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O que é o ordoliberalismo?

2 de julho de 2018

Teoria proposta na Alemanha do pós-guerra ainda está presente na economia do país e ajuda a explicar posições austeras em relação a Itália e Grécia. No Brasil, doutrina econômica influenciou ministro do regime militar.

Calculadora e cédulas e moedas de euro
Ordoliberalismo defende Estado que garanta igualdade de oportunidades e moeda estável e que combata monopóliosFoto: picture-alliance/chromorange

O ordoliberalismo é uma teoria econômica bastante difundida na Alemanha, mas pouco conhecida em outros países. Trata-se de um ramo do liberalismo que defende a competição e a livre iniciativa, mas com um Estado que garanta igualdade de oportunidades e uma moeda estável e que combata monopólios – "ordo" vem de "ordem".

Esse sistema foi proposto nos anos 1930 por professores da Universidade de Freiburg, no sudoeste da Alemanha, e aplicado na prática pelos primeiros governos alemães após a Segunda Guerra, na década de 1950, quando o país vivenciou seu "milagre econômico".

Outra regra do ordoliberalismo, de inspiração protestante, é que cada um deve ser responsável por suas ações e colher os frutos de seu trabalho ou arcar com os prejuízos de suas escolhas.

A teoria ainda tem seguidores no governo alemão e foi citada para justificar posições austeras do país em relação a nações europeias em dificuldade  — como a Grécia após a crise do euro em 2008 e a Itália de hoje.

Segundo esse raciocínio, Estados europeus em crise deveriam se esforçar mais para organizar suas contas em vez de pedir "solidariedade" dos vizinhos mais ricos.

Como surgiu a teoria

O ordoliberalismo foi elaborado por três professores protestantes que almejavam um sistema liberal e democrático que levasse a Alemanha ao progresso econômico. Assinam o manifesto fundador, publicado em 1936, o economista Walter Eucken e os juristas Franz Böhm e Hans Großmann-Doerth.

Na época, o país tinha acabado de sair do período conhecido como República de Weimar, na qual monopólios, proximidade excessiva entre empresas e governo e hiperinflação, combinados com desorganização política, provocaram crise social e facilitaram a chegada de Adolf Hitler ao poder.

Para os autores do manifesto ordoliberal, a melhor alternativa para a Alemanha seria um governo que não interviesse na economia, mas estimulasse a competição, para permitir a realização da autonomia e da capacidade pessoal de cada um, e garantisse igualdade de oportunidades.

"Uma metáfora que ajuda a explicar o ordoliberalismo é o esporte. Para o neoliberalismo, o jogador mais eficiente vence. Para os ordoliberais, não basta o jogador mais eficiente vencer, ele deve fazer isso em uma competição justa e aceitável moralmente", diz Christian Joerges, professor da Hertie School of Governance, em Berlim, e especialista no tema.

Na década de 1940, o ordoliberalismo incorporou ideias de um quarto professor, o católico Alfred Müller-Armack, da Universidade de Colônia: além de garantir regras justas, o Estado deveria oferecer políticas sociais para o bem-estar da população.

Müller-Armack também sugeriu um novo nome para tornar a teoria mais atrativa ao público, e passou a chamá-la de economia social de mercado. Algo entre o liberalismo puro e a economia socialista planificada.

As ideias ordoliberais chegaram ao poder com o governo do primeiro chanceler federal da antiga Alemanha Ocidental, Konrad Adenauer, que comandou o país de 1949 a 1963, e de seu ministro da Economia e sucessor, Ludwig Erhard, que governou a nação até 1966.

O debate renovado na Europa

A partir da crise do euro de 2008, quando a Grécia deu sinais de que não conseguiria pagar sua dívida, seguida por outros países como Portugal e Itália, o ordoliberalismo voltou ao debate público europeu como uma tentativa de explicar a posição austera da Alemanha – que inclui resistir a pacotes de resgate desses países e exigir medidas duras de contrapartida.

Um dos receios do governo alemão é transformar a União Europeia (UE) em uma "união de transferência" de recursos de países mais ricos para países em dificuldades, ou em uma "união de dívidas". Para alguns políticos, isso feriria a regra de que cada um colhe os benefícios ou assume os prejuízos de suas escolhas.

O ex-ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, que ficou no cargo de 2009 a 2017, foi um dos que recorreram ao ordoliberalismo para rejeitar mais apoio às nações em crise. De janeiro de 2010 a dezembro de 2015, ele citou conceitos ordoliberais em 36 das 80 vezes em que falou sobre a "solidariedade" da Alemanha durante a crise do euro, segundo levantamento de Joerges com Josef Hien.

Em um desses discursos, Schäuble disse que a crise ocorrera porque alguns países europeus tinham "usufruído muito além de suas possibilidades", em uma referência à regra de que cada um deve ser responsável pelos seus atos.

O atual presidente do Banco Central alemão, Jens Weidmann, também cita ordoliberais em discursos. Em 2013, ele afirmou que todos os políticos "deveriam colocar debaixo do travesseiro" uma cópia do livro Princípios de Economia Política, de Walter Eucken, que assinou o manifesto ordoliberal de 1936.

Joerges é crítico à forma como políticos citam o ordoliberalismo atualmente. Para ele, as referências são um recurso retórico sustentado mais em traços culturais protestantes do que na teoria ordoliberal.

"São menções instrumentais, não baseadas em um raciocínio conceitual, como era o dos pensadores ordoliberais. É vazio", diz.

A influência sobre Roberto Campos

No Brasil, um admirador do ordoliberalismo foi o economista Roberto Campos, ministro do Planejamento de 1964 a 1967, nos primeiros anos do regime militar.

Em livro publicado em 1963, Campos demonstra simpatia pela teoria e propõe trazê-la para a realidade brasileira, diz Caroline Rippe, professora da Universidade Federal da Fronteira Sul, em Erechim (RS), que pesquisa o tema.

Transplantar o ordoliberalismo para o Brasil em 1963, contudo, seria pouco provável. Além das diferenças estruturais entre os dois países, o presidente era João Goulart, cujas reformas de base aumentavam a intervenção do Estado na economia.

No ano seguinte, Jango foi deposto por um golpe, teve início a ditadura militar e Campos foi nomeado ministro do Planejamento pelo presidente Castelo Branco.

Segundo Rippe, que analisou documentos na Alemanha e no Brasil, o primeiro plano econômico anunciado por Campos, conhecido como Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG), tinha algumas semelhanças com as medidas adotadas por Adenauer e Erhard, especialmente quanto a combate à inflação, fortalecimento da moeda e incentivo à livre iniciativa.

Mas havia uma diferença fundamental entre o modelo que Campos admirava e o plano que ele elaborou para o Brasil: enquanto a Alemanha vivenciava uma democracia, o Brasil era governado por uma ditadura.

"O ordoliberalismo se encaixa no regime democrático, tem sua raiz no liberalismo. Não se justificaria numa ditadura, onde não há liberdades individuais", considera Rippe.

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