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O "pensamento sem corrimão" de Hannah Arendt

Silke Bartlick av
12 de maio de 2020

Em tempos de fake news e histerias de massa nas redes sociais, exposição em Berlim propõe a desobediência da filósofa teuto-americana, uma das maiores pensadoras do século 20, como antídoto.

Hannah Arendt
É longa a lista das controvérsias que Hannah Arendt desencadeou ou incentivouFoto: picture-alliance/dpa/UPI

Lá está ela, pensativa, de queixo apoiado na mão, cigarro aceso entre os dedos: Hannah Arendt (1906-1975), já não tão jovem, numa fotografia em preto-e-branco tirada de ângulo ligeiramente baixo. E, impressa por cima, a enigmática frase: "Nenhum ser humano tem o direito de obedecer."

Com esse cartaz, com atraso forçado pelo coronavírus, o Museu Histórico Alemão (DHM) de Berlim convida a uma exposição sobre a grande pensadora teuto-americana do século 20. A mostra acompanha o olhar subjetivo de Arendt em 16 capítulos acessíveis, com fotos, documentos em áudio e filme, objetos de seu espólio pessoal e empréstimos internacionais.

A intenção é apresentar, de uma forma nova, pontos de cristalização da história do século 20. E a obra da filósofa de fato se presta muito bem a isso, pois ela escreveu sobre temas centrais da época, como antissemitismo, colonialismo, racismo, nacional-socialismo e stalinismo, com um gosto de julgar notavelmente rigoroso, refletindo tanto prazer quanto ousadia.

Sobre a banalidade do mal

É longa a lista das controvérsias que a intelectual de origem judaica desencadeou ou incentivou. A mais intensa foi, certamente, a sobre seu livro Eichmann em Jerusalém, a qual se espalhou por todo o mundo e também toma bastante espaço na mostra em Berlim.

Em 1961, ela participou como repórter do julgamento do ex-tenente-coronel da SS Adolf Eichmann, que fora responsável pela deportação de milhões de judeus para campos de concentração e extermínio. A reportagem sobre o processo foi publicada dois anos mais tarde pela revista The New Yorker e, como livro, com o subtítulo Um relato sobre a banalidade do mal.

Mostra acompanha o olhar subjetivo de Arendt com fotos, documentos em áudio e filme e objetos de seu espólio pessoalFoto: DW/S. Bartlick

Lá, Arendt descreve o criminoso nazista como um tecnocrata sem convicções, que se apresentava como mero instrumento de seus superiores. A brutalidade do mal banal consiste em sua falta de reflexão e responsabilidade, observava ela, e a obediência "incondicional" repetidamente evocada por Eichmann é, em princípio, a expressão dessa atitude mental.

O estopim da controvérsia em torno do livro de Arendt não foi apenas a questão da "banalidade", já lançada no título, mas também a postura dos "conselhos judaicos". Será que os participantes dessas instituições foram culpados de colaboração?

"Deixamos à disposição do espectador os veredictos de Hannah Arendt sobre temas do século 20", explica a curadora da exposição, Monika Boll. "Não porque acreditemos que ela sempre estivesse certa, de forma alguma. Mas, ao também transferir e delegar aos espectadores esse gosto de julgar, queremos que também eles formem seu julgamento."

Uma decisão bem no espírito de Arendt, para quem julgar era uma atividade eminentemente política. Segundo Boll, para a filósofa, o nazismo não significou apenas o colapso de todos os valores morais, mas também o colapso da capacidade de julgar. Porque o julgamento fora cooptado pelo sistema, porque se dizia "nós", e não "eu". Dessa maneira, porém, também a questão da responsabilidade pessoal ficava delegada a instâncias impessoais.

"Pensamento sem corrimão"

Arendt nasceu próximo a Hannover em 1906, filha de judeus laicos, e cresceu nos meios cultos de Königsberg (hoje Kaliningrado, Rússia). Em 1924, começou a estudar Filosofia, tendo Teologia como cadeira secundária, primeiro em Marburg, mais tarde em Freiburg e Heidelberg. Por intermediação do filósofo Martin Heidegger, doutorou-se em 1928 sob a orientação de Karl Jaspers.

Escrevia para o jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung e se ocupou de Rahel Varnhagen von Ense, uma intelectual judia do Romantismo, cuja história era considerada um exemplo de assimilação cultural bem-sucedida. Arendt, em contrapartida, via com ceticismo a ideia da assimilação em nome da igualdade de todos os seres humanos, a qual considerava politicamente ingênua. E ela causou escândalo com essa posição.

Antes de muitos outros observadores, já em 1931 Arendt partia do princípio de que os nazistas assumiriam o poder. E, ao contrário da maioria dos alemães, já em 1933 defendia a opinião de que o regime devia ser combatido ativamente.

Naquele mesmo ano, emigrou para a França, trabalhou em organizações sionistas e como pesquisadora em Paris até fugir em 1941, com o marido e a mãe, para Nova York, após passar por Lisboa. E ela se transformou numa apaixonada cidadão americana.

Coronavírus atrasou abertura da exposição no Museu Histórico de BerlimFoto: DW/S. Bartlick

Por toda a vida, permaneceu fiel a si mesma, sem nunca seguir uma determinada escola, tradição ou ideologia. Seu pensamento é difícil de classificar, e por isso tão interessante, comenta a curadora Boll: "Pode-se encontrar repetidamente nesse pensamento tanto componentes liberais como conservadores e de esquerda, de forma que ela é bem difícil de situar numa ala política."

A própria Hannah Arendt definia essa atitude como "pensamento sem corrimão". Além disso, era uma excelente escritora, e tudo isso a torna tão viva, "por isso mesmo dá tanto prazer se ocupar dela", elogia Boll. De fato: quer se trate de suas reportagens sobre a Alemanha do pós-guerra, ou suas declarações sobre a questão dos refugiados, o racismo nos Estados Unidos, o movimento estudantil internacional, ela sempre consegue surpreender.

Na mostra no DHM de Berlim, a venerável filósofa continua estimulando os visitantes a questionarem seus próprios pontos de vista, e provando a importância de ter uma opinião própria fundamentada. A curadora Boll dá uma dimensão atual à questão: justamente em tempos de fake news e histeria de massa produzida pelas redes sociais, Hannah Arendt é um maravilhoso antídoto.

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