Moscou sediará encontro entre representantes do Hamas, da Jihad Islâmica Palestina e OLP. Especialistas avaliam que, com evento, Putin quer mostrar que tem influência geopolítica.
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Nesta semana, representantes de vários grupos palestinos viajarão a Moscou para conversações sobre a guerra entre Israel e Hamas e outros tópicos do Oriente Médio no que está sendo chamado de um "diálogo interpalestino".
O vice-ministro do Exterior da Rússia, Mikhail Bogdanov, disse à agência de notícias estatal russa Tass que de 12 a 14 organizações participarão da conferência, que terá início nesta quinta-feira (29/02) e durará de dois a três dias.
Isso inclui representantes do Hamas e da Jihad Islâmica Palestina, duas organizações consideradas terroristas pela União Europeia e os Estados Unidos, e de grupos moderados, como o Fatah, a organização que administra a Cisjordânia ocupada, e a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), que é a associação mais ampla de grupos palestinos.
Esses vários grupos assumem posições muito diferentes em tópicos como o reconhecimento do Estado de Israel. A OLP, liderada pelo Fatah, reconheceu Israel em 1993, parcialmente em troca de um possível Estado palestino. O Hamas tem rejeitado isso há anos, embora na sua carta de princípios de 2017 concorde com um Estado palestino nos limites de 1967, mesmo sem reconhecer explicitamente Israel. O Hamas, assim como a Jihad Islâmica Palestina, não faz parte da OLP.
Também houve atos de violência entre os grupos. Hamas e Fatah são rivais. O Hamas, depois de vencer as eleições na Faixa de Gaza, em 2006, não conseguiu chegar a um acordo de divisão de poder com o Fatah, e os combates começaram. O Fatah acabou saindo da Faixa de Gaza, deixando o Hamas no comando, e hoje administra a Cisjordânia; sua autoridade governamental lá é conhecida como a Autoridade Palestina (AP).
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"Diálogo pelo diálogo"
Essa não é a primeira vez que uma frente palestina mais unificada é discutida. Como lembra o especialista russo em Oriente Médio Ruslan Suleymanov, já houve mediações entre os diferentes grupos anteriormente, mas elas jamais foram bem-sucedidas.
No atual caso, "a Rússia não tem nenhum roteiro para o caso palestino, especialmente para a Faixa de Gaza, pois para isso seria necessário ter funções de mediação e manter bons contatos tanto com Israel quanto com a ala paramilitar do Hamas em Gaza", disse Suleymanov.
Diante disso, ele avalia que os principais objetivos de Moscou são mostrar que tem alguma influência sobre as facções palestinas e, de olho na eleição presidencial, que tem alguma influência geopolítica. A Rússia elegerá um novo presidente em meados de março. Não há dúvida de que o atual, Vladimir Putin, vencerá. "Na verdade, trata-se apenas de diálogo pelo diálogo", acrescentou Suleymanov.
Essa opinião é compartilhada pelo especialista Hugh Lovatt, do Conselho Europeu de Relações Exteriores. "Essa cúpula russa é uma forma de mostrar que a Rússia tem a capacidade diplomática de desempenhar um papel prático no apoio à unidade nacional palestina", diz. No entanto, as conversações anteriores em Moscou, em Argel e no Cairo "não conseguiram fechar um acordo de reconciliação duradouro entre os rivais".
Fragmentação palestina
"As divergências entre os grupos palestinos incluem diferenças políticas grandes, relacionadas ao processo de paz e à estratégia de libertação nacional, bem como questões técnicas em termos de como trazer as instituições da Autoridade Palestina de volta a Gaza", diz Lovatt.
O Hamas, que é classificado como organização terrorista pela Alemanha, pela União Europeia e pelos Estados Unidos, governa Gaza desde 2007. Qualquer cenário futuro, pós-guerra, que leve a Autoridade Palestina de volta a Gaza e integre o Hamas politicamente na Cisjordânia ocupada, teria que se basear em alguma forma de entendimento entre o Hamas e a AP, observa Lovatt.
Para o ex-primeiro-ministro palestino Mohammad Shtayyeh, essa é uma possibilidade. No início de fevereiro, ainda no cargo, ele disse, às margens da Conferência de Segurança de Munique, que o Hamas era parte integrante da arena política palestina. "Eles precisam se unir à nossa agenda política. Nossa base é muito clara: dois Estados nas fronteiras de 1967, por meios pacíficos. Os palestinos precisam estar sob um único guarda-chuva", declarou.
Na prática não é bem assim. Vários países já declararam que o Hamas não deveria poder desempenhar um papel na governança após o fim do conflito. Israel, em particular, se opõe a isso. Também é difícil saber como a posição radical do Hamas em relação ao reconhecimento de Israel poderia ser conciliada com a da OLP, que já reconheceu Israel.
