Em conversa gravada, Renan Calheiros defende mudanças na lei que regulamenta instrumento, que tem sido uma peça central para o andamento da Operação Lava Jato.
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Nesta quarta-feira (25/05), uma gravação mostrou que o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), quer mudar a lei que trata da delação premiada. Desde o início da Operação Lava Jato, em 2014, o mecanismo tem sido uma peça central para o andamento das investigações.
A fala de Renan, que foi registrada por Sérgio Machado – ex-diretor da Transpetro que fechou um acordo de delação – reforçou as suspeitas de que parte do mundo político brasileiro está se movimentando para sabotar a Lava Jato. No áudio, Renan afirmou ser favorável a mudar a lei para impedir que pessoas presas possam fazer acordos de delação. O peemedebista já foi citado em delações de Delcídio do Amaral e Paulo Roberto da Costa.
A delação premiada existe desde os anos 90, mas foi só a partir da Lava Jato que ela se tornou mais conhecida. Essencialmente, o mecanismo é um acordo, firmado entre um suspeito ou réu com o Ministério Público, em que o primeiro se compromete a colaborar. O acordo prevê denunciar outros membros de uma organização criminosa e fornecer detalhes sobre o funcionamento do esquema. Se as informações se revelarem úteis para as investigações, o denunciante recebe em troca benefícios, como uma eventual redução da pena.
O funcionamento pode ser explicado pela teoria dos jogos. Um exemplo envolve duas pessoas interrogadas individualmente. Se não falarem, elas serão condenadas a um ano de prisão cada, com base nas provas já obtidas. Se uma delas falar, a pena desta é reduzida. Já a outra vai cumprir uma pena ainda maior porque vão ser reveladas mais provas. Antes do surgimento da lei, era mais vantajoso para ambos permanecerem em silêncio. Com ela, tornou-se mais interessante ser o primeiro a falar, já que um dos interrogados não pode ter certeza de que será implicado pelo outro.
A partir de 2013, a Lei das Organizações Criminosas detalhou melhor uma das variantes da delação usada para combater quadrilhas. Neste caso, ela se chama colaboração premiada. Desde o início da Lava Jato, 49 pessoas envolvidas no esquema de corrupção de Petrobras fecharam acordos do tipo.
Pela lei, os delatores devem identificar outros membros da organização e detalhar os crimes praticados por eles. Também devem revelar a hierarquia e a função de cada um. A colaboração também prevê prevenir crimes que possam vir a ser praticados e devolver o dinheiro desviado. Segundo os procuradores da Lava Jato, o instrumento permitiu acelerar as investigações e encontrar outras provas.
Ataques à delação
Em sua crítica, Renan afirmou ser contra o acerto de delações quando o suspeito está preso. Já a presidente Dilma Rousseff atacou a própria natureza das delações quando foi citada por um executivo, invocando uma espécie de noção de desprezo por "dedo-duros". "Não respeito delator", disse em junho de 2015.
A ofensiva contra a delação não é apenas verbal. Em março, o deputado Wadih Damous (PT-RJ) apresentou projeto estabelecendo que as delações possam ser apenas negociadas quando o suspeito estiver em liberdade. Segundo ele, no atual modelo "prende-se para forçar a depoimento".
Antes disso, o deputado Heráclito Fortes (PSB-PI) apresentou projeto que prevê que o delator deve revelar tudo o que sabe no primeiro depoimento, sem possibilidade de adendos. Se o projeto estivesse em vigor, a delação que implicou o presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), não seria possível. O lobista Júlio Camargo, que acabou citou o deputado pela primeira vez, não disse seu nome nos primeiros depoimentos. Segundo sua advogada, à época ele estava com medo. Fortes é um aliado de Cunha.
Membros da força-tarefa da Lava Jato afirmam que se não fossem os acordos de colaboração, a Lava Jato não teria alcançado evidências de corrupção para além daquelas envolvendo Paulo Roberto Costa, ex-diretor de abastecimento da Petrobras, preso em março de 2014. Em setembro do mesmo ano, Costa fechou um acordo e passou a listar o nome de diversos políticos, entre eles Renan Calheiros. Os procuradores afirmam também que, das 49 pessoas que fecharam acordos de delação, apenas 12 estavam presas quando falaram. Sérgio Machado, que grampeou Renan, não estava na cadeia quando negociou sua delação.
Entenda a Operação Lava Jato
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
Foto: AFP/Getty Images
O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Brandt
O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
Foto: Reuters/S. Moraes
As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
Foto: imago/Fotoarena
As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
Foto: Reuters/P. Whitaker
Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
Foto: J. Sorges
De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
Foto: Reuters/A. Machado
... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Dana
As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
Foto: picture-alliance/dpa/EPA/H. Alves
As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
Foto: Getty Images/AFP/H. Andrey
O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
Foto: picture-alliance/dpa/ZUMAPRESS/C.Faga
Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.