País europeu tem relação especial com Israel, tendo em vista seu passado com o Holocausto. Mas ministra do Exterior, Annalena Baerbock, tenta conversar com todas as partes em busca de uma solução.
Anúncio
As trincheiras estão cada vez mais profundas. É assim que Annalena Baerbock, vê as coisas. A ministra do Exterior da Alemanha concluiu a sua terceira viagem ao Oriente Médio desde o início do conflito atual entre Israel e o Hamas.
Nessa última turnê, Baerbock passou por Israel, Cisjordânia, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita. Os seus objetivos imediatos: ajudar a população civil em sofrimento na Faixa de Gaza e libertar os reféns das mãos do grupo radical islâmico Hamas. Além disso, ela quer ajudar a evitar uma conflagração regional e - a muito longo prazo - trabalhar para uma possível solução de paz.
Para a diplomacia alemã, a meta é "influenciar todas as partes para pôr fim a este conflito o mais rapidamente possível. De tal forma que a segurança de Israel seja garantida e, ao mesmo tempo, seja criada uma perspectiva futura para os palestinos", afirma Hans-Jakob Schindler, da organização internacional Counter Extremism Project, em entrevista à DW.
Críticas aos dois lados
O governo da Alemanha não deixa dúvidas sobre a autodeclarada "razão de Estado" do país para defender a segurança de Israel. A causa da guerra foi o "ataque bárbaro do Hamas" a Israel, segundo Baerbock.
Por outro lado, em Israel, ela condenou a violência crescente contra os palestinos por parte dos colonos israelenses radicais na Cisjordânia e, em linha com o seu homólogo americano, Antony Blinken, exigiu que não haja "nenhuma expulsão de Gaza, nenhuma ocupação ou redução territorial de Gaza".
A Alemanha também está aumentando este ano a ajuda humanitária aos territórios palestinos em 38 milhões de euros, em um total de 160 milhões de euros.
Nem todos conseguem entender esse ato de equilíbrio da ministra. O primeiro-ministro da Autoridade Palestina, Mohammad Shtayyeh, queixou-se amargamente da Alemanha: "Apoiar Israel com armas é encorajar a continuação de sua agressão contra o nosso povo em Gaza". No início do ano, a Alemanha e Israel concordaram na entrega de mais três submarinos alemães.
Até a questão de um cessar-fogo na Faixa de Gaza é sensível para a diplomacia alemã. "Se as armas permanecerem silenciosas durante um longo período de tempo, isso apenas beneficiará os terroristas do Hamas, que poderão ganhar nova força", disse recentemente Michael Roth, membro do SPD, partido do chanceler federal alemão, Olaf Scholz.
O próprio Scholz também rejeitou repetidamente os pedidos de cessar-fogo. Para ele, na melhor das hipóteses, as "pausas humanitárias" são uma opção, argumentando ser importante que "Israel consiga derrotar o Hamas".
Liderança do Hamas no Catar
As reuniões com representantes de países árabes como Arábia Saudita e Catar também foram importantes nas viagens de Baerbock. Ambos são potenciais mediadores influentes, por exemplo quando se trata de libertar os reféns do Hamas. Isto é particularmente verdade no caso do Catar: o emirado não é apenas o lar da liderança do Hamas, como também um dos financiadores mais importantes do grupo terrorista.
"Por isso, não deveria haver necessidade de um pedido para que o Catar se engaje de forma positiva em favor dos reféns", afirma Hans-Jakob Schindler.
Ao mesmo tempo, o papel da Alemanha não deve ser sobrestimado: "O governo alemão só tem possibilidade de alertar e pedir. Porque nós, como país, obviamente não temos influência neste conflito que seja comparável à dos EUA".
Contudo, os EUA são vistos na região como sendo unilateralmente pró-Israel. A Alemanha, por outro lado, é considerada mais neutra. Isto abre espaço para a política externa alemã.
Anúncio
Embaraço com Abbas em Berlim
Esta credibilidade, porém, pode ser posta à prova durante a visita a Berlim do presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, que chamou os terroristas do Hamas de "libertadores".
Josef Schuster, presidente do Conselho Central dos Judeus na Alemanha, disse à imprensa alemã: "Qualquer pessoa que não apenas negue o direito de existência de Israel, mas que o combata ativamente não deve ser um parceiro da política alemã". Contudo, o governo alemão quer manter o diálogo com esse difícil parceiro.
Pelo menos em Israel, permanece na memória a aparição conjunta do presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas, e de Scholz em Berlim no ano passado. Na ocasião, Abbas acusou Israel de realizar um "holocausto" contra os palestinos, enquanto o chanceler permaneceu com expressão impassível e em silêncio. Só mais tarde Scholz condenou a comparação de Abbas; mas nessa altura o dano à política externa já tinha sido feito.
