O papel do STF no processo de impeachment de Dilma
Jean-Philip Struck1 de abril de 2016
Declarações de ministros do Supremo são acompanhadas com atenção, pois tribunal assume cada vez mais papel de instância superior das disputas políticas. STF deve ou não analisar mérito do pedido de impeachment de Dilma?
Anúncio
A questão do impeachment não tem despertado opiniões contundentes apenas no cenário político e nas ruas do país. Até mesmo integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF) têm sido levados a dar palpites sobre a legitimidade do impeachment, e elas variam desde considerar o mecanismo perfeitamente normal até expressar o temor de "golpe". Alguns, como o ministro Luís Roberto Barroso, foram mais longe e chegaram (ainda que acidentalmente) a opinar sobre as figuras que podem vir a suceder a presidente Dilma Rousseff.
As declarações dos ministros do STF estão sendo acompanhadas com atenção no meio político, já que nos últimos anos o tribunal tem assumido cada vez mais um papel de instância superior das disputas políticas brasileiras, que passam por um processo de "judicialização", no qual os grandes conflitos não estão sendo mais resolvidos no Congresso, mas no plenário do Supremo.
Se essa tendência continuar, é provável que Dilma venha a contestar no tribunal qualquer decisão desfavorável a ela na Câmara sobre o impeachment. O Supremo seria, assim, o último recurso que a presidente poderia usar para impedir sua destituição. "A oposição não teria razão para apelar ao STF caso perdesse a votação, mas a presidente levaria questionamentos sobre o mérito do pedido, contestando se ele caracteriza mesmo crime de responsabilidade", afirma o professor de direito constitucional Oscar Vilhena Vieira, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), citando as "pedaladas fiscais", que são a base do pedido.
Golpe ou não?
E no meio disso estão as opiniões dos 11 ministros do STF, que podem dar pistas sobre como cada um pode vir a se comportar caso o futuro de Dilma venha mesmo a ser decidido no tribunal. No caso mais recente, o ministro Marco Aurélio Mello pareceu concordar com a presidente, que vem afirmando que o uso das "pedaladas fiscais" configuram uma tentativa de "golpe".
"Se não houver fato jurídico que respalde o processo de impedimento, esse processo não se enquadra em figurino legal e transparece como golpe", disse Marco Aurélio nesta quarta-feira (30/03), indicando que o STF deve analisar o mérito do pedido e não apenas fiscalizar se o processo está seguindo corretamente o rito.
Marco Aurélio também opinou sobre eventuais consequências de uma eventual queda de Dilma. "Nós não teremos a solução e o afastamento das mazelas do Brasil apeando a presidente da República", afirmou.
Outro ministro, Luís Roberto Barroso, mostrou posição contrária. Ao falar com um grupo de deputados, na segunda-feira, deixou claro que não cabe ao STF discutir o mérito do processo. "O que os senhores decidirem na Câmara e depois o que o Senado decidir é o que vai prevalecer. Quer dizer, o Supremo não tem nenhuma pretensão de juízos de mérito nessa matéria”, afirmou. "Eu acho que o impeachment não é golpe. É um mecanismo previsto na Constituição para o afastamento de um presidente", afirmou.
No entanto, Barroso, sem saber que estava sendo gravado, também deixou escorregar para um grupo de estudantes, nesta quinta-feira, o que pensa sobre o PMDB, o partido do vice-presidente Michel Temer, que pode vir a suceder Dilma. "Quando, anteontem, o jornal exibia que o PMDB desembarcou do governo e mostrava as pessoas que erguiam as mãos, eu olhei e disse: 'Meu Deus do céu! Essa é a nossa alternativa de poder'", declarou Barroso na ocasião.
Comportamento inadequado
O ministro Celso de Mello, o mais antigo do tribunal, também entrou no coro de que o impeachment não é golpe, mas evitou falar dos méritos do pedido. "A figura do impeachment não pode ser reduzida à condição de mero golpe de Estado porque é um instrumento previsto na Constituição."
