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O que erradicação da varíola pode ensinar sobre novos vírus

Fred Schwaller
6 de julho de 2022

Graças à ciência – e às vacas –, o mundo está há mais de 40 anos livre da varíola, uma doença fatal que tirou centenas de milhões de vidas. Mas como ela foi erradicada e o que se pode aprender com esse sucesso?

Ilustração mostra pessoas sendo vacinadas
A vacina contra a varíola foi disponibilizada gratuitamente em muitos países no século 19 e, mais tarde, tornada obrigatóriaFoto: Hulton Archive/Getty Images

O dia 8 de maio de 1980 ficou marcado por uma das maiores conquistas da ciência: a erradicação do vírus da varíola. Antes disso, a doença moldou o curso da história humana, matando incontáveis milhões em todo o mundo. Apenas no século 20, o vírus tirou cerca de 300 milhões de vidas.

Após centenas de anos de intensos esforços científicos e de saúde pública, os programas mundiais de vacinação introduzidos na década de 1970 puseram fim ao flagelo da varíola. Mas como foi desenvolvida a primeira vacina do mundo? E por que é importante que o imunizante permaneça sendo armazenado e utilizado em casos de varíola dos macacos?

Varíola bovina – aprendendo com a cultura popular

As origens científicas da vacina, na verdade, remetem ao folclore. No século 18, havia rumores de que as mulheres que trabalhavam na ordenha de leite na Inglaterra muitas vezes pegavam casos leves de varíola bovina, mas raramente contraíam a varíola comum.

A varíola bovina é uma doença semelhante à varíola, mas mais branda. Hoje se sabe que ela é transmitida por um vírus da mesma família, os chamados poxvírus.

Quando o médico Edward Jenner ficou sabendo dessas histórias, ele começou a fazer experimentos com a varíola bovina em seu próprio trabalho de inoculação. Na década de 1790, Jenner usou uma agulha para aplicar uma dose de pus da varíola bovina sob a pele de um menino de 9 anos. Quando o menino foi mais tarde exposto à varíola, ele parecia estar imune.

Jenner não foi o primeiro a usar pus para a proteção contra infecções. Procedimentos semelhantes já haviam surgido de forma independente em muitas regiões do mundo, incluindo Turquia, China, África e Índia, já no século 10. Enquanto os médicos chineses introduziam amostra seca e moída de varíola no nariz, médicos turcos e africanos aplicavam pus sob a pele, como Jenner. Embora esses métodos fossem arriscados, as pessoas aceitavam uma forma leve da doença e baixa chance de morte em troca de proteção contra a varíola.

Apesar de suas origens iniciais, foi apenas após a pesquisa de Jenner que o mundo médico e científico percebeu o papel que o pus poderia desempenhar na prevenção da varíola. O trabalho do especialista criou um método comprovado e menos arriscado de proteção contra a doença, marcando um ponto de virada em seu tratamento.

Vacinação se espalha

A demanda pela vacina espalhou-se pelo mundo em meados do final do século 19. Em países como Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos, a inoculação era gratuita para todos e, mais tarde, tornou-se obrigatória. As mulheres da alta sociedade estavam ansiosas para receber o imunizante e evitar manchas no rosto, típicas da doença, enquanto os vacinados ou recuperados podiam trabalhar com segurança com crianças.

As campanhas de vacinação também foram impulsionadas por fatores econômicos. As classes aristocráticas perceberam que os surtos de varíola entre os pobres causavam escassez de mão de obra. A defesa da vacinação gratuita para todos tinha tanto a ver com a proteção da saúde individual quanto com a proteção da riqueza da sociedade.

Contudo, como hoje, os programas de inoculação não eram celebrados por todos. Muitos viam os procedimentos com pouca chance de morte como muito arriscados, enquanto os opositores religiosos acreditavam que a vacina interferia nos planos de Deus.

No século 19, grupos antissemitas na Alemanha também alegaram que os imunizantes faziam parte de uma conspiração judaica global para prejudicar o povo alemão. Conspirações antissemitas semelhantes foram observadas no movimento antivacina mais recente, durante a pandemia de covid-19.

Uma vacina moderna

A vacina moderna contra a varíola foi desenvolvida na década de 1950. Métodos científicos mais avançados permitiram que o imunizante fosse isolado e liofilizado para ser armazenado a longo prazo e distribuído mais facilmente para locais em todo o mundo.

A nova vacina contra a varíola, na verdade, não contém o vírus da doença, e sim o vírus vaccinia, que é uma espécie diferente, porém estreitamente relacionada ao vírus da varíola (ambos pertencem à mesma família) e menos prejudicial. Como as inoculações contra a varíola bovina, o vaccinia faz com que uma pequena pápula se desenvolva na pele, onde o vírus se replica. O sistema de defesa do corpo aprende então a reconhecê-lo e destruí-lo.

A varíola bovina é causada por um vírus similar ao da varíola, mas os sintomas são mais levesFoto: Science Photo Library/IMAGO

Armada com esse método eficaz e seguro de combater a varíola, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou sua primeira grande campanha de erradicação na década de 1950, com a esperança de atingir 80% de cobertura vacinal em cada país.

A meta se mostrou difícil, com oferta de vacinas e infraestrutura de saúde especialmente baixas em países subdesenvolvidos, onde faltavam recursos para programas de saúde pública dessa escala.

Mesmo assim, o programa foi um grande sucesso. Em 1966, a varíola permanecia endêmica em apenas 33 países. O último caso da doença ocorreu na Somália em 1977. Três anos depois, a OMS declarou a varíola erradicada.

Vacina contra varíola ainda útil hoje

Erradicar a varíola talvez tenha sido uma das maiores conquistas da humanidade. Tratava-se de uma doença particularmente mortal, com taxas de óbito de cerca de 30% para o vírus principal. Muitos pacientes que sobreviveram ficaram com sequelas permanentes e tiveram que superar sintomas debilitantes, incluindo febre, dor, exaustão e vômitos.

A erradicação significou que o mundo podia respirar livremente de novo. Mas o que se pode aprender com esse sucesso?

O esforço de vacinação contra a varíola abriu caminho para vários programas globais de imunização, como o da poliomielite e o da covid-19. Ou seja, o mundo deve a notável velocidade e eficácia do programa de vacinação contra a atual pandemia aos esforços anteriores contra a varíola.

O Sars-Cov-2, o coronavírus que causa a covid-19, foi identificado pela primeira vez em dezembro de 2019, e a primeira vacina foi aprovada para uso um ano depois, em dezembro de 2020. Desde então, as campanhas globais de vacinação vêm visando superar os problemas da desigualdade vacinal para fornecer proteção mundial contra o vírus.

Por fim, apesar de a doença estar erradicada, as vacinas contra a varíola são úteis ainda hoje para ajudar a proteger contra vírus semelhantes, como o da varíola dos macacos.

Atualmente, a vacina Imvanex contra a varíola é aprovada na Alemanha para aqueles que correm o risco de contrair varíola dos macacos, mas não é recomendada para a população em geral, uma vez que os especialistas dizem ser improvável que a doença se transforme em uma pandemia.

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