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O papel contido do Brasil na crise da Venezuela

21 de fevereiro de 2019

Ao longo dos últimos anos, o Brasil abdicou de seu papel de potência regional e agora assiste ao desenrolar da crise. Apesar do apoio de Bolsonaro a Guaidó, ajuda humanitária anda devagar e auxílio militar é descartado.

Criança venezuelana segura bandeira brasileira em Roraima: porta de entrada para refugiados
Criança venezuelana segura bandeira brasileira em Roraima: porta de entrada para refugiadosFoto: picture-alliance/dpa/M. Camargo

Há duas semanas, a ponte Tienditas, entre a Colômbia e a Venezuela, está bloqueada com contêineres, reboques de caminhão e blocos de cimento, que fecham as três rodovias elevadas no lado venezuelano.

No estado fronteiriço de Táchira, ninguém mais sai às ruas depois das 20h. Um silêncio tenso domina o ambiente local. O motivo: a ponte deveria ser utilizada para transportar ajuda humanitária para a Venezuela.

O autoproclamado presidente interino, Juan Guaidó, pediu alimentos e medicamentos para a população necessitada. Aviões cargueiros levam constantemente bens de primeira necessidade dos Estados Unidos e da Europa para Cúcuta, a cidade que fica do lado colombiano da fronteira.

Mais de 100 milhões de dólares em produtos doados já foram prometidos, segundo disse Guaidó numa conferência da Organização dos Estados Americanos (OEA), incluindo doações da Alemanha.

Já há dez dias, Guaidó anunciou que os produtos humanitários devem ser transportados no próximo sábado (23/10) para a Venezuela, a partir da Colômbia, do Caribe e do Brasil. Mas o tráfego de navios para as ilhas Curaçao, Bonnaire e Aruba também foi bloqueado pela Marinha venezuelana.

Já no Brasil, os preparativos para o transporte da ajuda humanitária andam devagar e sem muito entusiasmo: só nesta terça-feira o porta-voz da Presidência, Otávio Rêgo Barros, anunciou que o Brasil dará "apoio logístico" à oposição venezuelana, para que esta possa buscar os produtos de ajuda humanitária em Boa Vista e Pacaraima.

O transporte, porém, ressaltou o general, será organizado e feito pelos venezuelanos. A imprensa brasileira publicou que sobretudo os militares no governo do presidente Jair Bolsonaro não chegaram a um acordo sobre como deve ser a ajuda brasileira.

Esse comedimento é surpreendente, pois justamente Bolsonaro gostava de atacar o governo de Nicolás Maduro durante a campanha eleitoral, como forma de atingir o PT. O candidato Fernando Haddad hesitou em chamar Maduro de ditador, o que lhe custou votos decisivos na classe média brasileira.

Assim também não foi nenhuma surpresa que Bolsonaro tenha sido um dos primeiros presidentes na América Latina a reconhecer Guaidó como presidente legítimo da Venezuela, ao lado dos Estados Unidos e da maioria dos governos latino-americanos.

Guaidó, que há um mês se autoproclamou presidente interino num lance de xadrez jurídico, colocou Maduro na defensiva. Ele espera que os militares deixem entrar os comboios de ajuda humanitária no sábado e, com isso, na prática renunciem a sua lealdade a Maduro.

Bolsonaro anunciou apoio à oposição venezuelana durante o Fórum de DavosFoto: Getty Images/AFP/F. Coffrini

Mas não é certo que isso de fato vai acontecer. Os militares, liderados pelo ministro da Defesa, Vladimir Padrino, reiteraram sua lealdade a Maduro.

A situação é explosiva. "A situação pode sair de controle de uma hora para a outra", afirma Luis Vicente León, do instituto de pesquisas Datanalisis, em Caracas. É sobretudo o risco de entrar num conflito com os militares venezuelanos que faz o governo de Bolsonaro, um capitão da reserva, ser tão prudente na ajuda humanitária ao país vizinho.

O Brasil tem uma fronteira de 2.200 quilômetros de extensão com a Venezuela, praticamente desprotegida. Qualquer conflito na região amazônica seria um desafio logístico para os militares brasileiros – e muito difícil de ser superado.

Além disso, o Brasil, como de resto toda a América do Sul, está condenado a um papel de figurante na crise da Venezuela. Na condição de potência regional, o Brasil acompanhou calado como o populista de esquerda Hugo Chávez e, desde 2013, seu sucessor Nicolás Maduro erodiram a democracia na Venezuela ao longo de duas décadas e colocaram o país na pior crise econômica e humanitária de sua história.

Os governos de esquerda de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, entre 2003 e 2015, não só toleraram o desmonte da democracia no norte da América do Sul, mas eles e empresas brasileiras ainda fizeram bons negócios por lá, quando a Venezuela obtinha bons lucros com os altos preços do petróleo.

Mas, por causa da grave crise política e econômica, a partir de 2014, o Brasil deixou completamente de desempenhar o seu papel de potência regional da América do Sul. Esse vácuo geopolítico foi ocupado pelas grandes potências, sobretudo os Estados Unidos e a China, mas também a Rússia. São elas que agora decidem sobre o futuro da crise na Venezuela.

"A América do Sul voltou a ser um playground das grandes potências", comenta o professor de relações internacionais Oliver Stuenkel, da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo. "O Brasil e os sul-americanos não têm mais nada a dizer na região."

Mas nada disso impedirá o governo Bolsonaro de celebrar uma possível troca de governo na Venezuela como uma vitória da sua nova política externa conservadora. "Apesar do pequeno engajamento, isso seria um triunfo para Bolsonaro", diz Stuenkel.

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