Já o ministro Gilmar Mendes, que rotineiramente é alvo de críticas por sua proximidade com figuras das oposição, já havia dito em dezembro que cabe só ao Congresso decidir se as "pedaladas fiscais" são crime. Outros ministros, como o presidente do STF, Ricardo Lewansdosvki, não mostraram posição clara. "Golpe é uma expressão que pertence ao mundo da política. E nós aqui usamos apenas expressões do mundo jurídico", disse.
Para Vilhena, é inadequado que alguns ministros, especialmente Marco Aurélio, estejam adiantando posições. "Eles não deveriam estar se pronunciando de antemão sobre um caso que pode eventualmente ser julgado pela corte. Barroso, por exemplo, adiantou que não acha que a corte deva entrar no mérito. Mas acho mais preocupante Marco Aurélio não só indicar que a corte deve entrar no mérito, como dar a entender que as pedaladas não configuram crime de responsabilidade. Tudo isso quando uma análise pelo STF ainda é hipotética", afirmou.
Ele disse achar difícil a oposição reunir os 342 votos necessários para levar o impeachment ao Senado, mas que, caso isso aconteça, será difícil o STF entrar no mérito do pedido. Dessa forma, posições como a de Marco Aurélio não devem prevalecer.
"O julgamento de crime de responsabilidade cabe ao Congresso, e não ao STF. Eles vão seguir a tendência de 1992, no processo contra Fernando Collor, que é o entendimento que se trata de um processo político e não jurídico. Basta lembrar que Collor perdeu o mandato, mas depois foi posteriormente absolvido pelo Supremo", argumentou.
A cronologia do processo de impeachment
Em dezembro de 2015, Eduardo Cunha dava início ao processo de impeachment da então presidente da República. De "carta-desabafo" à cassação de Dilma Rousseff, relembre os episódios que marcaram o julgamento.
Foto: Reuters/J. Marcelino
O aval
Em 2 de dezembro de 2015, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, autorizou a abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. A decisão foi tomada no mesmo dia em que a bancada do PT anunciou que votaria pela continuidade do processo de cassação de Cunha no Conselho de Ética, acirrando uma crise política já inflamada no Brasil.
Foto: Getty Images/AFP/Evaristo Sa
Motivo: "pedaladas fiscais"
No mesmo dia, em pronunciamento público, Dilma disse ter recebido "com indignação" a notícia. O pedido de impeachment – apresentado em outubro pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal – acusa a presidente de cometer crime de responsabilidade fiscal, com base na reprovação das contas de 2014 pelo Tribunal de Contas da União, incluindo as chamadas "pedaladas fiscais".
Foto: picture-alliance/dpa
O dia seguinte
Dilma foi notificada oficialmente da abertura do processo em 03/12, logo após Cunha (foto) ler a decisão em plenário. O presidente determinou ainda a criação de uma comissão especial na Câmara dos Deputados para analisar o pedido de impeachment. Na mesma data, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou duas ações – uma do PT e outra do PCdoB – que tentavam barrar o processo de afastamento de Dilma.
Foto: Gustavo Lima/Câmara dos Deputados
A carta de Temer
Em 07/12, o vice-presidente Michel Temer enviou uma "carta-desabafo" a Dilma, em que expressa mágoas por ter sido, desde o primeiro mandato, um mero "vice decorativo". Ele diz ainda ter "ciência da absoluta desconfiança" da presidente. Especialistas interpretaram o texto como um rompimento de Temer com Dilma – lembrando que é ele quem assume a presidência caso ela sofra o impeachment.
Foto: AFP/Getty Images/E. Sa
Próximo passo: a comissão
O trâmite do processo exige a formação de uma comissão especial, com 65 deputados titulares e igual número de suplentes, indicados por líderes partidários, em quantidade proporcional ao tamanho de cada bancada – é obrigatória a participação de todas as legendas da Casa. Essa comissão dará um parecer pela abertura ou não do processo, que depois irá a plenário.
