Nunca vi tantos corpos velhos nus como desde que cheguei à Alemanha, há oito anos. Não conheço nenhuma mulher que não se sinta mais livre com seu próprio corpo depois de ver toda essa variedade de corpos nus tomando sol.
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No último verão em Berlim, uma frequentadora do lago onde eu vou (essas são as nossas praias por aqui) chamou minha atenção. Tratava-se de uma senhora muito idosa, que chegava sozinha de andador. Ela parava em um banco e se preparava para nadar: tirava toda a roupa e entrava no lago, onde, nua, nadava por horas. E ninguém parava para olhar, já que o nudismo é aceito na Alemanha. E o fato de que todos envelhecemos também.
A senhora nadadora é apenas uma das milhares de mulheres alemãs que me ajudaram a encarar o envelhecimento de uma maneira muito diferente daquela que tem sido propagandeada no Brasil, um dos campeões mundiais em procedimentos estéticos.
No país onde nasci é cada vez mais comum que mulheres se submetam a procedimentos caros e doloridos, principalmente quando passam dos 40 anos. Falo, claro, da classe média para cima. Fazer esses tratamentos é um "privilégio" dos mais ricos. Afinal, estamos falando de um mercado lucrativo.
Eu também "envelheço na cidade". E, claro, assim como minhas amigas que fazem os tais procedimentos, pretendo envelhecer bem.
Mas, para isso, é necessário aplicar botox, levar choques de máquinas e testar os mais novos procedimentos para a pele? Ou isso não é uma outra forma de ser dependente do mercado de beleza e "bem-estar", aquele que lucra com a infelicidade feminina desde que a gente é adolescente e passa a ter vergonha de ir à praia?
Com o aumento da longevidade, esse mercado agora parece querer lucrar para sempre. O limite é, literalmente, a nossa morte.
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Envelhecer como homem
"Eu decidi que vou envelhecer como homem. Eles não fazem nada, também não vou fazer", me fala uma amiga brasileira que mora em São Paulo. E não, ela não está falando que não quer envelhecer saudável. Pelo contrário, perto dos 50, ela entrou para a academia e alugou uma esteira e colocou na sala de casa.
O que ela não quer é ficar escrava da imagem e gastar tempo e dinheiro com tratamentos dolorosos que prometem adiar a passagem do tempo. Ou, pelo menos, tornar nossa aparência mais aceitável durante esse percurso.
Pois na Alemanha o cenário é diferente e muito mais mulheres "envelhecem como homens". E não sou só eu que percebo isso. Há muitos anos, a antropóloga Mirian Goldenberg, uma das maiores especialistas em envelhecimento no Brasil, me disse que decidiu escrever sobre o tema depois de fazer uma viagem à Alemanha, em 2007, e perceber que a relação das mulheres com o corpo e o envelhecimento era totalmente diferente. "No Brasil o capital é o corpo, na Alemanha é o todo", me disse, na época.
Sim. Isso é um fato. Aqui nos sentimos muito menos pressionados pela cultura da imagem.
Velhos pelados
O nudismo, por exemplo, é uma tradição da Alemanha, chamada de FKK (Freirpekörperkultur). Esse movimento surgiu no final do século XIX e nunca foi embora. Ainda hoje, fazer sauna (hábito muito comum no país) nu ainda é obrigatório na maioria dos estabelecimentos. E praticar nudismo em lagos e praias é um hábito que une jovens hipsters e senhores e senhoras de idade avançada.
Nunca vi tantos corpos velhos nus como desde que mudei para a Alemanha, há oito anos. E não conheço nenhuma mulher que não se sinta mais livre com seu próprio corpo depois de ver toda essa variedade de corpos nus tomando sol com toda naturalidade.
Mas não é só a cultura do nudismo que nos ajuda a envelhecer sem paranoia na Alemanha. Na TV, as mulheres de mais de 45 anos exibem suas rugas sem problemas. O mesmo vale para a publicidade. Quando me mudei, me chocava ao ver mulheres de rugas em outdoors (que não eram propagandas de cremes anti idade com imagens de "antes e depois", mas propagandas "normais", como, por exemplo, da companhia de trem do país).
Alemanha em 1 minuto: Publicidade com gente "mais velha"
01:03
Isso significa que nenhuma mulher alemã faz botox e outros procedimentos? De jeito algum. Assim como não são todas as brasileiras que são adeptas dos tratamentos anti-idade.
O que percebo, repito, é que a pressão para parecer jovem para sempre por aqui é muito menor. A preocupação com o envelhecimento está mais focada em continuar ativo. Afinal, a ideia é nadar no lago (ou fazer qualquer outra coisa que você quiser) até os seus 90 anos, certo? As milhares de pessoas mais velhas que cruzam a cidade de bicicleta todos os dias são uma prova disso.
Parar de andar de bike? Jamais. Virar escrava de procedimentos doloridos? Nunca.
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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo "02 Neurônio". Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.
O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.
O movimento nudista alemão
Muitos alemães não veem nenhum problema em se despir na praia ou na sauna. O país tem uma longa tradição de movimentos nudistas. Confira um pouco da história alemã da Freikörperkultur, a cultura do corpo livre.
