Pode parecer contraditório, mas a polarização da sociedade é resultado da melhora dos padrões de vida no Brasil ao longo das últimas décadas, escreve a colunista Astrid Prange.
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Caros Brasileiros, de onde vem a polarização que todo mundo sente? Hoje, no dia da unidade alemã (03/10), descobri uma nova explicação que eu queria compartilhar com vocês nesses tempos tensos, poucos dias antes das eleições no Brasil.
A inspiração vem de um livro com o título O paradoxo da integração. O autor, Aladin El Mafaalani, é filho de imigrantes árabes, sociólogo, economista e professor de ciências políticas. A atual polarização política na Alemanha para ele é o resultado de uma integração bem sucedida de imigrantes.
Parece bastante contraditório, mas a conclusão de Mafaalani é: mais progresso, mais polarização.
"Enquanto mulheres imigrantes faziam limpeza, ninguém ligava para o véu ou o lenço na cabeça delas", disse ele. "Mas quando elas começaram a fazer faculdade e subir na escada social, os conflitos surgiram."
As estatísticas sustentam essa tese: o nível de educação da geração jovem de imigrantes na Alemanha melhorou significativamente. Em 2005, somente 14 % desse grupo conseguiu um diploma universitário. Em 2016, a taxa subiu para 26%. No mesmo período, o desemprego entre todos imigrantes na Alemanha diminuiu: caiu de 18% para 7%.
Ao meu ver, a tese de Mafaalani serviria também para explicar a polarização da sociedade no Brasil. Pois nos últimos 25 anos, milhões de brasileiros humildes conseguiram ascender socialmente. Ao passo que o combate à pobreza no Brasil é reconhecido pela comunidade internacional, internamente a avaliação é divida. Enquanto a maioria festeja o progresso, uma parte da sociedade se sente até ameaçada.
Isso provocou uma reação contrária: contra cotas para negros nas universidades, contra a legislação do emprego doméstico, contra o PT. E inveja também. Inveja dos novos atores na sociedade, que queriam mudar a maneira tradicional de governar o país, que queriam ser ouvidos e respeitados.
Mas qual seria a resposta para esse paradoxo do progresso? Seria então melhor não lutar mais por justiça social, direitos de minorias, emancipação da mulher, integração de refugiados ou proteção ao meio ambiente?
A resposta é definitivamente não. Pois é melhor conviver com o paradoxo do progresso do que com o retrocesso. E mais importante ainda: apesar dos avanços no campo da integração e inclusão social, ainda tem muito o que melhorar.
O medo que os movimentos populistas continuem avançando é real. Na Alemanha, o partido de direita "Alternativa para a Alemanha" (AfD) alcançou 18 % nas últimas pesquisas eleitorais. No Brasil, o candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL) alcançou 32% das intenções de voto.
A ideia de voltar para "os bons tempos de antigamente" parece sedutora. Na realidade, essa viagem é uma ilusão. Pois, afinal, qual passado teria sido melhor? O tempo da ditadura militar no Brasil? O "Estado Novo" de Getúlio Vargas? E na Alemanha, a extinta República Democrata Alemã? A ditadura do Nazismo?
Em vez de glorificar um passado não definido, o desafio é desenvolver e discutir ideias para o futuro. Pois a globalização não vai ficar mais humana se for combatida com populismo, protecionismo ou nacionalismo. E a criminalidade não vai se dissolver com tanques de guerra nas favelas. E a imigração para os Estados Unidos não vai parar com o muro de Trump. Muros serão derrubados, ensina a reunificação alemã.
Astrid Prange de Oliveira foi para o Rio de Janeiro solteira. De lá, escreveu por oito anos para o diário taz de Berlim e outros jornais e rádios. Voltou à Alemanha com uma família carioca e, por isso, considera o Rio sua segunda casa. Hoje ela escreve sobre o Brasil e a América Latina para a Deutsche Welle. Siga a jornalista no Twitter @aposylt e no astridprange.de.
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1989: a primeira eleição direta da redemocratização
Os brasileiros voltaram a escolher diretamente um presidente depois de 27 anos. Um total de 22 candidatos se apresentou – até hoje um recorde. O pleito foi marcado por debates na TV e acusações de manipulação jornalística. Fernando Collor, filiado a um partido nanico, largou na frente ao se apresentar como “caçador de marajás”. No final, Collor derrotou o líder sindical Lula (PT) no 2° turno.
