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O que ameaça a Lava Jato?

27 de agosto de 2017

Mais de três anos após início, operação ainda mostra força. Mas parece estar diante de riscos similares aos de sua equivalente italiana. Entenda quais são hoje os principais obstáculos enfrentados.

Brasilien Brasilia Polícia Federal
Foto: Brasilia Polícia Federal

Mais de três anos após a sua eclosão, a Operação Lava Jato ainda sacode o mundo político e empresarial do Brasil graças ao seu núcleo original em Curitiba, seus “filhotes” no Rio de Janeiro e no Distrito Federal e às atividades da Procuradoria-Geral da República em Brasília, responsável pelas investigações contra políticos com mandato. 

Ações nas últimas semanas também resultaram na instalação de novos desdobramentos da operação em São Paulo e no Rio Grande do Sul. Manchetes recentes da operação incluíram mais uma condenação do ex-diretor da Petrobras Renato Duque. Com tudo isso, a operação parece mais viva do que nunca. 

Só que outros episódios recentes, no entanto, também escancaram os riscos que a operação e seus desdobramentos correm. Veja quais são:  

A reação do mundo político

Hoje, críticas à Lava Jato partem de quase todo o mundo político atingido, de Lula e Michel Temer a Aécio Neves e Dilma Rousseff. Após a divulgação do escândalo da JBS, o presidente Temer assumiu a linha de frente das críticas ao núcleo da Lava Jato na Procuradoria-Geral.

Ao mesmo tempo, ele trocou seu ministro da Justiça, colocando um crítico da Lava Jato na chefia da pasta responsável pela Polícia Federal. Até o momento, Temer não promoveu nenhuma troca radical no comando da corporação, mas seu ministro chegou a afirmar que uma mudança poderia ser feita.  

Já no Legislativo, as críticas tem se traduzido em projetos para combater o poder da operação. Uma das primeiras iniciativas nesse sentido partiu do senador Renan Calheiros (PMDB-AL), com seu projeto de combate ao "abuso de autoridade" de juízes e procuradores. 

Inciativas mais recentes envolvem uma renovada discussão sobre mudanças no Código de Processo Penal, que podem incluir a redução do poder do Ministério Público e mudanças nas regras sobre delações premiadas. 

Na visão de procuradores da Lava Jato, até mesmo a controversa reforma política que está em discussão no Congresso é um mecanismo para perpetuar a mesma classe política no poder.

"Por que eles estão querendo se agarrar tanto aos seus cargos? Vejam que um terço dos parlamentares é objeto de investigação no STF. Para muitos deles, perder o mandato significa perder o foro privilegiado e, com isso, ter grande risco de ir para cadeia”, disse o coordenador da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol. 

Racha entre PF e MPF

Desde o início, um dos trunfos da Lava Jato foi a colaboração estreita entre o MPF e a Polícia Federal, especialmente no núcleo curitibano da operação. Recentemente, no entanto, a relação parece ter regredido com a erupção de uma disputa sobre o papel de cada órgão em uma investigação criminal e a competência para firmar acordos de delação. As colaborações mais famosas, como a da Odebrecht, foram firmadas exclusivamente pela PGR, sem um papel de destaque da PF. 

Recentemente, o diretor-geral da PF, delegado Leandro Daiello, disse que "a colaboração premiada é um instrumento de investigação, e, sendo um instrumento de investigação, é para ser aplicado pela Polícia Federal".  Já a PGR apontou que "conforme a Constituição, o Ministério Público é o titular da persecução criminal". "A Polícia não pode negociar acordos de colaboração premiada porque não é nem pode ser parte em ação penal".

Em junho, outros sinais desse racha ficaram evidentes após a prisão do ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine. Em ofício encaminhado ao juiz Sergio Moro um delegado afirmou que a PF só foi informada sobre as investigações após o inquérito instaurado pelo MPF ter sido vazado à imprensa. O delegado disse que investigações foram iniciadas “sem amparo policial”.