O que ocorreria após uma suposta vitória sobre o Hamas?
O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, anunciou que o seu país será responsável pela segurança geral na Faixa de Gaza "por um período indefinido" após uma suposta bem-sucedida campanha contra o Hamas. Ele ainda não especificou seus objetivos futuros.
"O certo é que uma nova ordem deve ser organizada na Faixa de Gaza durante um período de transição", afirma Hans-Jakob Schindler. A ONU poderia se encarregar disso, ou mesmo os países árabes, de acordo com o especialista. "A este respeito, é claro, também temos de falar com o maior número possível de países no mundo árabe e no Golfo para ver se há voluntários que queiram e possam proteger temporariamente a Faixa de Gaza".
Na opinião de Schindler, a médio prazo, a Autoridade Nacional Palestina, que foi expulsa da região pelo Hamas em 2007, deveria retomar o controle da Faixa de Gaza.
Solução de dois Estados
E o futuro mais distante? Mesmo que isto esteja completamente fora de questão para o seu homólogo israelense neste momento, Baerbock – tal como o seu colega americano, Antony Blinken – cita a solução de dois Estados como uma meta a longo prazo: um Estado palestino ao lado do Estado israelense, como já foi acordado por ambas as partes na década de 1990.
Este é "o único modelo sustentável que pode garantir paz e segurança duradouras para israelenses e palestinos", disse a ministra alemã em Tel Aviv. Mas, por enquanto, esse tema não está em questão para os israelenses.
"É claro que a solução de dois Estados representa um objetivo muito distante e muito vago neste momento", destaca Schindler. Mas ele pergunta retoricamente: "Mas que outra solução existe além da solução de dois Estados?".
Em qualquer caso, a continuação do status quo sem o Hamas, como Netanyahu pode ter em mente, "não é uma solução sustentável", diz Schindler.
O status quo já era "muito frágil" antes do ataque do Hamas a Israel. Com a destruição da infraestrutura terrorista, o Hamas ficaria enfraquecido, mas a sua ideologia poderia sobreviver. A este respeito, o especialista em Médio Oriente Schindler não vê outra opção senão continuar a trabalhar na solução de dois Estados.
A Alemanha também deveria fazer isso.
A longa história do processo de paz no Oriente Médio
Por mais de meio século, disputas entre israelenses e palestinos envolvendo terras, refugiados e locais sagrados permanecem sem solução. Veja um breve histórico sobre o conflito.
Foto: PATRICK BAZ/AFP/Getty Images
1967: Resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU
A Resolução 242 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, aprovada em 22 de novembro de 1967, sugeria a troca de terras pela paz. Desde então, muitas das tentativas de estabelecer a paz na região referiram-se a ela. A determinação foi escrita de acordo com o Capítulo 6 da Carta da ONU, segundo o qual as resoluções são apenas recomendações e não ordens.
Foto: Getty Images/Keystone
1978: Acordos de Camp David
Em 1973, uma coalizão de Estados árabes liderada pelo Egito e pela Síria lutou contra Israel no Yom Kippur ou Guerra de Outubro. O conflito levou a negociações de paz secretas que renderam dois acordos 12 dias depois. Esta foto de 1979 mostra o então presidente egípcio Anwar Sadat, seu homólogo americano Jimmy Carter e o premiê israelense Menachem Begin após assinarem os acordos em Washington.
Foto: picture-alliance/AP Photo/B. Daugherty
1991: Conferência de Madri
Os EUA e a ex-União Soviética organizaram uma conferência na capital espanhola. As discussões envolveram Israel, Jordânia, Líbano, Síria e os palestinos – mas não da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) –, que se reuniam com negociadores israelenses pela primeira vez. Embora a conferência tenha alcançado pouco, ela criou a estrutura para negociações futuras mais produtivas.
Foto: picture-alliance/dpa/J. Hollander
1993: Primeiro Acordo de Oslo
Negociações na Noruega entre Israel e a OLP, o primeiro encontro direto entre as duas partes, resultaram no Acordo de Oslo. Assinado nos EUA em setembro de 1993, ele exigia que as tropas israelenses se retirassem da Cisjordânia e da Faixa de Gaza e que uma autoridade palestina autônoma e interina fosse estabelecida por um período de transição de cinco anos. Um segundo acordo foi firmado em 1995.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Sachs
2000: Cúpula de Camp David
Com o objetivo de discutir fronteiras, segurança, assentamentos, refugiados e Jerusalém, o então presidente dos EUA, Bill Clinton, convidou o premiê israelense Ehud Barak e o presidente da OLP Yasser Arafat para a base militar americana em julho de 2000. No entanto, o fracasso em chegar a um consenso em Camp David foi seguido por um novo levante palestino, a Segunda Intifada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/R. Edmonds
2002: Iniciativa de Paz Árabe
Após Camp David, seguiram-se encontros em Washington e depois no Cairo e Taba, no Egito – todos sem resultados. Mais tarde, em março de 2002, a Liga Árabe propôs a Iniciativa de Paz Árabe, convocando Israel a se retirar para as fronteiras anteriores a 1967 para que um Estado palestino fosse estabelecido na Cisjordânia e em Gaza. Em troca, os países árabes concordariam em reconhecer Israel.
