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O papa das surpresas

(av)16 de abril de 2007

De "Grande Inquisidor" a esperança de renovação na Igreja, de afrontas involuntárias contra Maomé a reafirmação do divino na fé cristã: em dois anos de papado Joseph Ratzinger tem surpreendido adeptos e detratores.

Comemoração diante da casa onde nasceu o papaFoto: AP

Nesta segunda-feira (16/04), o papa Bento 16 completa 80 anos. A data marca ainda o lançamento de seu primeiro livro, simultaneamente em alemão, italiano e polonês. Ratzinger é o primeiro pontífice alemão em 482 anos e o oitavo em toda a história. Após dois anos ocupando o posto máximo da Igreja Católica, ele ainda surpreende críticos e admiradores.

O cardeal Joseph Ratzinger era conhecido como o teólogo linha dura, que em 1985 punira o franciscano brasileiro Leonardo Boff por suas idéias libertárias. Seus detratores o apelidaram de "Grande Inquisidor" e "Cardeal Tanque de Guerra", entre outros epítetos pouco lisonjeiros.

Entretanto a nomeação como sucessor de João Paulo 2º despertou nos meios eclesiásticos expectativas de que ele seria um "papa da renovação". Tais especulações se baseavam tanto em seu perfil de intelectual com sólida formação teológica, como em sua modéstia pessoal e na proverbial "objetividade germânica".

Gafe em Regensburg

Durante a Jornada Mundial da Juventude 2005Foto: AP

A Jornada Mundial da Juventude de 2005 em seu país natal abrandou a aparência de eclesiástico introvertido e rígido. E revelou um inesperado potencial de carisma pop, com multidões embevecidas e milhares de jovens bradando "Be-ne-det-to!".

Entretanto, a viagem à Baviera, no ano seguinte, veio acompanhada de um susto. Numa palestra na Universidade de Regensburg sobre seu tema preferido, fé e razão, o Papa citou o imperador bizantino Manuel 2º: "Mostrai-me o que Maomé trouxe de novo, e só encontrareis coisas ruins e desumanas, como quando ele prescreveu que se difunda a fé pela espada".

A intenção do pontífice era apelar para que a fé sempre passe pelo caminho da razão, e que não se imponha pela violência. Porém Bento 16 não se distanciou o suficiente da citação. Muçulmanos de todo o mundo protestaram contra a difamação do Profeta e falaram em ofensa e blasfêmia.

Após aprender a lição de que não era mais professor de Teologia, mas sim o líder da Igreja Católica, Bento 16 se empenhou em reparar os danos, começando com uma espetacular visita à Mesquita Azul de Istambul. Encabeçado por um especialista em assuntos islâmicos, foi criado o Conselho Papal para Diálogo Inter-religioso a fim de cuidar da comunicação com o Islã.

Missa em latim e canto gregoriano

Em meados de março de 2007, o Vaticano divulgou a exortação apostólica Sacramentum caritatis, que suscitou acusações de elitismo e reacionarismo contra o papa alemão. Frustrando todas as expectativas de renovação, aqui ele condena incondicionalmente o aborto, a eutanásia, as uniões entre homossexuais e compara o segundo casamento entre católicos a uma "praga social". Desconcertante é também a recomendação de que se retorne ao latim e ao canto gregoriano nas celebrações litúrgicas.

O professor de Ciências da Religião da PUC-SP, Luiz Felipe Pondé, explicou em entrevista recente ao jornal O Estado de São Paulo: "Boa parte das pessoas tem dificuldade de entender que o papa não considera a modernidade como algo que tem valor a priori. [...] Fomos criados nos cânones da modernidade, acreditando que a democracia resolveria tudo, e não é bem assim".

O Sacramentum caritatis foi sobretudo uma reafirmação do sagrado, um lembrete de que a Igreja não obedece às mesmas pressões e limitações que o mundo secular. Segundo Pondé, ela tem "uma temporalidade própria, determinada pela intersecção entre o 'mundo transcendente' e o 'mundo mundano'", é uma "instituição que contempla a eternidade, enquanto a gente está mais preocupada com o que vai acontecer no mundo daqui a dez anos". "Sendo uma instituição de olho no eterno, para que ter pressa?", indaga o teólogo.

Igreja longe do mundo

Bento 16 visitou Auschwitz em maio de 2006Foto: AP

Jesus de Nazaré, lançado por ocasião do 80º aniversário do Papa, trai a mesma preocupação de separar o humano do divino. Sua mensagem central é que, além de homem – o Jesus histórico – Cristo era também Deus.

Sem concessões, Bento 16 insiste nesta dupla natureza. Seu alvo principal é a exegese histórico-crítica da Bíblia, que ameaça diluir o Jesus divino. Em sua opinião, esse tipo de teologia obscureceu a imagem do "verdadeiro Jesus" e por isso ele a ataca impiedosamente.

O autor assina seu livro "Joseph Ratzinger – Bento 16", sublinhando que quem fala é o teólogo, e não o Sumo Pontífice. Antes mesmo de ser lançado, Jesus de Nazaré já é objeto de controvérsias e best seller. A primeira edição alemã tem uma tiragem de 250 mil exemplares.

Sem medo das correntes de ar

O jornal Braunschweiger Zeitung resumiu assim o pontificado de Bento 16: "Este papa quer manter a Igreja à distância do mundo, ele quer manter como segredos os mistérios de fé, e não expô-los ao espírito crítico, sob cuja influência a fé acaba por se dissolver e volatilizar. Há bons motivos para taxar de fundamentalista esta posição. A Igreja de Bento 16 é uma construção imponente, cheia de salas ricamente decoradas. Porém as janelas deixam entrar o vento do mundo no máximo por uma fresta. Isso parece desconcertante para quem está fora. Mas quem está do lado de dentro não tem por que temer correntes de ar".

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