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O petismo não ganha eleição, o lulismo (aparentemente) sim

Thomas Milz
Thomas Milz
3 de agosto de 2022

Lula está a caminho de vencer a eleição presidencial de outubro. Seu grande trunfo é fazer alianças mesmo com inimigos políticos do passado. Ele não confunde apoio político com amor, escreve Thomas Milz.

Lula e seu candidato a vice, o ex-governador Geraldo AlckminFoto: Carla Carniel/REUTERS

Houve vaias em atos do candidato Lula da Silva em sua terra natal, Pernambuco. Não foram direcionadas ao ex-presidente, mas aos candidatos do PSB que subiram com ele no palco. Para a militância petista, políticos como Danilo Cabral, pré-candidato do PSB ao governo pernambucano, são traidores, pois votaram a favor do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em 2016.

"Eu sou da terra, eu sou da época que a gente fazia acordo no meio do bigode", comentou Lula no ato político em Olinda, no fim de julho. A organização do evento já esperava tal aversão aos aliados – segundo relatos da mídia, uma gravação com aplausos estava preparada para abafar as vaias.

A viagem a Pernambuco colocou Lula no meio de uma disputa entre duas famílias que dominam o estado há décadas: Arraes e Campos, que na verdade são quase uma família só. São donas do PSB, atualmente da base aliada de Lula. Mas, como em todas as famílias (e partidos), há brigas internas.

Marília Arraes, promessa política da família Arraes, deixou o PSB em 2016 e se filiou ao PT, sendo uma das figuras emblemáticas na luta contra o impeachment de Dilma. Mas no começo deste ano, ela deixou também o PT. Marília descobriu que existem conflitos internos também no partido de Lula. Agora ela é candidata do Solidariedade ao governo pernambucano. E, assim, adversária de Danilo Cabral, aquele que subiu ao palco lulista em Olinda.

Parece estranho Lula apoiar um candidato que votou para tirar o PT do poder em 2016, em vez de uma candidata que fez história em seu próprio partido?

"A política é a arte do possível", diz um velho ditado alemão do século 19. Lula sempre soube disso, e agiu conforme essa regra. Em seus primeiros dois mandatos, entre 2003 e 2010, o petista se aproximou da velha política para obter o apoio necessário para realizar suas políticas. Ele tem jogo de cintura, e sabe que a política é um jogo sujo.

Lula não é um radical xiita – eis a fórmula de seu sucesso. E isso o diferencia de grande parte da militância petista. Segundo André Singer, podemos dizer que essa á a diferença entre o petismo e o lulismo.

O petismo é mais radical, no sentido anticapitalista, enquanto o lulismo abraça o capitalismo para financiar os programas de combate à pobreza. Mas o lulismo também não tem a mesma crítica ao sistema político como o petismo. O lulismo não tem discurso antissistema, mas aceita os inimigos políticos como aliados.

Quando o ex-presidente Michel Temer apareceu, uns dias atrás, dizendo que "Dilma é honestíssima", a ex-presidente reagiu mal à mea culpa de seu ex-vice. Dilma respondeu friamente: "A história não perdoa traição". Ela já não queria conversa com a "velha política" quando esta fazia parte da base do próprio governo. Imagina agora.

Difícil imaginar uma frase como "a história não perdoa traição" vindo de Lula. Mesmo após ter passado 580 dias na prisão, ele não demonstra mágoas (que deve ter). Ele não confunde apoio político com amor. Lula é político, sabe perder e ganhar. E vencer em outubro significará o triunfo do lulismo.

Mas sempre resta a pergunta se poderia haver lulismo sem seu protagonista. Saberemos em anos futuros, quando não haverá mais um candidato Lula.

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Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.

O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

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Realpolitik

Depois de uma década em São Paulo, Thomas Milz mudou-se para o Rio de Janeiro, de onde escreve sobre a política brasileira sob a perspectiva de um alemão especializado em Ciências Políticas e História da América Latina.