Para a Rússia, mesmo que a reunião não tenha resultados práticos, a continuidade da divergência palestina não seria necessariamente um resultado negativo. A reunião ajudaria, mesmo assim, a consolidar o futuro papel da Rússia no Oriente Médio.
A Rússia no Oriente Médio
Por muitos anos, a Rússia soube manter laços estreitos com Israel mesmo mantendo também boas relações com um dos maiores adversários regionais de Israel, o Irã. As relações se deterioram após a invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022, quando o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, não demonstrou apoio à invasão russa, e milhares de russos e ucranianos fugiram para Israel.
Suleymanov analisa que a Rússia não pode realmente "se dar ao luxo de perder Israel também", já que a comunidade de língua russa é a maior minoria em Israel desde que cerca de 1 milhão de pessoas de origem judaica migraram para o país do Oriente Médio após o colapso da União Soviética, no início da década de 1990.
Mas os laços entre a Rússia e o Irã também são fortes. O Irã é conhecido por apoiar o Hamas, o Hisbolá no Líbano, grupos paramilitares iraquianos e os rebeldes Houthi no Iêmen – todos eles consideram os EUA e Israel seus inimigos.
A Rússia mantém há tempos laços com militantes palestinos, e seus contatos com o Hamas já se mostraram úteis. Em outubro, Bogdanov, que também é o enviado especial de Putin para o Oriente Médio, entregou uma lista de reféns israelenses de origem russa ou com dupla nacionalidade aos representantes políticos do Hamas no Catar e pediu a libertação deles.
Roni Krivoi, um técnico de som russo-israelense, foi libertado pelo Hamas em 26 de novembro, além de 13 israelenses que foram libertados como parte de um cessar-fogo temporário intermediado pelo Catar e pelos Estados Unidos. Como o jornal americano Washington Post observou na época, Krivoi "se tornou o primeiro homem adulto com passaporte israelense libertado, mesmo com a maioria das trocas [de reféns] envolvendo mulheres e crianças".
A longa história do processo de paz no Oriente Médio
Por mais de meio século, disputas entre israelenses e palestinos envolvendo terras, refugiados e locais sagrados permanecem sem solução. Veja um breve histórico sobre o conflito.
Foto: PATRICK BAZ/AFP/Getty Images
1967: Resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU
A Resolução 242 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, aprovada em 22 de novembro de 1967, sugeria a troca de terras pela paz. Desde então, muitas das tentativas de estabelecer a paz na região referiram-se a ela. A determinação foi escrita de acordo com o Capítulo 6 da Carta da ONU, segundo o qual as resoluções são apenas recomendações e não ordens.
Foto: Getty Images/Keystone
1978: Acordos de Camp David
Em 1973, uma coalizão de Estados árabes liderada pelo Egito e pela Síria lutou contra Israel no Yom Kippur ou Guerra de Outubro. O conflito levou a negociações de paz secretas que renderam dois acordos 12 dias depois. Esta foto de 1979 mostra o então presidente egípcio Anwar Sadat, seu homólogo americano Jimmy Carter e o premiê israelense Menachem Begin após assinarem os acordos em Washington.
Foto: picture-alliance/AP Photo/B. Daugherty
1991: Conferência de Madri
Os EUA e a ex-União Soviética organizaram uma conferência na capital espanhola. As discussões envolveram Israel, Jordânia, Líbano, Síria e os palestinos – mas não da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) –, que se reuniam com negociadores israelenses pela primeira vez. Embora a conferência tenha alcançado pouco, ela criou a estrutura para negociações futuras mais produtivas.
Foto: picture-alliance/dpa/J. Hollander
1993: Primeiro Acordo de Oslo
Negociações na Noruega entre Israel e a OLP, o primeiro encontro direto entre as duas partes, resultaram no Acordo de Oslo. Assinado nos EUA em setembro de 1993, ele exigia que as tropas israelenses se retirassem da Cisjordânia e da Faixa de Gaza e que uma autoridade palestina autônoma e interina fosse estabelecida por um período de transição de cinco anos. Um segundo acordo foi firmado em 1995.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Sachs
2000: Cúpula de Camp David
Com o objetivo de discutir fronteiras, segurança, assentamentos, refugiados e Jerusalém, o então presidente dos EUA, Bill Clinton, convidou o premiê israelense Ehud Barak e o presidente da OLP Yasser Arafat para a base militar americana em julho de 2000. No entanto, o fracasso em chegar a um consenso em Camp David foi seguido por um novo levante palestino, a Segunda Intifada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/R. Edmonds
2002: Iniciativa de Paz Árabe
Após Camp David, seguiram-se encontros em Washington e depois no Cairo e Taba, no Egito – todos sem resultados. Mais tarde, em março de 2002, a Liga Árabe propôs a Iniciativa de Paz Árabe, convocando Israel a se retirar para as fronteiras anteriores a 1967 para que um Estado palestino fosse estabelecido na Cisjordânia e em Gaza. Em troca, os países árabes concordariam em reconhecer Israel.
