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O populismo de direita e a quebra de um tabu na Alemanha

Kay-Alexander Scholz md
6 de fevereiro de 2020

Na Turíngia, eleição de governador com apoio da AfD gerou polêmica e acabou em renúncia. Enquanto a extrema direita chega ao poder em outros países, história explica por que alemães veem aliança com populistas como tabu.

Após ser eleito governador da Turíngia, Thomas Kemmerich recebe cumprimento de Björn Höcke, membro da AfD
Após ser eleito governador da Turíngia, Thomas Kemmerich recebe cumprimento de Björn Höcke, membro da AfDFoto: Reuters/H. Hanschke

Apenas um dia depois de ter sido eleito governador da Turíngia, Thomas Kemmerich, do Partido Liberal Democrático (FDP), anunciou nesta quinta-feira (06/02) sua renúncia. Ele fora escolhido para o cargo com apoio de legisladores estaduais do partido populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD), o que gerou polêmica e levou a manifestações em diversas cidades do país.

Olhar para o passado pode ajudar a entender por que a eleição de um governador com apoio de populistas de direita causou tanta revolta na Alemanha – inclusive por parte da chanceler federal Angela Merkel, que qualificou de imperdoável a aliança informal de seu partido, a União Democrata Cristã (CDU), que também votou a favor de Kemmerich no pleito estadual, com a AfD.

A ascensão dos nazistas na década de 1930 levou à Segunda Guerra Mundial e ao Holocausto, a pior ruptura da civilização na história da humanidade. Esse terrível legado pesa sobre os alemães. O medo de uma recaída nunca desapareceu completamente – também porque alguns que se aproveitaram da era nazista conseguiram fazer carreira novamente, na Alemanha do pós-guerra.

Mais tarde, isso foi alvo de denúncia do movimento de 68, que protestou, entre outros fatores, contra acobertamentos e o silêncio em relação a ex-nazistas na Alemanha. Desde então, uma cultura ativa de recordação faz parte do interesse do Estado.

Os conservadores da CDU, um dos dois principais partidos alemães, se comprometeram a nunca permitir que um partido emergisse politicamente à sua direita. Isso funcionou por anos, até a AfD entrar no cenário político.

"Renúncia já": protesto após eleição de governador na Turíngia com apoio da AfDFoto: Reuters/A. Hilse

A partir de 2015, os populistas de direita conseguiram, pouco a pouco, se estabelecer politicamente. Sobretudo no Leste da Alemanha, seus sucessos eleitorais se tornaram tão grandes que só era possível chegar a uma maioria contra eles através de alianças incomuns e amplas, incluindo mesmo partidos de esquerda. Enquanto isso, dois grandes partidos, a CDU e o Partido Social-Democrata (SPD), vêm perdendo popularidade, às vezes de forma dramática.

Uma nação insegura

Nos estados do Leste alemão, há tempos conflitos fervem dentro da CDU. Recentemente, repetidas vezes surgiram propostas dos parlamentos estaduais a favor de uma cooperação com a AfD. Pesquisas mostraram que nem todos são avessos à ideia. Em geral, a disposição de aliar-se com partidos de esquerda no Leste é menor do que no Oeste. Isso também tem a ver com a experiência histórica de uma ditadura de esquerda na Alemanha Oriental, cujo fim se deu há apenas 30 anos.

Os eventos na Turíngia, portanto, ocorrem em meio a uma república já nervosa e insegura. O cenário partidário está em transformação. Uma possível quebra de tabu já estava no ar há algum tempo.

Em Berlim, foram feitas tentativas para combater isso através de proibições: a liderança dos conservadores reiterou várias vezes que não deve haver cooperação alguma com os populistas de direita. Mas a nova presidente da CDU, Annegret Kramp-Karrenbauer, tem um poder de liderança menor do que o que tinha Merkel quando era chefe do partido.

Turíngia

Esse estado de tamanho pequeno, com 2,2 milhões de habitantes, também chama atenção por ter sido palco de outro tabu histórico. Foi na Turíngia que se formou, em 1930, o primeiro governo estadual com a participação dos nacional-socialistas.

Esse fato foi lembrado pelo candidato agora derrotado do partido A Esquerda Bodo Ramelow. O político citou no Twitter Adolf Hitler, que afirmou na época ter obtido o "maior sucesso na Turíngia" em 2 de fevereiro de 1930, porque "sem a nossa participação, nenhuma maioria poderia ser alcançada".

Björn Höcke é considerado um dos mais radicais membros da AfDFoto: DW/K.-A. Scholz

Outra razão: a Alternativa para a Alemanha na Turíngia é considerada um reduto dos radicais dentro do partido, com o grupo Der Flügel, uma ala ultranacionalista da AfD liderada por Björn Höcke.

O Der Flügel (a ala) foi fundado na Turíngia como um movimento partidário interno que se opõe a uma orientação excessivamente moderada da AfD. De lá para cá, eles assumiram tal posição de poder em todo o partido que conseguem influenciar conteúdo e indicações políticas.

O Departamento Federal para a Proteção da Constituição (BfV) classifica o Der Flügel como uma entidade suspeita de ter inspirações de extrema direita.

Fortalecimento dos radicais na AfD

A estratégia de limitar os populistas de direita em alianças com partidos conservadores, como ocorreu em outras regiões e países europeus, como na Escandinávia ou, mais recentemente, na Áustria, foi até discutida na Alemanha. Mas, ao insinuar isso, muitos se referiam a parlamentos estaduais mais moderados, e não ao epicentro dos radicais da AfD.

Nas grandes cidades do Oeste alemão, como Hamburgo, Höcke não é bem visto dentro da AfD. Mas ele deve agora subir ainda mais na estrutura de poder interna do partido.

É de se duvidar que a AfD na Turíngia esteja interessada em um curso construtivo. Repetidas vezes, os membros da legenda deram a entender ter como objetivo tomar o lugar da CDU como partido.

Agora, com a renúncia de Thomas Kemmerich, o estado caminha para novas eleições. Não se sabe ainda quais forças podem se beneficiar disso – a AfD, seguramente, poderia ser uma delas. Afinal, o tabu foi quebrado – mesmo que por apenas 24 horas.

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