O protesto que impulsionou o fim da Alemanha Oriental
Publicado 4 de novembro de 2019Última atualização 8 de novembro de 2024A inquietação pairava há muito tempo sobre a República Democrática Alemã (RDA). Durante meses, mais e mais cidadãos se arriscavam e iam às ruas. Todo mês, em Leipzig, dezenas de milhares protestavam pela liberdade de expressão e pelo direito de ir e vir. Cada vez mais alemães-orientais davam as costas – às vezes de maneira perigosa – ao país falido econômica e politicamente.
Erich Honecker, que desde 1973 era o homem mais poderoso do país, foi derrubado em 18 de outubro de 1989. Seu sucessor, Egon Krenz, tampouco gozava da confiança da população. Nesse contexto, realizou-se em 4 de novembro de 1989 a maior manifestação da história da Alemanha Oriental autorizada pelo regime.
O ato foi organizado por profissionais de teatro de Berlim Oriental. Eles invocaram os artigos 27 e 28 da Constituição, o direito à liberdade de expressão, de liberdade de imprensa e de aglomerações populares. Artigos que, nos 40 anos da RDA, existiam apenas em teoria.
Naquele dia, a Constituição, que fora espezinhada por tanto tempo, foi reavivada por uma enorme multidão reunida na icônica praça Alexanderplatz de Berlim. As estimativas variam entre 200 mil e 1 milhão de participantes. Foi uma experiência única na história da RDA: os manifestantes se aglomeraram diante de um pequeno caminhão em cuja carroceria foi montada uma plataforma improvisada de madeira. Esse foi o palco para mais de 20 oradores, entre eles atores, cantores, escritores, pastores, mas também representantes do regime.
Um deles ficaria conhecido mundialmente cinco dias depois, em 9 de novembro de 1989: Günter Schabowski, diretor do Partido Socialista Unitário da Alemanha (SED) na capital alemã. Foi ele que anunciou numa coletiva de imprensa uma nova lei de viagens, que derrubou inesperadamente o Muro de Berlim.
No protesto de 4 de novembro, Schabowski foi vaiado sem piedade – até mesmo quando abriu seu discurso com a reivindicação de "aceitar a cultura de diálogo". Mas naquele momento, os funcionários do precário regime da RDA já não tinham qualquer crédito com a população. A autocrítica de Schabowski se perdeu na vaia ensurdecedora.
"Numa hora destas, o que move um comunista à vista e na mira de centenas de milhares?", perguntou à plateia majoritariamente hostil. "Somente quem ouve e entende o aviso é capaz de um novo começo."
Quem soube fazer uso das palavras de Schabowski foi Friedrich Schorlemmer, crítico do regime e teólogo de Wittenberg, cidade do reformador protestante Martinho Lutero. Schorlemmer recitou uma versão levemente modificada do hino da RDA: "No outono de 1989, reerguemos das ruínas e o nos reorientamos ao futuro".
Sob a impressão dos muitos refugiados da RDA, Schorlemmer pediu ao povo que permanecesse para renovar o país: "Agora, literalmente, precisamos de cada um de nós".
O então jovem ator Jan-Josef Liefers, que ficaria famoso no país por seus papéis na TV, questionou publicamente o regime: "Enquanto o topo do SED apenas reagir a toda a nossa pressão, na minha opinião, não se pode falar de um papel de liderança." Essas eram as palavras que a multidão na Alexanderplatz queria ouvir: o aplauso para o discurso do ator foi proporcionalmente entusiástico.
Homem forte da Stasi critica "mundo ilusório"
Um dos mais autocríticos foi Markus Wolf, ex-vice-chefe da Stasi, a polícia secreta da Alemanha Oriental. Até 1986, ele comandou a agência de inteligência, a contrapartida do Serviço Federal de Informações (BND) da República Federal da Alemanha (RFA). Wolf citou a perda de contanto com a realidade no aparato de poder da RDA: apesar das advertências cada vez mais corriqueiras dentro do partido, não se conseguiu impedir "que nossa liderança vivesse até 7 de outubro num mundo ilusório", acusou.
Wolf estava se referindo à data de fundação da RDA. Por ocasião do 40º aniversário da República Democrática Alemã, em 1989, a antiga liderança se encenou e se celebrou pela última vez. Os protestos de oposicionistas foram reprimidos brutalmente.
O ex-membro da Stasi afirmou que os camaradas, que ele apoiara por tanto tempo, falharam até mesmo "quando as pessoas começaram a votar com os pés". Em outras palavras: cidadãos da RDA deixavam o país por meio de desvios, sobretudo, fugindo para as embaixadas da RFA nos países socialistas vizinhos.
Ao contrário do que a Stasi temia, as três horas de manifestação no centro de Berlim Oriental decorreram sem confrontos. Alguns dias antes, o então chefe da Stasi Erich Mielke entregou às unidades designadas a trabalhar naquele 4 de novembro um conjunto de ordens, que incluíam a salvaguarda incondicional do Muro de Berlim. "Para evitar ataques na fronteira do Estado, devem ser preparadas medidas de bloqueio técnico e de agentes."
As apreensões de Mielke se mostraram desnecessárias, pois as manifestações foram "incrivelmente bonitas", como descreveria anos depois a ativista de direitos civis Marianne Birthler, futura chefe dos Arquivos da Stasi.
Em seu discurso na Alexanderplatz, Birthler falou sobre a violência do regime comunista e a esperança, "que finalmente estava crescendo há algumas semanas na RDA", afirmando que na praça havia centenas de milhares de esperanças reunidas.
Também a Stasi teve que reconhecer isso, conforme indica um relatório detalhado sobre a manifestação, que havia sido transmitida ao vivo na televisão. No documento, a Stasi observou, entre outras coisas, o que poderia ser lido numa bobina de cabos convertida num "rolo compressor popular": "A roda da história não pode ser rebobinada."
O previamente preocupado serviço de segurança da Alemanha Oriental atestou o comportamento "disciplinado" da esmagadora maioria dos manifestantes. As "forças inimigas", com as quais o chefe da Stasi contava, não deram o ar da graça.
Em outro ponto, porém, Mielke teve razão: a manifestação de 4 de novembro de 1989, de acordo com os organizadores, poderia se tornar um "evento com implicações para a Europa". Cinco dias depois, em 9 de novembro, caía o Muro de Berlim.