Foto: picture-alliance/dpa/B. Pedersen
O "corpo livre"
É uma parte da cultura alemã, assim como a música techno e cerveja. Embora a prática do Freikörperkultur (FKK), que se traduz como "cultura do corpo livre", esteja diminuindo entre as gerações mais jovens de alemães, ainda há muitas áreas de FKK nas praias, bem como entusiastas da cultura nua em spas e até mesmo parques.
Foto: Imago/D. Matthes
Hobby saudável
No final do século 19, muitos alemães acreditavam ser saudável se despir e tomar banho "sem tecidos" em algum dos muitos lagos do país. Na época, pessoas buscavam sair das cidades poluídas para a natureza, em busca de uma boa saúde. Algumas pessoas também gostavam de fazer caminhadas ou fazer exercícios nus. Esta foto datada de 1933 mostra duas mulheres no Lago Chiemsee, na Baviera.
Foto: picture-alliance/IMAGNO/Christ
Cultura promovida no cinema
Cultivar a saúde através da livre circulação na natureza foi um ethos apresentado no filme "Maneiras de se Fortalecer e Embelezar", de 1925. Estrelado pela controversa atriz e cineasta alemã Leni Riefenstahl, foi um dos filmes educacionais mais populares da época no país. Ele contina cenas de exercícios físicos, como dança e banho.
Foto: Imago
Nudismo e os nazistas
Leni Riefenstahl tornou-se a cineasta favorita de Hitler e glorificou o físico atlético ariano em seu filme "Olympia", baseado nos Jogos Olímpicos de 1936, realizados em Berlim. Enquanto os nazistas inicialmente proibiram o nudismo, a natação nua foi novamente permitida em 1942, e praticada discretamente em áreas remotas. Muitos promotores do movimento FKK eram, no entanto, esquerdistas.
Foto: Criterion
Forte tradição na antiga RDA
Enquanto o nudismo na antiga Alemanha Oriental foi inicialmente promovido por vanguardistas nos anos 50, ele se popularizou e foi tolerado nos anos 70. Como a vida no país era tão rigorosamente controlada, o banho nu podia ser visto como uma liberdade rara - e as pessoas faziam pleno uso dela. Nesta foto de 1986, dezenas de nudistas no lago Müggelsee, nos subúrbios de Berlim Oriental.
Foto: picture-alliance/dpa/T. Uhlema
Nudismo na costa do Báltico
O movimento nudista foi particularmente forte nas praias do Mar Báltico. Entretanto, a prática não se espalhou para o lado polonês. Após a adesão da Polônia à UE, ficou mais fácil caminhar de um país a outro pela praia, mas o nudismo foi uma causa de tensões entre as localidades de ambos os lados da fronteira germano-polonesa.
Foto: Imago/argum/C. Lehsten
Espírito nudista
Nesta praia em Leipzig, em 1980, os nudistas se reuniram num dia de calor. O espírito do nudismo é celebrar o corpo e estar livre de roupas. De acordo com os entusiastas da FKK, a prática não está ligada ao sexo; trata-se de se libertar das restrições sociais. E certamente é uma maneira de garantir que não se tenha marcas indesejáveis no bronzeado.
Foto: Imago/imagebroker
Jardim Inglês, em Munique
Embora a nudez pública em geral seja proibida em Munique, há várias áreas específicas onde ela é permitida, por exemplo no Jardim Inglês e ao longo do rio Isar, incluindo a área da praia Flaucher, um destino popular para nudistas, como mostra esta foto em um dia quente de 2002. Os locais costumam ser bem sinalizados, mas as pessoas que lá estão não gostam de ser vistas como atração turística.
Foto: Imago/K-P. Wolf
Num parque berlinense
A prática já não tem mais tanta força como décadas atrás, mas alguns parques ainda têm uma certa tradição de nudismo. Enquanto a nudez pública é ilegal, banhos de sol nus são tolerados em diferentes parques de Berlim, como o Mauerpark, Volkspark Friedrichshain (foto, de 1999) e Tiergarten - desde que não perturbem ninguém.
Foto: Imago/Lem
Paixão de milhões de alemães
Angela Merkel estava numa sauna na famosa noite em que caiu o Muro de Berlim, era seu ritual de quinta-feira. Os números mostram que cerca de 30 milhões de pessoas na Alemanha frequentam regularmente as 2.300 saunas do país. A maioria dos spas são abertos a ambos os sexos e exigem que os usuários não usem roupas. Mas estas saunas públicas são diferentes das chamadas saunas ou clubes de nudismo.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Pleul
Nu na natureza
Pode não ser para todos, mas quem realmente quer entrar em contato com a natureza pode fazer uma caminhada ao ar livre sem roupas. Nas profundezas da região montanhosa de Harz, na Alemanha, há uma rota de caminhada de 18 quilômetros para pelados. Ela se estende de Dankerode até o reservatório de Wippertal. E uma dica importante: cuidado com as urtigas!
Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000. Desde 2015, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão em Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada.