candidatos. Jair Bolsonaro (PSL) tentou negociar com o PR, mas teve que se contentar com o nanico PRTB. Ciro Gomes (PDT) também viu suas investidas no grupo naufragarem. Marina Silva (Rede) e Ciro também não conseguiram apoio do PSB, que ficou neutro numa manobra do PT. Os três terminaram a fase de convenções com pouco apoio e tempo de TV.
Alckmin fecha com o "centrão"
Em julho, o tucano Geraldo Alckmin ainda patinava nas pesquisas, mas criou um fato novo na campanha ao conseguir o apoio do "centrão", as siglas que costumam emprestar seu apoio a governos em troca de cargos e verbas. Ao se aliar com PR, PP, PSD, DEM e SD, Alckmin passou a dominar 44% da propaganda eleitoral na TV. Sua coligação também recebe 48% do novo fundo de campanhas.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Candidaturas descartadas
A eleição de 2018 parecia destinada a superar o número de candidatos de 1989, quando 22 disputaram. Em abril, 23 manifestavam interesse em concorrer, entre eles o presidente Michel Temer, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o ex-presidente Fernando Collor. Mas eles logo desistiram ou foram abandonados por seus partidos. Outros aceitaram ser vices. Em agosto, só 13 permaneciam na corrida.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Os "outsiders" saem de cena
A possibilidade de Lula ficar de fora e o sentimento antipolítico entre a população sinalizavam que esta seria a eleição dos "outsiders". O ex-ministro do Supremo Joaquim Barbosa e o apresentador Luciano Huck chegaram a ser incluídos em pesquisas. O empresário Flávio Rocha anunciou candidatura. Em julho, todos já haviam desistido, e a disputa ficou restrita a velhos nomes da política.
Foto: Imago/ZUMA Press/M. Chello
Lula é condenado e preso
Quando anunciou, em 2016, a intenção de disputar a eleição, Lula se tornou o líder nas pesquisas. Em janeiro, porém, sua situação se complicou após uma condenação em segunda instância que o deixou virtualmente inelegível. Em abril, foi preso. Com a possibilidade de a candidatura ser barrada, o PT passou a ter dificuldades em formar alianças, e o desfecho do pleito ficou ainda mais imprevisível.
Foto: Reuters/L. Benassatto
Entra em cena o fundo de campanhas
Diante da proibição das doações por empresas, o Congresso criou em outubro de 2017 um novo fundo de R$ 1,7 bilhão para financiar candidaturas, já definindo a capacidade financeira de várias campanhas. Quase 60% do valor ficou concentrado em seis legendas: MDB, PT, PSDB, PP, PSB e PR, deixando candidatos à Presidência de pequenas e médias siglas com menos recursos na largada.