Foto: Getty Images/C. Kealy
2003: Mapa da Paz
Com o objetivo de desenvolver um roteiro para a paz, EUA, UE, Rússia e ONU trabalharam juntos como o Quarteto do Oriente Médio. O então primeiro-ministro palestino Mahmoud Abbas aceitou o texto, mas seu homólogo israelense Ariel Sharon teve mais reservas. O cronograma previa um acordo final sobre uma solução de dois estados a ser alcançada em 2005. Infelizmente, ele nunca foi implementado.
Foto: Getty Iamges/AFP/J. Aruri
2007: Conferência de Annapolis
Em 2007, o então presidente dos EUA George W. Bush organizou uma conferência em Annapolis, Maryland, para relançar o processo de paz. O premiê israelense Ehud Olmert e o presidente da ANP Mahmoud Abbas participaram de conversas com autoridades do Quarteto e de outros Estados árabes. Ficou acordado que novas negociações seriam realizadas para se chegar a um acordo de paz até o final de 2008.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Thew
2010: Washington
Em 2010, o enviado dos EUA para o Oriente Médio, George Mitchell, convenceu o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, a implementar uma moratória de 10 meses para assentamentos em territórios disputados. Mais tarde, Netanyahu e Abbas concordaram em relançar as negociações diretas para resolver todas as questões. Iniciadas em setembro de 2010, as negociações chegaram a um impasse dentro de semanas.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Milner
Ciclo de violência e cessar-fogo
Uma nova rodada de violência estourou dentro e ao redor de Gaza no final de 2012. Um cessar-fogo foi alcançado entre Israel e os que dominavam a Faixa de Gaza, mas quebrado em junho de 2014, quando o sequestro e assassinato de três adolescentes em mais violência. O conflito terminou com um novo cessar-fogo em 26 de agosto de 2014.
Foto: picture-alliance/dpa
2017: Conferência de Paris
A fim de discutir o conflito entre israelenses e palestinos, enviados de mais de 70 países se reuniram em Paris. Netanyahu, porém, viu as negociações como uma armadilha contra seu país. Tampouco representantes israelenses ou palestinos compareceram à cúpula. "Uma solução de dois Estados é a única possível", disse o ministro francês das Relações Exteriores Jean-Marc Ayrault, na abertura do evento.
Foto: Reuters/T. Samson
2017: Deterioração das relações
Apesar de começar otimista, o ano de 2017 trouxe ainda mais estagnação no processo de paz. No verão do hemisfério norte, um ataque contra a polícia israelense no Monte do Templo, um local sagrado para judeus e muçulmanos, gerou confrontos mortais. Em seguida, o plano do então presidente dos EUA, Donald Trump, de transferir a embaixada americana para Jerusalém minou ainda mais os esforços de paz.
Foto: Reuters/A. Awad
2020: Tiro de Trump sai pela culatra
Trump apresentou um plano de paz que paralisava a construção de assentamentos israelenses, mas mantinha o controle de Israel sobre a maioria do que já havia construído ilegalmente. O plano dobrava o território controlado pelos palestinos, mas exigia a aceitação dos assentamentos construídos anteriormente na Cisjordânia como território israelense. Os palestinos rejeitaram a proposta.
Foto: Reuters/M. Salem
2021: Conflito eclode novamente
Planos de despejar quatro famílias palestinas e dar suas casas em Jerusalém Oriental a colonos judeus levaram a uma escalada da violência em maio de 2021. O Hamas disparou foguetes contra Israel, enquanto ataques aéreos militares israelenses destruíram prédios na Faixa de Gaza. A comunidade internacional pediu o fim da violência e que ambos os lados voltem à mesa de negociações.
Foto: Mahmud Hams/AFP
2023: Terrorismo do Hamas e retaliações de Israel
No início da manhã de 7 de outubro, terroristas do grupo radical islâmico Hamas romperam barreiras em alguns pontos da Faixa de Gaza, na fronteira com Israel, e, em território israelense, feriram e mataram centenas de pessoas, além de sequestrarem mais de uma centena. Devido a isso, Israel declarou "estado de guerra" e iniciou uma série de bombardeios, deixando partes da Cidade de Gaza em ruínas.