Foto: Luis Macedo /ABr
Tumulto na Casa
Em 08/12, a Câmara dos Deputados se reuniu pela primeira vez para definir a comissão especial, em votação secreta marcada por tumulto e quebra-quebra. Concorriam duas chapas: uma formada por deputados simpáticos ao governo, e outra oposicionista, favorável à saída da presidente. Venceu a chapa da oposição, com 39 membros, e uma votação suplementar seria realizada para escolher os nomes restantes.
Foto: Antonio Augusto /ABr
Processo suspenso
Essa votação, porém, nunca foi realizada. Ainda na noite de 08/12, o STF suspendeu a tramitação do processo, impedindo temporariamente a instalação da comissão especial. O plenário da Corte decidiu julgar um pedido liminar do PCdoB sobre a constitucionalidade da lei que regulamenta as normas de julgamento de impeachment. O partido criticou, por exemplo, o voto secreto na escolha da comissão.
Foto: EVARISTO SA/AFP/Getty Images
Novo rito de impeachment
Quase dez dias depois, em 17/12, o plenário do STF determinou algumas mudanças no rito de impeachment, que em sua maioria favoreceram a presidente. Os ministros decidiram conceder maior poder ao Senado na análise do afastamento; determinaram que não cabe voto secreto, nem formação de uma chapa alternativa para compor a comissão; mas negaram o pedido do PCdoB de afastar Cunha do processo.
Foto: Roberto Stuckert Filho
Recesso parlamentar
Para angústia do governo – que chegou a sugerir o cancelamento da pausa parlamentar de janeiro –, a análise do processo de impeachment entrou em hiato no fim de dezembro e assim permaneceu até 2 de fevereiro, quando os parlamentares voltaram do recesso. Segundo Cunha, a expectativa era de votar a comissão especial e concluir o processo na Câmara até março, para seguir para julgamento no Senado.
Foto: picture-alliance/Lou Avers
STF analisa embargos
O teor do acórdão em que o STF considera inconstitucionais alguns aspectos do processo de eleição da comissão especial da Câmara foi publicado em 08/03. No mesmo dia, a Câmara reapresentou os questionamentos e pediu a revisão do rito de impeachment pelos ministros do Supremo. Em votação realizada em 16/03, porém, a Corte rejeitou os recursos de Cunha e decidiu manter o rito definido em dezembro.
Foto: Agência Brasil/J. Cruz
Comissão está formada
A comissão especial, responsável por analisar o pedido de impeachment na Câmara, foi finalmente formada em 17/03, com deputados indicados pelos próprios líderes partidários. O relator da comissão é Jovair Arantes, líder do PTB na Casa e um dos principais aliados de Eduardo Cunha; e o presidente é Rogério Rosso, líder do PSD na Câmara.
Foto: G.Lima/Câmara dos Deputados
Trabalhos da comissão
Em 30/3, os membros da comissão ouviram dois autores do pedido de impeachment: os juristas Miguel Reale Jr. e Janaína Paschoal. No dia seguinte, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, foi ouvido como testemunha de defesa. No dia 4/4, o ministro José Eduardo Cardozo, da Advocacia-Geral da União, entregou a defesa escrita da presidente e fez a sustentação oral.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Comissão instaura processo
Parlamentares da comissão especial do impeachment votaram no dia 11/04 pela abertura do processo de impedimento da presidente Dilma Rousseff, em sessão marcada por troca de insultos. O placar sobre o parecer do relator Jovair Arantes (PTB-GO) foi de 38 votos a favor e 27 contra.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
A votação na Câmara
Com o parecer admitido pela comissão especial, o processo seguiu para votação no plenário da Câmara dos Deputados. No dia 17/04, em sessão tumultuada e acalorada, os parlamentares decidiram pela continuidade do processo de impeachment, com 367 votos a favor e 137 contra – eram necessários 342 votos favoráveis para a aprovação. A questão segue agora para análise no Senado.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Comissão especial de senadores
Dois dias após a apresentação do parecer do relator Antonio Anastasia (PSDB-MG, foto), favorável ao afastamento de Dilma, a comissão especial do Senado aprovou, em 06/05, a continuidade do processo de impeachment. Dos 21 senadores, 15 votaram pela aprovação, e apenas cinco votaram contra – três do PT, um do PCdoB e outro do PDT. O presidente da comissão, Raimundo Lira (PMDB-PB), não votou.