O fator Gilmar Mendes

Envolvido em controvérsias desde 2002, quando assumiu uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Gilmar Mendes tem se notabilizado ainda mais nos últimos meses por causa da sua postura de enfrentamento ao que classificou como "abusos" da Lava Jato.

Além de usar sua posição para soltar alvos de investigação de maneira que vem sendo classificada como no mínimo questionável – como o habeas corpus ao empresário Jacob Barata, preso pela Lava Jato do Rio –, Mendes ainda detém o poder de virar o placar na decisão de 2016 que determinou que a execução da pena no Brasil deve ser aplicada após a condenação na segunda instância. 

Recentemente, o ministro Marco Aurélio Mello deu sinais que pretende mudar seu voto. O placar então passaria para 6 a 5, com Mendes podendo dar o voto da virada. Para os procuradores da Lava Jato, uma decisão nesse sentido representaria um enorme retrocesso, já que a prisão em segunda instância é encarada como um dos legados da operação.

Mendes também vem criticando o que chamou de falta de "controle judicial" sobre os poderes de investigação do MP, que, segundo ele, viraram uma "terra de ninguém". Em 2012, uma decisão do STF assegurou esses poderes ao órgão. Mendes foi um dos ministros que votou a favor, mas sua postura recente pode indicar que ele também pode levar o assunto ao plenário do STF para forçar uma nova discussão. 

"Gilmar Mendes ameaça todo combate à corrupção de retrocesso. Quer impedir o Ministério Público de investigar. Quer impedir a execução da pena após a decisão de 2º grau. Precisamos resistir e fazer valer as leis e a Constituição, e não a vontade de déspotas pouco esclarecidos", escreveu o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, do Ministério Público Federal do Paraná. 

A falta de recursos

O episódio da suspensão de emissão de passaportes ocorrido em junho escancarou a falta de recursos da Polícia Federal, que recebeu neste ano orçamento 44% menor que o solicitado. 

A Polícia Federal tem no momento 473 operações em andamento, mas o futuro de várias delas permanece incerto. Com menos recursos, a PF não tem como comprar passagens aéreas, pagar diárias e voos. Sem essas ferramentas, delegados não podem planejar grandes operações. Normalmente, prisões e conduções dependem da mobilização de agentes de diferentes estados e não apenas de policiais da unidade que concentra a investigação.

Em Curitiba, berço da Lava Jato, esses efeitos já são sentidos. "Há uma serie de linhas de investigação que estão paradas ou andando de modo lento, quando elas poderiam já estar avançadas. Veja que das ultimas sete operações pedidas e deflagradas na Justiça, da Lava Jato, seis partiram do MPF, apenas uma da PF", afirmou Dallagnol em entrevista à rede Globo no final de julho.

Cansaço

Em 2004, ao analisar o legado da Operação Mãos Limpas na Itália - que nos anos 90 promoveu uma devassa no sistema político-empresarial do país - o juiz Sérgio Moro apontou que operações do tipo também dependem de um bom relacionamento com a imprensa e a opinião pública. "A opinião pública, como ilustra o exemplo italiano, é também essencial para o êxito da ação judicial", escreveu à época. 

No momento, a Lava Jato continua a receber amplo apoio do público, segundo pesquisas recentes. 

Alguns procuradores, no entanto, apontam para um risco crescente nesse sentido. "O atual momento é de cansaço da população com a Lava Jato. Muitos dos movimentos que nos apoiaram achando que era uma investigação do PT não nos apoiam mais. outras pessoas pensam mais na crise, querem que a situação econômica melhore", disse o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima em julho. 

Em entrevista ao jornal Valor ele também atribuiu um eventual cansaço da população pode ocorrer por causa da manutenção de Temer. "Toda vez que uma investigação não atinge seus objetivos, que uma acusação não é processada, boa parte da população se sente desanimada".


 

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