Foto: Radiobras/Roosewelt Pinheiro
1994: o início da era tucana
No início de 94, o pleito tinha um favorito: Lula. No entanto, alguns meses antes da eleição foi lançado o Plano Real, bem-sucedido em conter a inflação. A popularidade de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), um dos autores do plano, disparou. Lula, que havia criticado o real, afundou nas pesquisas. FHC acabou vencendo a eleição ainda no 1° turno. Era o início de oito anos de hegemonia do PSDB.
Foto: Acervo FHC
1998: a reeleição entra em cena
Em 1997, foi aprovada a emenda da reeleição– com denúncias de compra de votos –, abrindo caminho para FHC disputar mais um mandato. Mais uma vez seu adversário foi Lula, que indicou Leonel Brizola, seu antigo rival na esquerda, como vice. Durante a campanha, o governo omitiu que o real estava sobrevalorizado. FHC foi eleito no 1° turno. Depois da posse, o real sofreu uma desvalorização recorde.
Foto: Acervo FHC/Secretaria de Imprensa
2002: o início da hegemonia petista
Lula chegou à eleição com uma nova imagem: se comprometeu a apoiar o plano real, nomeou um empresário como vice e recorreu a marqueteiros. A estratégia para acalmar o mercado deu certo. Ciro Gomes chegou a despontar em segundo lugar, mas afundou após uma série de declarações que repercutiram mal. No final, Lula derrotou o candidato do governo FHC, José Serra, no segundo turno, com 61% dos votos.
Foto: Agência Brasil/M. Casal Jr.
2006: escândalos não impedem reeleição de Lula
Lula se candidatou novamente após a eclosão do escândalo do Mensalão. Parecia destinado a vencer no 1° turno, mas a prisão de assessores do PT na reta final abalou sua campanha. No 2° turno, os petistas contra-atacaram. Rotularam o tucano Geraldo Alckmin de privatista e de ser contra o Bolsa Família. Alckmin acabou recebendo menos votos no 2° turno do que na primeira rodada, e Lula foi reeleito.
Foto: Instituto Lula/R. Stuckert
2010: a primeira presidente mulher
Com alto índice de popularidade, Lula apresentou Dilma Rousseff como candidata à sucessão. Os tucanos voltaram a lançar José Serra, e a ex-ministra Marina Silva disputou pela primeira vez. A campanha de Serra tentou encurralar Dilma ao acusá-la de ser favorável ao aborto. No final, pesou a popularidade de Lula, e a petista ganhou no 2° turno, se tornando a primeira mulher a chegar à Presidência.
Foto: Agência Brasil/W. Dias
2014: a campanha mais cara e acirrada
Nova polarização entre PSDB e PT: Dilma disputou um novo mandato com Aécio Neves. Após a morte de Eduardo Campos (PSB), Marina Silva entrou na corrida, mas desabou nas pesquisas após ataques do PT. Dilma foi reeleita com apenas 3,28 pontos percentuais a mais que Aécio no 2° turno. A petista e o tucano gastaram R$ 570 milhões - com muitas doações de empresas acusadas de corrupção na Lava Jato.
Foto: Reuters/R. Moraes
2018: polarização entre PT e Bolsonaro
Após uma campanha que acirrou ânimos e dividiu o país, Jair Bolsonaro (PSL) foi eleito com 55,13% dos votos, contra 44,87% de Fernando Haddad (PT). A vitória do ex-capitão defensor do regime militar marcou a volta da extrema direita brasileira ao poder e representou um fracasso para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que nesse pleito estava preso por corrupção e impedido de se candidatar.
Foto: Reuters/P. Whitaker/N. Doce
2022: inédita disputa entre presidente e ex-presidente
Os candidatos mais bem posicionados nas pesquisas são o presidente Jair Bolsonaro (PL), que disputa reeleição, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que recuperou os direitos políticos. Bolsonaro ampliou benefícios sociais às vésperas da campanha e vem questionando o sistema eleitoral. Já Lula busca aliança ampla contra extrema direita e capitalizar sua experiência anterior no governo.