Foto: Getty Images/C. Kealy
2003: Mapa da Paz
Com o objetivo de desenvolver um roteiro para a paz, EUA, UE, Rússia e ONU trabalharam juntos como o Quarteto do Oriente Médio. O então primeiro-ministro palestino Mahmoud Abbas aceitou o texto, mas seu homólogo israelense Ariel Sharon teve mais reservas. O cronograma previa um acordo final sobre uma solução de dois estados a ser alcançada em 2005. Infelizmente, ele nunca foi implementado.
Foto: Getty Iamges/AFP/J. Aruri
2007: Conferência de Annapolis
Em 2007, o então presidente dos EUA George W. Bush organizou uma conferência em Annapolis, Maryland, para relançar o processo de paz. O premiê israelense Ehud Olmert e o presidente da ANP Mahmoud Abbas participaram de conversas com autoridades do Quarteto e de outros Estados árabes. Ficou acordado que novas negociações seriam realizadas para se chegar a um acordo de paz até o final de 2008.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Thew
2010: Washington
Em 2010, o enviado dos EUA para o Oriente Médio, George Mitchell, convenceu o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, a implementar uma moratória de 10 meses para assentamentos em territórios disputados. Mais tarde, Netanyahu e Abbas concordaram em relançar as negociações diretas para resolver todas as questões. Iniciadas em setembro de 2010, as negociações chegaram a um impasse dentro de semanas.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Milner
Ciclo de violência e cessar-fogo
Uma nova rodada de violência estourou dentro e ao redor de Gaza no final de 2012. Um cessar-fogo foi alcançado entre Israel e os que dominavam a Faixa de Gaza, mas quebrado em junho de 2014, quando o sequestro e assassinato de três adolescentes em mais violência. O conflito terminou com um novo cessar-fogo em 26 de agosto de 2014.
Foto: picture-alliance/dpa
2017: Conferência de Paris
A fim de discutir o conflito entre israelenses e palestinos, enviados de mais de 70 países se reuniram em Paris. Netanyahu, porém, viu as negociações como uma armadilha contra seu país. Tampouco representantes israelenses ou palestinos compareceram à cúpula. "Uma solução de dois Estados é a única possível", disse o ministro francês das Relações Exteriores Jean-Marc Ayrault, na abertura do evento.
Foto: Reuters/T. Samson
2017: Deterioração das relações
Apesar de começar otimista, o ano de 2017 trouxe ainda mais estagnação no processo de paz. No verão do hemisfério norte, um ataque contra a polícia israelense no Monte do Templo, um local sagrado para judeus e muçulmanos, gerou confrontos mortais. Em seguida, o plano do então presidente dos EUA, Donald Trump, de transferir a embaixada americana para Jerusalém minou ainda mais os esforços de paz.
Foto: Reuters/A. Awad
2020: Tiro de Trump sai pela culatra
Trump apresentou um plano de paz que paralisava a construção de assentamentos israelenses, mas mantinha o controle de Israel sobre a maioria do que já havia construído ilegalmente. O plano dobrava o território controlado pelos palestinos, mas exigia a aceitação dos assentamentos construídos anteriormente na Cisjordânia como território israelense. Os palestinos rejeitaram a proposta.
Foto: Reuters/M. Salem
2021: Conflito eclode novamente
Planos de despejar quatro famílias palestinas e dar suas casas em Jerusalém Oriental a colonos judeus levaram a uma escalada da violência em maio de 2021. O Hamas disparou foguetes contra Israel, enquanto ataques aéreos militares israelenses destruíram prédios na Faixa de Gaza. A comunidade internacional pediu o fim da violência e que ambos os lados voltem à mesa de negociações.
Foto: Mahmud Hams/AFP
2023: Terrorismo do Hamas e retaliações de Israel
No início da manhã de 7 de outubro, terroristas do grupo radical islâmico Hamas romperam barreiras em alguns pontos da Faixa de Gaza, na fronteira com Israel, e, em território israelense, feriram e mataram centenas de pessoas, além de sequestrarem mais de uma centena. Devido a isso, Israel declarou "estado de guerra" e iniciou uma série de bombardeios, deixando partes da Cidade de Gaza em ruínas.