Foto: Agência Brasil/F. Rodrigues Pozzebom
Anulação da votação
Em 09/05, o presidente interino da Câmara, deputado Waldir Maranhão (PP-MA) – que assumiu o comando da Casa após o afastamento de Eduardo Cunha –, anulou a votação do processo de impeachment realizada na Câmara semanas antes. Horas depois, no mesmo dia, Maranhão voltou atrás na decisão, provocando euforia entre os parlamentares governistas. Votação no Senado aconteceria em apenas dois dias.
Foto: Imago/Zumapress
Senado aprova afastamento da presidente
Em 12/05, após uma sessão de mais de 20 horas, o Senado aprovou por clara maioria a continuidade do processo de impeachment de Dilma. Foram 55 votos a favor do impedimento e 22 contrários. Após o aval dos senadores, a presidente fica afastada por 180 dias, enquanto é julgada, e o vice Michel Temer assume a presidência interinamente.
Foto: Getty Images/M.Tama
Relator defende julgamento final
Em seu relatório final sobre o processo de impeachment, apresentado em 02/08, o relator e senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) defendeu que Dilma vá a julgamento final pelo crime de responsabilidade fiscal. Anastasia argumentou que a presidente afastada abriu créditos suplementares sem autorização do Congresso Nacional e praticou as chamadas pedaladas fiscais.
Foto: Reuters/U.Marcelino
Comissão aprova relatório
Em 04/08, a Comissão Especial do Impeachment no Senado aprovou o relatório do senador Anastasia, favorável ao prosseguimento do processo de impeachment contra Dilma. Dos 21 senadores que compõem a comissão, 15 votaram a favor da continuação do processo, e cinco, contra. Com isso, a comissão encerrou os trabalhos. O relatório seguiu para votação por todos os 81 senadores.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Senado decide levar Dilma a julgamento
Em 10/08, os senadores decidiram, por 59 votos contra 21, levar Dilma a julgamento. A maioria dos senadores seguiu o parecer do relator Anastasia, cujo relatório havia sido aprovado pela comissão especial do impeachment. O resultado indica que Dilma terá dificuldade para reverter seu afastamento definitivo na votação final. Para a condenação são necessários 54 votos.
Foto: Reuters/A. Machado
Iniciada fase final do processo
O Senado deu início à fase final do processo de impeachment no dia 25/08, quase nove meses após sua abertura. O primeiro dia de audiência teve mais de 15 horas de duração e foi marcado por bate-boca entre petistas e senadores favoráveis à saída definitiva de Dilma. O julgamento, que começou com os depoimentos de testemunhas, é comandado pelo presidente do STF, Ricardo Lewandowski.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Discurso de defesa de Dilma
Em 29 de agosto, a presidente afastada Dilma Rousseff apresentou sua defesa da acusação de crime de responsabilidade no Senado. Em sua fala, a petista garantiu que sempre seguiu a Constituição, lembrou os tempos da ditadura militar, usou repetidas vezes o termo golpe e reiterou sua luta pela democracia. "Jamais haverá justiça na minha condenação", afirmou.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Dilma é cassada pelo Senado
Na votação final do processo de impeachment, o Senado decidiu, em 31/08, afastar em definitivo Dilma da Presidência da República. Foram 61 votos favoráveis ao impeachment e 20 contrários – eram necessários 54 para a cassação. Todos os 81 senadores participaram da sessão. Em segunda votação, porém, os parlamentares decidiram por manter o direito de Dilma de exercer cargos públicos.